Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Escola não é tudo, futebol menos ainda

Três dias antes daquele jogo fatídico contra a França, o atacante Henry tocou na ferida brasileira. Mesmo sem desejar ofender a honra verde e amarela, ele parece ter atingido o âmago dos atletas da seleção canarinho. Tentando identificar os motivos de os craques do Brasil serem superiores aos franceses, Henry apontou a falta de escolarização como uma vantagem tupiniquim.

Apaixonado por uma bola, Henry era obrigado pela mãe a não gazetear as aulas. Futebol, só se sobrasse tempo. Enquanto isso, em outras latitudes, meninos pobres, sem chuteiras, magros de fome, desestimulados pela violência a freqüentar uma escola, participavam de peladas das 8 da manhã às 6 da tarde. Na visão do francês, o Brasil levava vantagem dessa forma. Indiretamente ele rotulou a tropa de Parreira de vagabunda, ignorante, burra e dependente do futebol para sobreviver. Com algumas exceções. Raríssimas, por sinal.

Henry tratou os jogadores do Brasil como atores circenses, reis do espetáculo, do passatempo de europeus endinheirados, figurantes das modernas arenas do velho mundo. Gladiadores do século 21, adquiridos em outros continentes e leiloados por empresários de índole, moral e formação duvidosas. O fato de Cafu, o líder em campo da equipe, aceitar a sutil provocação inimiga como verdade suprema, pode ter abatido o moral ou, então, elevado às alturas aquele orgulho idiota de quem nunca pisou numa sala de aula mas obteve sucesso financeiro.

Vilão e carrasco

A verdade dita por Henry não vai melhorar o nível de escolarização nacional. Muito menos o reconhecimento de Cafu, suprema desgraça. Afinal, escola não é tudo. Futebol, menos ainda. Milhares de garotos continuarão a tentar uma vaguinha nas escolinhas dos clubes em todo o país sem se conscientizar de que apenas 23 chegarão à seleção na Copa da África do Sul, em 2010. Na outra ponta, a maioria perderá anos de vida atrás de um mísero salário, iludida por empresários inescrupulosos. Em geral, políticos ou correligionários líderes de currais eleitorais. Gentinha conectada ao submundo. Antes dos 40 anos de idade, os atletas cairão na informalidade, pois não terão estudo ou qualquer preparo profissional e formação acadêmica que os ampare.

Henry evidenciou que a escola não resolve todos os problemas e necessidades humanas. Mas a educação, sim. Para demonstrar eficácia, a escola necessita estimular futuros cidadãos à reflexão, a repensarem suas relações sociais, políticas e econômicas. Escola que forma robôs não educa, mas deforma. Por tudo o que significam a frase e o gol de Henry e o resultado do embate franco-brasileiro, vale a máxima de que a escola continua sendo a melhor saída, desde que provida de conceitos e filosofias educadoras. Quanto ao futebol, este é para poucos, humildes, inteligentes, temperantes, capacitados ao trabalho em equipe, cheios de garra e brio, com um mínimo de vergonha na cara para honrar a nação representada.

Educação extrapola o campo da escolaridade. Atinge tanto os privilegiados quanto a massa. Durante o jogo contra Portugal, o comentarista da Globo, Casagrande, chamou várias vezes Henry de ‘mascarado’. Seria um sintoma de ódio pela verdade exposta pelo francês? Teria Casagrande colocado a carapuça e se contemplado no espelho da vida ao lado de Cafu e companhia? Que pena! A Rede Globo perdeu a grande oportunidade de estimular os jovens à educação acima da prática do futebol. Se depender dos ‘educados’ e formatados pela filosofia global, Henry se perpetuará como um vilão, carrasco e mau-caráter. Daqui uma década, a verdade de Henry virá à tona.

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Diretor de redação da ABJ, professor de Jornalismo no Unasp e mestre em Educação, Engenheiro Coelho, SP