Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Entre a teoria e a técnica

Na cabeça, uma touca de banho para ser identificada como caloura – brincadeira dos veteranos na primeira semana de aula, olhos brilhantes e bem focados na entrevistadora. Carolina Azevedo gesticula ansiosamente ao falar o que espera aprender no curso de Jornalismo da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e confessa que ainda não sabe exatamente o que deve aprender entre teoria e prática da profissão. Ela leu a grade de horários, sabe as funções básicas de um jornalista, mas admite: ‘Não dá para colocar na cabeça de um calouro o que é o curso. Eu só vou saber o que preciso e o que faltou quando estiver lá na frente, trabalhando e souber realmente o que é a profissão.’


Aqueles que já passaram pela universidade, pelo mercado de trabalho e hoje estão na academia entendem que para criar o currículo é preciso, antes, definir o tipo de profissional que se pretende formar.


A formação essencialmente teórica, ainda presente em diversos cursos do Brasil, muitas vezes não prepara para o que o mercado espera. Os cursos encaram a questão de se reformular para que os profissionais que preparam tenham condições de encarar o mercado de trabalho e, ao mesmo tempo, têm a responsabilidade de formar jornalistas com conhecimento. ‘Nós não vemos o mercado como um inimigo’, afirma a professora Marques sobre a postura adotada na Universidade de Brasília (UnB).


Estudos éticos e jurídicos


A professora relata que o propósito traçado é ‘mais do que formar pessoas capazes de escrever em jornalismo, cidadãos capazes de pensar, elaborar, avaliar, propor mudanças nos meios de comunicação’. Foram dois anos de encontros em que os professores discutiram autores como Paulo Freire e Edgard Morin e fizeram debates e pesquisas entre os alunos até chegarem ao modelo do novo currículo, implantado em 2005. Na nova grade, a divisão de dois anos práticos e dois teóricos não existe mais. Os professores se revezam, no mesmo semestre, ao ministrarem disciplinas em diferentes laboratórios, onde procuram abordar os mesmos temas de pauta. A medida está em fase de experimentação, na tentativa de interagir com diferentes mídias e aprofundar a reflexão teórica durante as experiências práticas.


Em qualquer período da história da profissão, a responsabilidade do jornalista sempre esteve envolvida na transmissão das informações, mas os meios para que essas informações sejam transmitidas têm evoluído de forma complexa. O contexto político e social e os recursos tecnológicos influenciam decisivamente na maneira em que o jornalista exerce seu papel.


A primeira proposta de um curso de Jornalismo no Brasil foi feita em 1918, no Congresso Brasileiro de Jornalismo. Influenciado pelo modelo que surgia nos Estados Unidos, o curso se voltaria à prática baseado em um jornal-laboratório. Mas uma escola de jornalismo só surgiu, de fato, em 1947 na Fundação Cásper Líbero. Os cursos criados nesse período eram essencialmente vinculados aos cursos tradicionais de humanas, com ênfase em estudos éticos, jurídicos e literários.


Burocratização e estágios


A criação do Conselho Federal de Educação levou à elaboração do primeiro currículo mínimo, em 1962. Este currículo determinava uma mesma grade de disciplinas obrigatórias para todos os cursos de jornalismo do país.


Fatos como a revolução cubana geraram uma preocupação sobre a postura de resistência que o jornalismo vinha tomando no terceiro mundo diante da política dos Estados Unidos. Essa situação levou a Unesco a criar o Ciespal, Centro Internacional de Estudos superiores de Jornalismo para a América Latina, em 1959, com sede em Quito, no Equador.


A influência no Brasil foi tamanha que o segundo currículo mínimo de Jornalismo, criado durante a ditadura militar, foi elaborado por Celso Kelly, técnico treinado no Ciespal. Esse novo currículo, concluído em 1969, enfatiza a tecnificação do ensino, cria a figura do comunicador polivalente ou comunicador social, capaz de dominar técnicas de jornalismo, relações públicas, publicidade e propaganda, de acordo com as necessidades do mercado. O diploma passou ser obrigatório para o exercício da profissão. Nesse contexto, recomendava-se aos cursos de jornalismo nos países sul-americanos que passassem a ser chamados de comunicação social.


