Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Eleições não estimulam opiniões

O editorial é o espaço opinativo de excelência dentro dos jornais brasileiros. Apesar de os artigos assinados e as notas de colunistas desempenharem papel importante, é o editorial que demonstra mais claramente qual é a influência na opinião pública que a publicação quer causar, quais são os temas que deseja colocar em discussão, quem são os possíveis responsáveis pelas mudanças necessárias, enfim, é o editorial quem dá nome aos atores sociais que figuram em nossa realidade.

Os editoriais de A Notícia, Jornal de Santa Catarina e Diário Catarinense foram analisados no período de 18/08 a 30/9. Um dia após o início da veiculação do Horário Eleitoral Gratuito na televisão e no rádio até o último dia de campanha previsto pela lei. Desta forma, pôde-se traçar um panorama da cobertura realizada do ponto de vista opinativo.

Números, números, números

Uma enxurrada de dados pode descrever as eleições municipais deste ano em Santa Catarina: 293 municípios, 13.145 candidatos, 102 zonas eleitorais, 3,9 milhões de eleitores, 16.838 urnas eletrônicas, 53.295 pessoas envolvidas com a coleta e apuração dos votos. Embora os números apontem para uma efervescência política, essa dinâmica não foi vista nos jornais catarinenses no período eleitoral. Pelo contrário, a disputa foi relatada na mesma temperatura em que alguns eleitores dizem estar. Com isso, espalharam-se pelas páginas relatos mornos, presos às agendas dos candidatos, em tom declaratório e seguindo a burocrática função de registrar as decisões dos plantões da Justiça Eleitoral.

De maneira geral, os jornais não fizeram grandes investimentos de cobertura do pleito, o que pode ser uma explicação para os resultados obtidos. No entanto, é preciso levar em consideração também que as eleições municipais são as mais difíceis em termos jornalísticos. Para jornais com alcance estadual, como cobrir as disputas que são paroquiais por natureza? Para jornais mais regionais, como dar conta do trabalho sem esbarrar nas fortes pressões locais, arcaicas mas ainda vigentes? Ao mesmo tempo em que se deparam com tais dificuldades, as empresas não podem ignorar os pleitos municipais: leitores e eleitores esperam um bom trabalho.

Superficialidade. Esta palavra poderia descrever a tônica presente nos posicionamentos opinativos dos três jornais catarinenses. Se o cidadão estava desinteressado pelas questões eleitorais, a mídia impressa não colaborou muito para que isso mudasse. Apesar de o Brasil estar vivendo uma fase política no mínimo ‘nova’ – com a centro-esquerda no poder federal – o que talvez acarrete em algumas mudanças também na esfera municipal, o jornalismo parece ter tratado essas eleições com o mesmo automatismo das outras. Candidatos, propostas, propaganda, debates, eleição.

Foram poucos editoriais sobre o assunto. Somando-se os três jornais, foram analisadas 125 edições. Destas, somente 17 tiveram editoriais sobre o assunto. Os dois diários do Grupo RBS foram reticentes quanto à manifestação de opinião. Em 44 dias, o DC publicou cinco e o Santa quatro editoriais tratando da temática das eleições. Já o AN abordou o assunto um pouco mais, trazendo oito editoriais e 17 artigos assinados.

A Notícia: em cima do muro

O jornal costuma ter menos profundidade quando a opinião vem ‘da casa’, deixando ‘as bombas’ para a seção de artigos. Desta vez o jornal decidiu emitir opiniões mais concisas e claras no editorial, mas a cada crítica mais mordaz fazia um mea culpa, voltando atrás. Elogiou a economia federal e depois alertou Lula para não usar o Estado em favor dos candidatos do PT. Atacou a baixa escolaridade dos candidatos e depois disse que inteligência não rima necessariamente com competência.

No dia 20/8 o leitor teve acesso ao editorial ‘Corrupção eleitoral’, que destacou a campanha de combate à corrupção eleitoral, lançada pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e a Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) em Florianópolis. Segundo o jornal, as duas entidades ‘entendem que é preciso colocar em debate questões relacionadas com o financiamento de campanhas, bem como denunciar esquemas de compras de votos mediante mecanismos ou ações clandestinas que visam a beneficiar o candidato de maior poder econômico’. O AN cumpriu seu papel social, informando o cidadão dos canais por onde pode exercer seu direito de fiscalizar a ‘corrida pelo poder’, ao publicar o 0800 e o email da campanha.

