Tuesday, 19 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1279

Folha de S. Paulo


IMPRENSA NA JUSTIÇA
Folha de S. Paulo


Juíza proíbe jornalista de ‘ofender’ deputado


‘A juíza da 13ª Vara Cível de São Paulo, Tonia Yuka Kôroko, proibiu liminarmente (em caráter provisório) o jornalista Juca Kfouri de escrever textos que possam ser considerados ofensivos ao promotor afastado e hoje deputado estadual Fernando Capez (PSDB), sob pena de multa de R$ 50 mil.


A decisão da juíza foi confirmada, no dia 23 de novembro, pelo desembargador Luiz Antônio de Godoy.


Para Tais Gasparian, advogada de Kfouri, a decisão viola o direito do jornalista de exercer sua profissão.


‘A ordem imposta a Kfouri, que o proíbe de ‘ofender’ Capez, além de abstrata, hipotética e subjetiva, é flagrantemente ilegal e consiste em evidente embaraço ao exercício da atividade jornalística’, afirma.


Gasparian e os advogados Samuel Mac Dowell de Figueiredo e Mônica Filgueiras da Silva Galvão, que recorreram anteontem da decisão do desembargador, sustentam que ‘é tênue a divisa entre a crítica, que mesmo veemente, irônica e dura, deve ser suportada, e a ofensa, cabendo ao jornalista caminhar no fio dessa navalha.’


À Justiça o deputado apresentou três textos publicados no blog esportivo de Kfouri.


Um deles, de 2006, intitulado ‘Mais uma do promotor’, informava que Capez havia sido multado pelo Tribunal Regional Eleitoral em razão de propaganda eleitoral ilegal.


‘Curiosamente, o requerido [Kfouri] não trouxe ao seu blog esportivo a notícia de que o processo de impugnação foi julgado improcedente no Tribunal Superior Eleitoral. Também não noticiou que o requerente [Capez] foi eleito com quase 100 mil votos’, informou o parlamentar em juízo.


Ainda na Justiça, Capez sustentou que Kfouri é reincidente, pois já teria sido condenado duas vezes por tê-lo ofendido.


O jornalista não consta como condenado dos processos citados. Em um, é testemunha. Em outro, a condenação recaiu sobre o veículo de comunicação.


Ontem, Capez informou que não iria se manifestar porque o processo está em andamento.


Em nota, a Associação Nacional de Jornais (ANJ) informou que a liminar é um ‘absurdo ato de censura prévia’. ‘Não se admite qualquer censura prévia, como se dá nesse caso. Censura prévia é contrária ao livre exercício do jornalismo e à livre circulação de opiniões, portanto, um desserviço a todos os cidadãos e à sociedade em geral.’’


 


Rodrigo Vargas


Juiz proíbe jornais de veicular notícias sobre caso de estupro


‘Uma emissora de TV, seis jornais e cinco sites de notícias de Campo Grande foram proibidos pela Justiça local de veicular informações sobre um processo contra um acusado de estupro.


O juiz substituto da 1ª Vara Criminal da cidade, Adriano Bastos, notificou os 12 veículos de comunicação sobre a proibição. Seu argumento é que o caso está sob segredo de Justiça.


‘Determino a vossa senhoria que não divulgue mais nenhuma informação sobre o caso, especialmente as datas das audiências […] sob pena de desobediência’, afirmou o juiz, em ofício aos veículos.


O segredo de Justiça no caso foi decretado a pedido da defesa do suspeito, um universitário de 27 anos que está preso sob acusação de ter cometido ao menos cinco estupros entre julho e agosto deste ano.


Em nota, a ANJ (Associação Nacional dos Jornais) lamentou a decisão do juiz e disse tratar-se de ‘censura prévia’. Para a associação, o segredo de Justiça diz respeito somente às partes de um processo e aos agentes públicos envolvidos.’


 


ABERTURA
Sérgio Dávila


‘Arquivo do Terror’, da era Stroessner, está na internet


‘Parte importante do ‘Arquivo do Terror’, os 320 mil documentos, fotos e registros recolhidos ao longo dos 35 anos da ditadura do general paraguaio Alfredo Stroessner, acabam de ser colocados à disposição dos usuários da internet. São 60 mil fichas de pessoas e 246 versões digitais dos papéis mais requisitados do conjunto, os últimos com enfoque na chamada ‘Operação Condor’.


Esses textos trazem novos detalhes, segundo os organizadores do arquivo, da atuação dessa coordenação entre serviços de inteligência das ditaduras sul-americanas nos anos 70 e 80 para perseguir supostos opositores. Os documentos são em espanhol, a maioria, mas há alguns em português, como telegramas de adidos militares brasileiros em Assunção.