Discussões e descontentamentos com as mudanças de 69 deram origem à criação de um novo currículo em 1979. A nova proposta pretendia voltar-se para a reflexão crítica, mas o que acabou ocorrendo foi uma burocratização e a responsabilidade do ensino técnico-profissional acabou sendo transferida para os estágios nas empresas.


Um mesmo tema


A partir da década de 80, a tecnificação, já imposta pelo governo militar, é reforçada pelas exigências do mercado. Empresários reclamavam que a formação do jornalista era incompatível com as funções que exerceriam depois de faculdade e usavam isso como argumento para não haver obrigatoriedade de diploma.


Em 1984 foi formulado o currículo mínimo, que estabelecia um tronco comum de disciplinas para a formação do comunicador social e seis habilitações específicas, sendo uma delas o jornalismo. A parte técnica da profissão deveria ser ensinada em laboratórios, mas em muitas universidades ficou comprometida devido à falta de estrutura.


Durante a década de 90, os cursos foram fazendo ajustes de acordo com as necessidades que detectavam. Na UFSC, adotou-se a nomenclatura Jornalismo em 2000. A publicação do comunicado em 5 de julho, pelo então chefe de departamento Hélio Schuch, justifica: ‘A formação de jornalistas não cabe em apenas dois anos, como simples habilitação. Com um mercado de trabalho cada vez mais exigente e dinâmico, a graduação deve ampliar e qualificar a capacidade dos alunos, com um ensino de enfoque profissional, e isso demanda um tempo bem maior.’


A utilização do tronco comum ou na estrutura do currículo não resolve o que professor Eduardo Meditsch é uma das maiores deficiências dos estudantes de jornalismo, a falta de conhecimento sobre a realidade brasileira e que os cursos não têm contribuído para melhorar o nível desse conhecimento. Meditsch conta que foi procurado por uma grande empresa de comunicação para dar um curso sobre o tema aos jornalistas. O professor é autor do livro O conhecimento do Jornalismo e chegou a propor para o currículo da UFSC que a cada fase fosse abordado um mesmo tema sobre a realidade do Brasil em todas as disciplinas, como economia, meio-ambiente e política.


Conhecimento periférico


O Conselho Nacional de Educação definiu em 2001 novas diretrizes, com mais flexibilidade, para a formação de um profissional do jornalismo nos Parâmetros Curriculares Nacionais. O curso continua sendo classificado como uma habilitação da área de Comunicação Social e o ensino deve ser focado na produção e disseminação das informações do momento presente. A graduação também deve se relacionar com outras áreas sociais, culturais e econômicas. ‘Os cursos antigos têm agora, a oportunidade e o compromisso de promoverem as adequações necessárias às expectativas e ao dinamismo da sociedade’, avaliam os professores Eron Brun e Jorge Ijuim em artigo publicado pela Intercom em 2003.


A flexibilidade radical na grade curricular é defendida pelo professor da UFSC, Mauro Silveira. Desde que entrou na graduação na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, nos anos 70, ele acredita que a função da universidade é potencializar vocações. Para o professor os estudantes deveriam ter uma boa base teórica e a opção de cursar disciplinas técnicas de acordo com suas áreas de maior interesse no jornalismo. ‘Eu percebi no próprio exercício da profissão que muitas coisas que vi na faculdade não me serviram de nada’, explica ele, mas reconhece que isso exigiria mais recursos e uma melhor estrutura na universidade brasileira.


Formado no curso de Jornalismo da UFSC no final de 2007, aprovado em primeiro lugar no trainee do Jornal O Estado de São Paulo, Vitor Hugo Brandalise Júnior percebe em seu pouco tempo no mercado que o ensino técnico lhe foi muito bem ensinado. Ele também reconhece as deficiências em sua formação. ‘Falta conhecimento periférico sobre tudo. Falta estudo. E, sinceramente, de dentro do mercado, ao menos da grande mídia, não é fácil corrigir essas falhas na formação.’

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Estudantes de Jornalismo na Universidade Federal de Santa Catarina