Já em ‘Candidatos de baixa escolaridade’, a crítica foi dirigida aos candidatos, por apresentarem baixo nível educacional. A posição do jornal é obviamente louvável e deveria ser copiada por outras instituições. Um editorial exemplar, não fosse pela matemática. Segundo os dados apresentados, dos 14.006 (na época) candidatos às prefeituras e Câmaras, só 45,3% concluíram o ensino fundamental (antigo primeiro grau). Quanto aos restantes, o texto continua: ‘dos 50% mais instruídos, apenas 17% têm curso superior, o que demonstra como a política, de fato, está nivelada por baixo na sociedade catarinense, um dos estados mais desenvolvidos do país.’ No entanto, quando fala da porcentagem que terminou a universidade, o próprio AN se complica na matemática básica: ‘Destes candidatos com curso superior, 28% são mulheres e 15% homens’, o que soma 43%. Se o jornal estivesse analisando os 50% mais educados como o total, faltariam 7%, se estivesse analisando os 17% de graduados como total, a conta também não fecharia. De qualquer forma, a estatística utilizada, já que é embasada em porcentagem, deveria usar o 100% como totalidade. Para o próprio jornal, ‘escolaridade não deve ser confundida com inteligência e competência, ainda que tenha vinculação direta com desempenho e eficiência’.

No dia 12/9, ‘Na reta final’, o Partido dos Trabalhadores recebeu uma atenção diferenciada, sendo o único a ser mencionado. ‘Em Santa Catarina, o PT promete intensificar bastante o atual nível das campanhas’. E quanto aos outros? Depois, elogia a economia nacional: ‘Os ventos favoráveis que sopram sobre o crescimento econômico podem ajudar a performance do PT em cidades de médio porte, que sentem os benefícios da oferta de empregos e do crescimento do consumo’. O tom de lamentação fica claro quando o texto ressalta que estes benefícios não serão levados em conta na decisão. ‘Eleições municipais, contudo, acabam valorizando mais o perfil dos candidatos do que o desempenho da economia’.

A síndrome das coligações também foi criticada, pois denota a ‘fragilidade política’ do país. Em ‘Raposa no galinheiro’, publicado no dia 13/9, o tom é ácido: ‘Praticamente todas as combinações possíveis entre partidos são encontradas em coligações pelo Brasil afora.’ Esse aspecto abre a discussão, que segue tratando de outros dois problemas: os candidatos quase analfabetos e os que possuem antecedentes criminais. Para o AN é imprescindível que se faça uma Reforma Política no Brasil.

Depois de elogiar o governo federal, faz-se um mea culpa em ‘O fator Lula’, de 22/9. ‘Agir politicamente e exercer sua liderança de principal personalidade do PT é uma coisa, outra bem diferente é acionar os mecanismos do Estado em favor desse ou daquele candidato’. Só no dia 27/9 chega a hora de comentar o horário eleitoral na TV e no Rádio, através dos quais o eleitor ‘dificilmente reunirá elementos para decidir o voto, tamanha a fragmentação das aparições de tantos candidatos’.

Vale destacar que até mesmo uma autocrítica foi feita. ‘A própria imprensa – como ocorre nas eleições para deputados estaduais e federais também encontra imensas dificuldades em informar os eleitores sobre a eleição para os legislativos municipais.’ O último editorial publicado, no dia 30/9, finaliza a cobertura do período pré-eleição em tom professoral. ‘A campanha não chegou a entusiasmar a população’, mesmo assim, ‘é de se registrar que os candidatos conseguiram estabelecer um bom diálogo com os eleitores’. No fim, ‘Como tradicionalmente ocorre, as eleições deverão transcorrer de forma tranqüila e ordeira em todo o Estado de SC’.

Santa critica apócrifos

No Jornal de Santa Catarina, o primeiro editorial que trata da campanha eleitoral aparece na edição de 4 e 5 de setembro. O ‘Opinião do Santa’ traz que ‘faltando agora menos de um mês para o pleito de 3 de outubro, o que se vê em Blumenau é uma campanha voltada a propostas. (…). Em parte, tal atitude reflete o amadurecimento eleitoral e democrático dos políticos e dos eleitores, cansados de bate-bocas ou acusações típicas desta época’. Apesar de apontar um ‘amadurecimento eleitoral’ e ressaltar a atuação do Tribunal Superior Eleitoral, o jornal aponta que ‘é verdade que pipocaram em Blumenau algumas acusações entre candidatos, mas, na reta final do pleito, espera-se que tenham sido casos isolados e não virem o tom neste último mês antes do 3 de outubro. A democracia agradece’. O leitor fica se perguntando: afinal de contas, a eleição em Blumenau é voltada para propostas ou acusações entre os candidatos?