Há um documento que traria a primeira prova de que o desaparecimento de dois argentinos no Rio de Janeiro no começo de 1980 foi obra das forças de segurança da Argentina. São o ítalo-argentino Horacio Campiglia e sua irmã, Elcira, que desapareceram depois de levados a prisões em Buenos Aires.


‘É o maior site em língua espanhola com registros militares e de polícia secreta sobre abusos que tiveram lugar durante o regime militar no Paraguai e em outros lugares do Cone Sul’, diz o texto de apresentação, referindo-se ao bloco formado ainda por Brasil, Argentina, Bolívia, Chile e Uruguai. O site entrou no ar ontem.


A iniciativa é resultado de um acordo entre o Arquivo de Segurança Nacional, um dos centros de documentação histórica mais importantes e ativos dos EUA, o Centro de Documentação e Arquivo para a Defesa dos Direitos Humanos (CDyA, na sigla em espanhol) da Suprema Corte do Paraguai e a Universidade Católica de Assunção.


O projeto começou em 2002 e estava previsto para ser entregue nesse ano, quando se completam 15 anos da descoberta do ‘Arquivo do Terror’. O site tem registros da ditadura de Alfredo Stroessner, que durou de 1954 a 1989, e de ações realizadas antes, já nas décadas de 30 e 40, no Paraguai.


‘Esses documentos fornecem uma chave-mestra histórica para as câmaras de horrores dos regimes militares do Cone Sul’, disse Carlos Osorio, diretor do projeto. Para ele, atrocidades do passado são relevantes para o debate sobre a conduta das operações antiterrorismo de hoje e do futuro.


O texto de apresentação sugere comparações entre o período e ações controversas do governo Bush. Os sites são www.gwu.edu/0nsarchiv/NSAEBB/NSAEBB239d/index.htm (em inglês) e www.nsarchive.org/CDyA (em espanhol).’


 


ECONOMIA
Clóvis Rossi


Olha ela aí outra vez


‘SÃO PAULO – O velho sábio que habitava esta Folha costumava dizer que vivera o suficiente para ver tudo acontecer e o seu contrário também. Até ler o artigo de ontem de Luiz Carlos Mendonça de Barros, começava a achar que estava entrando nessa fase.


Afinal, passei toda a minha vida adulta convivendo com um demônio chamado inflação. Convivendo em três sentidos: como pessoa física, tratando de me defender dele.


Como jornalista, cobrindo os muitos planos lançados para matá-lo.


E, em coberturas internacionais, desanimando de explicar o Brasil para estrangeiros -porque inflação elevada não figurava no código mental e cultural dos interlocutores do mundo rico.


Depois do Plano Real, o Brasil começou a ficar, digamos, normal (desse ponto de vista -e só desse).


De repente, parecia que ia acontecer o contrário: europeus e norte-americanos é que ficariam ‘anormais’. Na segunda-feira, o principal título do ‘Financial Times’ tratava dos riscos, para os consumidores, dos aumentos nos preços mundiais dos alimentos.


Aumentos, de resto, em ritmo do velho Brasil: nunca antes no mundo os preços do trigo e do arroz tiveram cotação tão alta (para entrega em março próximo); a soja conhece um pico de 34 anos, e o milho, de 11 anos.


Claro que no Brasil os alimentos também estão em alta (10,09% no mais recente IPCA-15), mas inflação mesmo (que é alta generalizada de preços, não aumentos localizados) não parecia à vista.


Até que vem o chato do Luiz Carlos Mendonça de Barros para avisar: ‘Vamos entrar em 2008 com um risco de inflação elevado, e essa questão já está no topo das prioridades do mercado’.


Vou ter que guardar um pouco mais o ar de superioridade que pensava exibir em cima dos europeus e norte-americanos ao encontrá-los em Davos em janeiro.’


 


NELSON RODRIGUES
Ruy Castro


Nelson como Crusoé


‘RIO DE JANEIRO – Em 1977, mais ou menos nesta época, Nelson Rodrigues foi convidado a fazer uma tarde de autógrafos de seu novo livro, ‘O Reacionário’, em Florianópolis, a convite de uma livraria. Nelson tinha todos os motivos para não ir. Não gostava de sair do Rio -dizia que, quando passava do Maracanã, sentia uma ‘infinita nostalgia do Brasil’- e vinha de uma série de doenças e internações. Numa dessas, correra tal risco de vida que os jornais aprontaram seu obituário (o do ‘Globo’, ele leu depois e gostou muito).


