Tuesday, 16 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1283

Exemplo político com um pé na mídia

Em 1974 o jovem advogado e deputado estadual Jader Barbalho era o líder inconteste da oposição no Pará, como lembrou o presidente Lula em Brasília. Três décadas depois, quantos dos seus eleitores continuam votando em Jader? Sua trajetória de enriquecimento pessoal engoliu seus dividendos políticos.

‘Quem, no Pará, não votou em Jader, em 1974?’ A pergunta foi feita, no dia 11, pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, durante um jantar com a bancada do PMDB, na residência de Renan Calheiros, presidente do Senado, em Brasília. O presidente do partido, Michel Temer, deu uma resposta indireta a Lula: ‘Jader é um injustiçado. Todo mundo sabe que foi um dos mais destacados parlamentares do PMDB autêntico e o quanto foi importante para a conquista da democracia’.

É verdade: só não votou em Jader Barbalho, tornando-o o mais votado deputado federal do Pará em 1974, quem estava contente com o regime militar ou tinha alguma idiossincrasia pessoal com o simpático e carismático integrante do grupo dos peemedebistas autênticos (em oposição aos fisiológicos). Mas quantos desses eleitores ainda votam em Jader atualmente? Quantos optaram por ele nas mais recentes eleições realizadas no Estado?

O contingente original sofreu uma profunda diáspora nas últimas três décadas. O motivo apareceu, mais uma vez, nas páginas de Veja três dias depois do jantar do PMDB com Lula: com grande destaque, a revista paulista acusou o parlamentar paraense de ter utilizado um artifício legal para se livrar de uma dívida de 82 milhões de reais junto a órgãos federais, com primazia para o imposto de renda. O deputado comandou a transferência da concessão do seu canal de televisão (afiliado à Rede Bandeirantes), do âmbito da RBA, empresa ‘bichada’ por seus débitos, para a órbita do Sistema Clube do Pará, que está saneado.

Graças à manobra, habilitou-se à renovação da concessão do canal até 2017 e ainda deixou os credores sem garantias reais para responder pelo pagamento dos débitos. A primeira operação foi aprovada pelo vice-presidente José Alencar, no exercício da presidência em virtude de uma das múltiplas ausências do titular; a segunda, pelo próprio Lula.

Ouvidos de mercador

Veja abriu espaço e selecionou palavras duras para acusar o ex-ministro de ter recebido um ‘presentaço’ do governo petista, no valor de mais de 80 milhões de reais, como compensação pelo apoio que tem dado ao presidente Lula, ainda que mais nos bastidores do que explicitamente. Desta vez, Jader se defendeu, numa entrevista a Carlos Mendes, de O Estado de S. Paulo. Sustentou que a transferência da concessão não representou qualquer irregularidade, porque feita ao amparo de normas legais. Nem representou uma tentativa de fuga da responsabilidade pelas dívidas, porque os sócios da Rádio Clube são os mesmos sócios da RBA, detentora – até então – da outorga do governo. A nova organização societária teria sido adotada para que a RBA passasse a figurar como holding do grupo, incluindo o Sistema Clube do Pará.

O resultado prático imediato da mudança é a manutenção da televisão dos Barbalho em atividade. Sem a reorganização, a RBA estaria ameaçada de ter as suas atividades suspensas por sua inadimplência junto à Receita Federal, INSS e FGTS. E também de perder patrimônio no caso de execução da dívida, que soma R$ 82,4 milhões. Mas os credores poderão continuar a buscar ressarcimento, só que agora por vias mais tortuosas, aproveitando-se da solidariedade dos sócios, mesmo com o remanejamento dos débitos de uma empresa para a outra, já que Jader, a ex-esposa e os filhos aparecem como cotistas de todas elas.

O artifício pode ser caracterizado como fraude ao credor? Essa á uma questão para os especialistas responderem, mas as respostas nessas demandas dificilmente são obtidas com rapidez ou clareza (por isso mesmo há os especialistas, advogados que costumam cobrar caro para transitar nas lacunas e obscuridades legais). De qualquer maneira, se houvesse fraude, o presidente, o vice-presidente e o ministro das Comunicações poderiam até ser alcançados pelo crime de responsabilidade; em outra situação, por uma capitulação mais grave ainda.