A resposta pôde ser encontrada no texto que ocupa o espaço de opinião do jornal no dia 28. Intitulado ‘Estratégia de covardes’, o editorial afirmou que ‘lamentavelmente, mais uma vez bombardeia-se Blumenau com e-mails e panfletos apócrifos de ataques a candidatos. Gestados sob o mandato da covardia – eis que os autores não assumem a autoria das acusações –, as mensagens em nada colaboram para a cidadania’. O Santa ataca essa atitude e encerra as colocações do editorialista definindo suas ações editoriais frente as acusações em tom quase poético: ‘O Jornal de Santa Catarina reafirma seu compromisso de não se prestar ao mau exercício do jornalismo, protagonizado pelos arautos do vil denuncismo. Ataques apócrifos não devem ser veiculados pela imprensa responsável. Quem não tem coragem para assumir seus atos, não merece lugar ao sol da democracia’. No dia seguinte, ao criticar a ‘exagerada expectativa (…) pela divulgação de pesquisas eleitorais’ encerra o texto de forma muito semelhante: ‘O Jornal de Santa Catarina reafirma seu compromisso de não transformar pesquisas em peça principal da cobertura eleitoral. O que fortalece a cidadania é o voto consciente.’

No dia 30, as eleições são tema do ‘Opinião RBS’. No último dia de campanha, o editorial publicado (‘A eleição e a maturidade’) aponta que ‘com escassas exceções, a campanha eleitoral tem se desenvolvido com bom nível’. Além disso, o texto traz comentários sobre pesquisa apontando que ‘o brasileiro vem se mostrando acima de tudo pragmático em relação à eleição deste domingo’. Para a RBS, ‘as respostas, que confirmam o amadurecimento do eleitorado, revelam também a importância que os cidadãos emprestam aos cargos em disputa (…)’.

Pouca opinião também no DC

No Diário Catarinense, como que seguindo uma tendência que controla os jornais do mesmo grupo – RBS –, foram poucos os dias em que os editoriais focalizaram o pleito de 2003. Em 44 dias de análise, contabilizou-se apenas cinco ocorrências no DC, enquanto no Santa, foram quatro. As escassas menções ajudam a formular pelo menos duas hipóteses acerca do envolvimento da imprensa com as eleições deste ano: ou os jornais não quiseram opinar para não se envolver, ou ignoraram a importância da disputa.

Muitos candidatos do Estado têm o turismo como tema de suas propostas e esse fato é apontado no primeiro editorial publicado, no dia 6 de setembro, no Diário Catarinense. Apesar de ressaltar a importância do turismo para Santa Catarina, o jornal defende que ‘soa como um truísmo dizer que não pode existir turismo sem que haja qualidade de vida para as populações permanentes’. Traz ainda que ‘(…) são notórias as deficiências de infra-estrutura urbana (…) que funcionam tanto como obstáculos, e principalmente, como barreiras a uma melhor qualidade de vida para os moradores’. Ao falar da realidade da Capital, o discurso torna-se mais ameno: ‘De justiça reconhecer os esforços despendidos pela atual administração para corrigi-las’. No dia 26, com texto intitulado ‘A uma semana da eleição’, o DC aponta que ‘o custo de uma eleição é alto demais para uma nação que tem carência de recursos. Além disso, as instituições políticas, especialmente as legislativas, acabam envolvidas de tal maneira no processo que geram paralisações das atividades normais dos parlamentos’. Assim, defende uma reforma política que proponha a unificação dos mandatos e a eventualidade de fazer apenas uma eleição geral de quatro em quatro anos. O assunto aparece também em editorial publicado no dia 29. Segundo o jornal, os políticos devem ‘lutar contra a tendência de deixar tudo para depois das eleições num país que tem questões urgentes para resolver e que não pode se conformar em ver os trabalhos do Congresso descontinuados a cada dois anos’.

Ainda nesta edição traz que ‘num país que está a cada dois anos a deixar tudo o que depende de deliberação do Congresso para depois das eleições, a particularidade de as pesquisas de opinião estarem indicando a possibilidade de segundo turno em cerca de uma dezenas de capitais e em várias cidades com mais de 200 mil habitantes acaba por se constituir em algo preocupante’. Em Santa Catarina, nem tão preocupante, já que apenas Florianópolis e Joinville têm possibilidade de segundo turno nestas eleições. Mas este dado vai aparecer somente no dia 30 em texto igual ao publicado pelo seu parceiro de Grupo RBS. No dia 28, o tema foi a ‘Moeda eleitoral’ e para o DC ‘a liberação ou a retenção de verba pública não pode de modo algum ficar condicionada a interesses de caráter partidário. Os eleitores precisam se mostrar permanentemente vigilantes à capacidade de os ocupantes de cargos executivos visarem ou não ao bem comum e da à dos órgãos específicos de vigiar e punir deformações no uso de dinheiro público.’