Mas, para surpresa geral, talvez por necessidade de afago, Nelson aceitou o convite. Só que não viajava de avião. Donde teria de fazer em seu carro, um Galaxie, com motorista, os 1.200 km do percurso. Pelas dúvidas, convidou sua irmã Stella, médica, a ir junto como enfermeira. A viagem, que podia ser feita em 15 horas com folga, levou o dobro disso porque Nelson não deixava correr. E talvez tenham pernoitado pelo caminho. No dia seguinte, chegaram a Florianópolis. Nelson passou pelo hotel para um banho e uma soneca, apresentou-se na livraria e se sentou à mesa, com uma caneta cheia de tinta e os livros. Ficou duas horas ali, esperando pelos leitores. Sabe quantos apareceram? Nenhum. Ninguém. Zero. Ele nunca estivera tão por baixo.


No dia seguinte, pegaram a estrada em sentido contrário, e o que me comove nessa história não é a cena que a própria livreira me descreveu, com Nelson abandonado, sentindo-se tão só quanto ‘um Robinson Crusoé sem radinho de pilha’. O que me esmaga é imaginar a viagem de volta, com o sentimento de rejeição pesando em cada metro dos 1.200 km.


Isso foi há 30 anos. Três anos depois, morreu. Ontem fez 27 anos de sua morte. Desde então, o país custou, mas aprendeu a amar Nelson Rodrigues.’


 


ARGENTINA
Rodrigo Rötzsch


Kirchner com rímel


‘UM PROGRAMA de humor da televisão argentina ironizou a posse de Cristina Fernández de Kirchner com um bastão presidencial ‘sui generis’; seu interior ocultava um kit de maquiagem.


Soa como simples piada machista contra a primeira mulher eleita presidente da Argentina, mas trai a essência do segundo governo Kirchner: mudanças, se houver, serão cosméticas.


Os estereótipos traçados pela imprensa argentina descrevem Néstor Kirchner como um homem preocupado com minúcias internas e sem paciência para questões protocolares da diplomacia internacional. A isso atribuem o isolamento da Argentina durante seu governo.


Cristina, por sua vez, seria mais cosmopolita; interessada em conhecer o mundo e desfilar em cenários internacionais, embora antes de chegar à Casa Rosada só conhecesse do exterior as lojas de Miami e Nova York. Somada à sua promessa de promover a ‘reinserção internacional’ da Argentina, essa imagem criou a expectativa de mudanças ao menos em política exterior.


A análise ruiu já na primeira semana de governo. Uma investigação da Justiça americana foi recebida como ataque dos EUA à soberania nacional pela presidente e todo o governo argentino. Falou-se em política suja, em operações de inteligência e até o embaixador Earl Wayne foi chamado a se explicar. Se não bastasse, o próprio Kirchner fez seu discurso de estréia como ex-presidente subindo o tom e pondo gasolina no fogo que Wayne tentara apagar. Ao contrário do que disse o diplomata, rebateu o primeiro-cavalheiro, as relações com os EUA não vão nada bem.


Já Hugo Chávez, aquele de quem Cristina pretenderia se afastar, ao contrário, só recebeu afagos. A tal ‘equação energética’’ que não fecha é a justificativa para a argentina defender a torto e a direito a incorporação da Venezuela ao Mercosul. Na cúpula desta semana, em Montevidéu, prometeu concluir esse processo em seu período na presidência pro tempore do bloco -que termina em junho-, como se dela dependesse, e não do Congresso brasileiro.


Na mesma cúpula, enquanto Cristina e Chávez comandavam a artilharia verbal contra os EUA, Lula dizia que os culpados pelas falências do Mercosul são os próprios governantes sul-americanos e que não se deve transferir a responsabilidade pela inoperância do bloco aos EUA. Falou, literalmente, outra língua que a da mais nova sócia do bloco, numa demonstração de que a pregada ‘aliança estratégica’ entre os dois países pode ficar só na conversa. Até porque algumas diferenças não podem ser corrigidas na base do rímel.’


 


FUSÕES E AQUISIÇÕES
Folha de S. Paulo


Net compra Big TV e deve ir a 48% de participação


‘A Net anunciou ontem a aquisição da Big TV, operadora de TV por assinatura e banda larga que atua em São Paulo, Paraná, Alagoas e Paraíba. Se o negócio for aprovado, a Net passará a deter 48% do mercado de TV por assinatura e 18% do mercado de internet banda larga no país (hoje possui, respectivamente, 46% e 17%).


Em teleconferência na tarde de ontem, a empresa informou que o valor do negócio vai depender do prazo de aprovação pela Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações), já que a compra tem que ser aprovada pela agência, mas que deve variar de cinco a sete vezes o valor do Ebitda (lucro antes juros, impostos, amortizações e depreciações) da Big TV. Ou seja, a Net desembolsaria entre R$ 200 milhões e R$ 290 milhões.


Ontem, as ações PN da Net subiram 9,61%.