Essas questões não são tão simples como foram apresentadas em Veja. Tanto a revista quanto Jader estão dizendo a verdade, mas não toda; e ocultando mentiras, mas não com pleno sucesso. As zonas cinzentas existem e é por elas que os advogados transitam para firmar uma ou outra posição, sempre com fundamento legal (ou não), em socorro de seus clientes. Entre a lei e sua transgressão costuma haver mais coisas do que pode imaginar a filosofia de rua do cidadão, com seu problemático senso comum.

Inegavelmente, porém, a administração federal foi condescendente com Jader, para dizer o mínimo: providenciou uma rápida tramitação dos seus interesses, consumados em um semestre, e ignorou as restrições potenciais à transação, com ônus para o interesse público (e, sobretudo, o erário), em benefício do maior grau possível de tolerância legal. Fez vista de inglês e ouvido de mercador para atender o aliado. Não faria o mesmo com um adversário ou um desconhecido.

Esses favores sempre foram concedidos a empresas jornalísticas amigas e a parceiros políticos. A Editora Abril já recebeu vários desses presentes e outros ‘capitães da imprensa’, também. Alguns mais destacados e com presentes bem mais caros do que o ex-governador do Pará. Mas por que sempre Jader?

Esculpido pela imprensa

Tendo feito muito menos e com menor poder ofensivo, ele incorporou a imagem do ex-governador paulista, o eterno candidato a presidente Ademar de Barros, celebrizado pela frase ‘rouba, mas faz’. Quando, em qualquer lugar do país, o inconsciente coletivo vaga atrás da imagem do político corrupto, inevitavelmente encontra Paulo Maluf ou Jader Barbalho. Outra vez a grandeza de Maluf deveria reservar a Jader um lugar secundário, mas isso não acontece: os refletores da acusação se dirigem cada vez com mais insistência sobre o político paraense, ou ao menos não na proporção de seus ativos mal explicados.

O problema não é tanto – nem só – a falta de origem certa e clara para o patrimônio acumulado por Jader, um mal atávico na classe política (e epidêmico entre empresários). O que torna sua situação especial é seu investimento em um grupo de comunicação. Poucos políticos foram tão bem sucedidos nesse tipo de negócio quanto ele. Alguns políticos logo se desligaram do setor. Outros mantiveram seu império da mídia, mas saíram da militância política, como o paulista Orestes Quércia, cuja imagem e carreira são freqüentemente associadas a Jader (e, de certa forma, o precederam). Para o grupo dominante da corporação jornalística, o deputado federal do PMDB é uma companhia incômoda – e um concorrente que convém afastar.

O sucesso como político e empresário fez Jader superestimar a própria capacidade e subestimar seu baú de dificuldades. Esquecendo o amplo telhado de vidro e o extenso rabo de palha, confrontou um par muito mais poderoso, o baiano Antônio Carlos Magalhães, e o derrotou na medição pessoal de forças. Mas foi de Pirro a vitória que conquistou. A partir dela, acumulou derrotas nos seis anos seguintes. Alguns revezes, como a renúncia ao cargo de senador e a prisão pela Polícia Federal, derrotariam uma pessoa comum. Mas Jader tem resistido ao arquivamento e à aposentadoria compulsória. Continua tentando recuperar ao menos parte do poder que já teve. É um jogo arriscadíssimo, conforme o constante recrudescimento de matérias na grande imprensa atesta. Até quando ele resistirá? Qual é o seu objetivo nessa luta?

Os observadores mais bem informados não têm dúvida de que o ex-senador jamais voltará à linha de frente nacional. Estigmatizado, só se manterá vivo em papel secundário, atuando nos bastidores. Será alvejado não só quando se colocar para fora dessa área de confinamento, mas também quando for interessante alvejar por ricocheteio a quem estiver servindo. A última matéria de Veja parece visar menos o próprio Jader do que Lula, constrangendo o presidente a receber uma resposta inesperada (e desagradável) à pergunta que fez no jantar na casa do presidente do Senado. E a engolir a resposta como um sapo, de razoáveis proporções.