Com cerca de 107 mil assinantes de TV e 56 mil de banda larga, a Big TV cobre 409 mil de domicílios e tem receita líquida anualizada de R$ 102 milhões. Assim, a Net, que hoje atende 2,4 milhões de clientes na TV e 1,288 milhão em banda larga, verá crescimento de 4,5% e 4,3%, respectivamente. Os domicílios cabeados chegarão a 9,4 milhões, alta de 4,5%.


Além disso, a operadora ampliará sua atuação de 79 para 91 cidades brasileiras -acrescenta na base de clientes Guarulhos (São Paulo), Valinhos (SP), Botucatu (SP), Jaú (SP), Sertãozinho (SP), Marília (SP), Ponta Grossa (Paraná), Cascavel (PR), Cianorte (PR), Guarapuava (PR), Maceió (Alagoas) e João Pessoa (Paraíba).


A Net não atuava nem em TV por assinatura nem em banda larga em nenhuma dessas cidades. ‘As áreas são boas. Maceió é uma capital, e a Net não tinha presença lá. Valinhos também possui uma área residencial com condomínios de ótimo padrão, e Guarulhos também é muito importante’, disse João Elek, diretor financeiro da Net.


Segundo ele, das 12 cidades atendidas pela Big TV, Guarulhos é onde a empresa tem a presença mais forte.


Além da aprovação da Anatel -Elek afirmou que o prazo é ‘imprevisível’-, a aquisição ainda depende de aprovação do Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica). Depois, o negócio será submetido à aprovação dos acionistas.


Em comunicado, as empresas informam que ‘tomarão as medidas necessárias para notificar os órgãos integrantes do Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência, de acordo com os prazos e demais disposições legais e regulamentares’.’


 


INCLUSÃO DIGITAL
Lorenna Rodrigues


Municípios deverão ter banda larga até 2010


‘O governo e as empresas de telefonia fixa concluíram as negociações para levar internet a todas as escolas e municípios brasileiros até 2010. O programa terá duas frentes. Na primeira, as empresas levarão redes de banda larga a todas as cidades em até três anos. A rede, porém, chegará até a entrada do município, e aí caberá a outras empresas levar o serviço até o consumidor.


Na outra frente, as empresas acordam levar elas mesmas a rede de internet até 55 mil escolas em todo o Brasil, que corresponde a todas as escolas públicas urbanas do país. A internet será entregue gratuitamente pelas teles por 18 anos.


Ontem, o conselho diretor da Anatel aprovou mudanças na legislação que permitirão que as empresas levem a estrutura de banda larga aos municípios. Será modificado o decreto que prevê obrigações de universalização das empresas de telefonia fixa.


Agora, em vez de instalarem 8.461 pontos de telefonia e acesso à internet, como prevê a legislação, as teles terão de instalar cabos aos cerca de 3.400 municípios do país que ainda não têm internet banda larga.


A Anatel entendeu que, legalmente, as empresas só podem ser obrigadas a levar os cabos ‘até a porta da cidade’. O acordo de estender a rede até as escolas foi negociado separadamente pelo governo.


Segundo a superintendente de universalização da Anatel, Enilce Versiani, o custo para as empresas ficará entre R$ 800 milhões e R$ 1 bilhão.


As teles terão de levar redes com velocidade entre 8 e 64 Mbps (megabits por segundo) até os municípios e de 1 Mbps até as escolas.


A proposta da Anatel havia ficado em consulta pública em novembro. A idéia inicial era levar a infra-estrutura até os municípios em duas fases: na primeira, seriam atendidas apenas as cidades e, a partir de julho, as localidades menores.


Depois da consulta pública, porém, a Anatel resolveu começar o atendimento ao mesmo tempo. As empresas atenderão 40% dos municípios e localidades já em 2008. No ano seguinte, serão cobertos outros 40% e, em 2010, os 20% restantes.’


 


E-commerce tem maior expansão em novembro


‘O comércio eletrônico teve o melhor desempenho da internet brasileira por número de usuários residenciais em novembro. Segundo o Ibope/NetRatings, a categoria teve crescimento de 11,5% ante o mês anterior, com 11,9 milhões de internautas.


Em segundo lugar, ficou o setor de viagens e turismo, que cresceu 11,3%.


Ainda segundo o relatório, o total de internautas residenciais ativos no Brasil em novembro -aqueles que acessam a web de casa ao menos uma vez por mês- foi de 21,5 milhões. O número indica aumento de 49,1% ante o mesmo período de 2006 e 8,3% em relação a outubro.


O Brasil se mantém como o país com maior tempo médio de navegação residencial por internauta entre dez nações monitoradas -23 horas e quatro minutos mensais.’


 


ROUBO NO MASP
Folha de S. Paulo


Crime no Masp


‘UM PÉ-DE-CABRA, um macaco e uma marreta. Três minutos. Nada mais foi necessário para furtar, do Museu de Arte de São Paulo (Masp), um Picasso e um Portinari, estimados em até R$ 100 milhões.


Roubos espetaculares podem acontecer em grandes museus de qualquer cidade, e há casos de operações até mais simples do que a ocorrida na madrugada desta quinta-feira. O quadro ‘O Grito’ foi retirado à luz do dia do Museu Munch de Estocolmo, e correram mundo as imagens do assaltante que sobraçava, andando pela rua, a célebre pintura.


No Masp, as cenas do crime são de visualização mais difícil. É que suas câmeras não contam com dispositivos infravermelhos. Custariam R$ 30 mil, quantia que o Masp -cujo acervo se calcula valer, no mínimo, US$ 1 bilhão- não tem de onde tirar. Alarmes? Sensores de aproximação? Perguntar por tais cuidados parece até brincadeira, num museu que já teve luz e telefones cortados por falta de pagamento.


Em outubro, já tinha havido uma tentativa de roubo no museu. Nada que abalasse, entretanto, a rotina do local. O presidente do Masp, Júlio Neves, declarou-se ‘atônito e trêmulo’ ao saber que, desta vez, ladrões tiveram sucesso na empreitada.


Atônitos, com mais razão, ficam todos os que se acostumaram a ver no Masp um dos orgulhos da cidade -e assistem, há anos, ao declínio da instituição. Em crônicas dificuldades financeiras, o museu -que é uma entidade de direito privado- vive uma crise que tem evidente dimensão de interesse público. Idéias, entretanto, não faltam para revitalizá-lo.


Por estranho que possa parecer, segundo a revista ‘Veja’ o Masp recebeu em 2006 da iniciativa privada apenas 40% do montante angariado pela Pinacoteca do Estado da mesma fonte. Ao contrário do que acontece com este museu público, a marca do Masp não é explorada comercialmente.


Quanto a possíveis auxílios do poder público, esbarram em questões de outra natureza. O governo do Estado, por exemplo, condiciona a canalização de verbas à contrapartida de mais influência -e participação da sociedade- na escolha dos administradores do museu. A prefeitura, que em 2006 cedeu R$ 1,6 milhão ao Masp, reclama da falta de transparência da atual gestão.


Algumas mudanças positivas vieram a público recentemente. Após ficar uma década sem curador, o Masp tem agora uma personalidade de reconhecida experiência ocupando o cargo. E, num aprimoramento que soa irônico na presente circunstância, a reserva técnica -onde se deposita a parte do acervo que não é exposta ao público- passou a contar com moderno sistema de prevenção a roubos.


Não basta, evidentemente. Em três minutos, ladrões levaram dois quadros da sala de exibição. Alarmes não soaram nesta quinta-feira. Mas soam com estridência, há vários anos, os sinais de crise no mais importante museu brasileiro. Sociedade e Estado não mais podem consentir com seu abandono.’


 


Gilmar Penteado e André Caramante


Masp improvisa segurança com vigias sem qualificação


‘O acervo do Masp (Museu de Arte de São Paulo), considerado o mais importante da América Latina, é vigiado por funcionários contratados como orientadores de público, sem formação em segurança ou registro na Polícia Federal.


A fragilidade do sistema de vigilância foi revelada anteontem, quando dois quadros dos pintores Pablo Picasso e Candido Portinari foram furtados do acervo em apenas três minutos.


Os ladrões usaram um pé-de-cabra e um macaco hidráulico para invadir o Masp. Nenhum dos funcionários que fazia a segurança diz ter percebido o furto. Eles não usam armas e não têm curso na área.


‘Não é possível que as pessoas responsáveis por essa exposição sejam tão amadoras no quesito segurança’, afirmou o promotor Arthur Pinto Lemos Júnior, do Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado), do Ministério Público, designado para acompanhar o caso.


O presidente do Masp, Júlio Neves, admitiu ontem que orientadores de público -que, por exemplo, são usados para inibir a aproximação de visitantes dos quadros durante os horários de exposição- também têm a função de atuar como segurança e que esse sistema existe há mais de 20 anos. Para ele, não há problema no acúmulo das duas tarefas.


Anteontem, quando esse desvio de função não era conhecido, a assessoria do Masp divulgou nota no qual afirmava que o uso de vigilantes em sistema de ronda é a forma mais mais eficiente de segurança das obras. Melhor, inclusive, que alarmes e sensores, de que o museu não dispõe.


O promotor classifica essa situação como um absurdo. ‘Eles estavam designados para desempenhar uma função para a qual não tinham capacidade alguma. Todos os funcionários são pessoas que sequer tinham curso de vigilância. Não tinham qualquer experiência para agir numa situação como essa’, afirmou Lemos Júnior.