Jader Fontenele Barbalho foi esculpido pela imprensa como o mais exemplar batráquio da desastrada fauna dos políticos que tiram vantagem pessoal através do exercício desmesurado do poder que têm. Mesmo que, de fato, não seja tudo isso, nem o conteúdo das acusações seja exatamente o que parece, não interessa: Jader é o anti-teflon. Tudo que jogarem contra ele, cola. Ao que parece, vão jogar sempre.

Mistérios da mídia

Por que o grupo Liberal não tem repercutido as últimas investidas da imprensa nacional contra o seu arquiinimigo, Jader Barbalho?

Por que o Diário do Pará não reproduziu a entrevista que seu maior proprietário, o mesmo Jader, concedeu a O Estado de S. Paulo, defendendo-se das acusações da revista Veja?

Por que O Liberal reproduziu a matéria de Veja contra Ana Júlia Carepa, ao mesmo tempo em que dá passagem às notas oficiais da governadora? Morde e assopra?

O foco da revista

Há alguma má vontade da revista Veja em relação ao Pará? A dúvida caberia diante de duas matérias seguidas contra dois dos principais líderes políticos do Estado, Jader Barbalho e Ana Júlia Carepa. Mas, evidentemente, a desconfiança não cabe. Até prova em contrário, Veja não tem implicância com o Pará. Nossos políticos é que, por sua qualidade, estão sempre expostos às críticas. A revista da Editora Abril estaria, portanto, em mais uma cruzada cívica pela melhoria de um dos mais decisivos segmentos da elite nacional?

Também não, é claro. A manobra de Jader com a concessão do canal de TV fez jus à denúncia. Mas a descrição do assunto e o tamanho da reportagem guardam proporção com o significado do tema? Bem que a revista podia aproveitar o mote e ampliar a denúncia a todos os donos de empresas de comunicação que já fizeram, estão fazendo ou planejam fazer a mesma coisa ou coisas semelhantes. Seria um bom ‘gancho’, no qual prenderia muitos exemplos dessa prática.

Já quanto à matéria sobre a governadora, as informações em si são corretas, embora nem sempre caracterizem a ilegalidade apontada pela revista. Ana Júlia expôs um vasto flanco, que a está levando a ser apresentada como a rainha do nepotismo no Brasil, máscara que já está colando em sua imagem definitivamente. Mas, a rigor, todas as informações já haviam sido divulgadas, algumas inclusive pela própria revista.

Nesse caso, o objetivo principal não foi informar o distinto público, mas execrar a personagem. Tudo se resume a Ana Júlia? Óbvio que não: o zoom de Veja vai em Lula, de uma forma tal que o jornalismo passa a ser instrumento de negócio. A revista faz as duas coisas, mas a reincidência na linguagem de panfleto já permite dizer que o negócio prepondera sobre o jornalismo quando os dois andam juntos. Devia ser o contrário. Mas justamente porque a face da revista mudou, não é mais.

Economia

O grupo Liberal continua a adotar medidas administrativas para reduzir os seus custos e ajustar a corporação aos tempos de vacas menos gordas do que as que pastavam nos campos da empresa até recentemente. As providências se concentram na área de jornais. No início do mês o Amazônia Jornal saiu do prédio onde até então funcionava e se instalou na redação de O Liberal, onde as duas equipes foram fundidas e prosseguiu a redução de quadros, com novas demissões de jornalistas. Agora os jornalistas que foram mantidos têm que escrever para os dois jornais, indistintamente.

O leitor, atraído para fazer assinaturas com o argumento de que as duas publicações são diferenciadas, descobrirá que comprou gato por lebre. Sem a possibilidade de vice-versa.

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Jornalista, editor do Jornal Pessoal, Belém, PA