À Folha, um dos orientadores de público usados como vigilantes, que não quis se identificar, afirmou que não recebeu nenhum curso na área de segurança. Ele disse que foi desviado de função sem nenhuma orientação. Afirmou também que a responsabilidade desse desvio não é dos funcionários, que estariam sendo expostos pela investigação policial.


Até ontem, 13 funcionários foram ouvidos pela Polícia Civil. Nove deles eram orientadores que também desempenham a função de segurança.


Segundo o Sindicato dos Trabalhadores nas Empresas de Segurança Privada de São Paulo, os funcionários do museu usados para guardar o acervo não podem sequer ser chamados de vigilantes. De acordo com o sindicato, a função exige um curso de capacitação em segurança, mesmo se ele não trabalhar armado.


A legislação brasileira também exige que a empresa, se quiser ter seu próprio corpo de seguranças, faça um registro na Polícia Federal, responsável por fiscalizar o setor. O Masp não tem esse registro na PF.


Luz apagada


Segundo o promotor do Gaeco, a falta de experiência em segurança dos funcionários provocou erros primários.


Um dele prejudicou o que poderia ser uma das provas decisivas e mais rápidas para esclarecer a identidade dos criminosos: as imagens do circuito interno de televisão.


De acordo com Lemos Júnior, os funcionários afirmaram que eram orientados pela administração do museu a apagar as luzes à noite por medida de economia. O presidente do Masp nega a orientação.


O sistema de câmeras não tem infravermelho. Na madrugada de anteontem, as imagens captadas dos três ladrões dentro do Masp não ficaram nítidas, o que prejudicou a investigação policial.


‘Vai ser muito difícil identificar essas pessoas agora’, disse o promotor. Também não foram encontrados vestígios de impressões digitais porque os três ladrões usavam luvas.


Os documentos da investigação também serão enviados para a Promotoria da Cidadania de São Paulo. O órgão pode pedir à Justiça, por exemplo, a interdição das exposições até que seja montado um sistema adequado de segurança. Segundo o promotor, houve reforço da segurança após o crime.


Colaboraram TEREZA NOVAES E MARIO CESAR CARVALHO, da Reportagem Local’


 


Imagens mostram cuidado dos ladrões ao retirar obras de arte


‘As imagens das câmeras de segurança do Masp mostram que os três ladrões que invadiram o museu na madrugada de quinta-feira usavam ternos escuros, capuzes e luvas brancas. O vídeo analisado pela polícia também mostra que o trio teve muito cuidado ao transportar os quadros durante o crime.


De acordo com as imagens investigadas pelas polícias Civil e Federal, logo depois de usar um macaco hidráulico para arrombar a porta (uma espécie de alçapão) de acesso ao Masp, isso às 5h09, os ladrões foram direto para o 2º andar. Às 5h10, um deles desce, observa o saguão do museu e dá um sinal para os dois que ainda estavam na parte superior.


Um dos ladrões desce então as escadas carregando a tela ‘O Lavrador de Café’ (da década de 30, óleo sobre tela, 100×81 cm), do pintor brasileiro Candido Portinari (1903-1962), e a coloca cuidadosamente perto da porta onde estava o macaco e desce. Só quando já estava em pé na escadaria dessa porta, ele puxa a obra e some das lentes das câmeras.


Segundos após, o terceiro ladrão também desce as escadas do 2º para o 1º andar carregando o ‘Retrato de Suzanne Bloch’ (1904, óleo sobre tela, 65×54 cm), do artista espanhol Pablo Picasso (1881-1973). Ao contrário do outro ladrão, ele não põe o Picasso no chão, antes de acessar a escada onde estava o macaco hidráulico, e vai direto para o alçapão, às 5h12.


Na seqüência das imagens, funcionários do museu aparecem. Um deles carrega uma pá e uma vassoura. Após perceber o desaparecimento, o grupo demonstra inquietação e passa a andar de um lado para o outro.


Entre o início e o fim da ação, os ladrões levaram apenas três minutos para furtar as obras avaliadas em até US$ 55 milhões -US$ 5,5 milhões (R$ 10 milhões) para a tela de Portinari e US$ 50 milhões (R$ 90 milhões) para a obra de Picasso.


Apesar da qualidade ruim das imagens, já que as câmeras de captação não têm infravermelho, tanto a Polícia Federal quanto a Civil tentam compará-las com as que foram captadas em 29 de outubro, quando dois homens tentaram invadir o Masp, mas foram impedidos por dois funcionários.


A polícia também investiga uma segunda tentativa de furto, ocorrida na última segunda-feira. Homens fugiram quando foram descobertos. Eles abandonaram um maçarico.


Para a polícia, os ladrões foram contratados por terceiros para furtar as obras e eles sabiam até da rotina na área externa ao redor do Masp.


Ontem, a investigação do furto foi transferida do 78º DP (Jardins) para a 1ª Delegacia Seccional Centro (que comanda os distritos da região central). Oficialmente, o objetivo seria dar mais estrutura para a investigação. A Folha apurou, porém, que o delegado do caso, Marcos Gomes de Moura, foi retirado porque declarou à imprensa anteontem que ‘não conhecia bem a região do Masp’.’


 


Mario Cesar Carvalho


Prefeitura vai exigir transparência da gestão do Masp


‘O Masp funciona de forma similar a uma sociedade secreta. O presidente do museu é eleito a cada dois anos por um grupo de pessoas cujos nomes são mantidos em sigilo -o estatuto não prevê a divulgação. Os eleitores, chamados de sócios, são indicados por cinco sócios -daí, a tendência de o presidente se perpetuar no cargo.


A Prefeitura de São Paulo, dona do prédio do Masp, quer mudar essa situação. Vai usar o vencimento da cessão do edifício no próximo ano para exigir transparência na gestão. O prédio de Lina Bo Bardi foi construído com recursos da prefeitura e entregue em 1968 a uma entidade de direito privado, que é dona das obras de arte. O comodato, válido até 2008, pode ser renovado ou não.


A prefeitura sabe que não tem condições políticas de retomar o prédio, mas vai aproveitar a renovação do comodato para tentar impor algumas contrapartidas. A principal delas é a aplicação da legislação das OSs (organizações sociais), que prevê a publicidade da gestão. A prefeitura dá cerca de R$ 1,2 milhão ao ano para o museu e alega não saber como esse dinheiro é gasto.


O grupo secreto que elege o presidente foi inventado nos anos 1950 por Assis Chateaubriand, o criador do Masp. Há também um conselho, cuja composição é conhecida, mas essa instância tem um poder limitado; só sugere diretrizes.


O arquiteto Júlio Neves se mantém na presidência do Masp desde 1994, quando venceu o empresário José Mindlin por um voto de diferença.


Desde então, Neves foi reeleito por um grupo que ninguém sabe ao certo por quem é composto. Os poucos nomes conhecidos dos chamados sócios são de amigos de Neves: Paulo Neves, filho do arquiteto, os publicitários João Dória Jr. e Nizan Guanaes, o cardiologista Adib Jatene e o galerista Renato Magalhães Gouveia. O Masp não confirma os nomes.


Neves foi eleito há 13 anos com a promessa de trazer dinheiro privado para o Masp. Arquiteto bem-sucedido, ele propagandeava que usaria sua rede de conhecidos, sobretudo empresários e políticos, para tirar o museu da situação combalida que passava após a saída de Pietro Maria Bardi, o curador que comprou a coleção espetacular do museu no pós-guerra.


O plano de Neves só foi bem sucedido na criação de uma reserva técnica, onde são guardadas as obras que não são expostas. O arquiteto também conseguiu reformar o prédio.


Mas Neves foi criticado por desfigurar a forma de exposição criada por Lina Bo Bardi, a qual prescindia de paredes e era elogiada internacionalmente como uma nova forma de museologia.


Além disso, a luz do museu foi cortada, um telefone foi desligado por falta de pagamento e a dívida com o INSS chegou a R$ 4 milhões, razão pela qual duas obras foram penhoradas.


O público minguou, as exposições de qualidade tornaram-se cada vez mais escassas e o museu passou a acumular prejuízos.


Neves apresentou o que chamava de ‘a salvação’ do Masp: a construção de uma torre de cerca de 120 metros de altura ao lado do prédio, a qual receberia o nome de ‘Masp Vivo’ -o projeto era patrocinado pela operadora de celular.


Em outubro de 2005, o patrimônio histórico da prefeitura vetou a torre por considerar que ela desfigurava o prédio de Lina Bo Bardi, um bem tombado. Neves apresentou um novo projeto, só de reforma do edifício vizinho, que foi aprovado.


Para quem acha que o furto de um Picasso e de um Portinari pode fragilizar a situação do presidente, recomenda-se uma olhada no que ocorreu nas últimas eleições, em 2006: não havia adversários contra Neves. Os tucanos pressionam por mudanças, mas não conseguiram apresentar um candidato.’


 


Museu diz que contas são transparentes e que mais de 70 pessoas podem votar


‘O cardiologista Adib Jatene, que preside o conselho consultivo do Masp, diz que os nomes dos sócios não são divulgados pelas mesmas razões que as empresas mantêm sigilo sobre seus negócios: ‘Você consegue, por exemplo, dessas empresas privadas, dessas sociedades anônimas ter todas as informações internas das entidades?’, perguntou ao ser questionado sobre o sigilo. ‘Vocês tratam o museu como um órgão público e ele não é’.


Segundo Jatene, ‘os sócios são os donos do museu’. O colégio eleitoral que elege o presidente do Masp tem mais de 70 pessoas, de acordo com ele.


A assessoria de imprensa do Masp informa que não procede a acusação da prefeitura de que falta transparência nas prestações de contas e na gestão do museu. Segundo o Masp, em mais de 30 anos as contas do museu sempre foram aprovadas pela prefeitura e pelo Tribunal de Contas do Município ‘sem ressalvas’.


O Masp recebe recursos anuais da prefeitura paulistana desde 1975, ainda de acordo com a assessoria do museu.’


 


Tereza Novaes


Não há museu 100% seguro, diz Júlio Neves


‘O presidente do Masp, Júlio Neves, afirmou ontem que a instituição ‘não está fugindo da responsabilidade’ e que agora faz ‘uma agenda positiva’ para recuperar as obras e repensar a segurança do prédio.


‘Não existe no mundo nenhum sistema que tenha 100% de garantia’, afirmou.


À frente da instituição desde 1994, o arquiteto de 75 anos disse ter dormido apenas duas horas desde que soube do furto.


Leia a seguir os principais trechos da entrevista, concedida depois que Neves esteve com o governador José Serra e o ministro da Cultura, Gilberto Gil, durante assinatura de convênio entre o Estado e a União.


FOLHA – Qual foi sua reação ao receber a notícia?


JÚLIO NEVES – Evidentemente foi uma surpresa. Em 60 anos nada semelhante [tinha acontecido] e aquilo que tínhamos como sistema de segurança funcionou, até em tentativas recentes [de assalto].


Não existe no mundo nenhum sistema que tenha 100% de garantia. Tem com mais ou menos riscos. Funcionamos na avenida Paulista durante 30 anos sem qualquer equipamento de segurança. Ela sempre foi feita com nosso pessoal. Até que fizemos uma grande reforma, em 2001. Colocamos o melhor sistema de segurança que havia, mas é claro que, em 2007, há coisas mais modernas.


FOLHA – Houve uma tentativa de assalto na segunda passada?


NEVES – Não, houve um princípio, uma coisa muito empírica.


FOLHA – Como um princípio?


NEVES – O sujeito chegou perto da porta e, com o barulho, o segurança olhou por cima e fugiram. Não chegaram a entrar.


FOLHA – O museu tem alarme?


NEVES – O alarme que nós temos é pelo radinho, não é o alarme de fazer barulho. Era o sistema que existia quando a gente fez a reforma. É visual. A segurança do museu prefere fazer ronda com o pessoal e através de rádio. Agora, nós vamos rever todos os sistemas.


FOLHA – Em setembro, o sr. afirmou à Folha que não poderia informar o valor do seguro das obras…


NEVES – Das obras, dentro do museu, nunca teve. Nenhum museu do Brasil tem e se algum no mundo tiver, eu não conheço. As obras são seguradas quando saem da porta do museu. Cada vez que sai está no seguro. Quando recebemos uma obra, do Louvre ou do MoMA, também está no seguro. A questão do seguro é assim.


FOLHA – Algumas pessoas levantaram a hipótese de seqüestro.


NEVES – Sinceramente, seria leviandade dizer que pode ter sido ou não. Provavelmente, a formulação dessa hipótese é decorrente do fato que essas obras que, embora sejam insubstituíveis, são invendáveis. O mundo inteiro já foi notificado, com fotos dos quadros.


FOLHA – O museu pagaria resgate?


NEVES – Não temos dinheiro. Estamos estudando até a possibilidade de uma pessoa que está se oferecendo a dar gratificação para as obras voltarem ao museu. Mas jamais faríamos algo contra a lei. Há duas possibilidades: pode ter sido ação de uma quadrilha altamente sofisticada e também pode ser uma coisa de amadores.


FOLHA – A reserva técnica é considerada tão segura quanto um cofre. Por que as obras em exposição não têm o mesmo tratamento?


NEVES – O prédio é uma obra tombada. Os grandes museus do mundo fizeram suas ampliações, também pelo fato de serem edifícios tombados, no subterrâneo. No subsolo, eu pude fazer fechado, de concreto. No segundo andar, não posso mexer no projeto.


FOLHA – Mas a porta horizontal na escada é fechada só com cadeados…


NEVES – Sempre foi assim. Há 40 anos que era a mesma coisa. É claro que depois de acontecer uma coisa dessa, vamos rever tudo. Foi uma enorme surpresa e um grande aborrecimento. Nós não queremos culpar ninguém. Não adianta dizer: ‘O governo não fez isso ou não ajudou’. Não estamos fugindo da responsabilidade. Estamos tentando fazer uma agenda positiva. Tomamos todas as providências para que isso [as telas] não saia do país e para que seja encontrado. Em seguida, vamos ver o que pode ser melhorado.


FOLHA – O sr. acredita em envolvimento de funcionários?


NEVES – Seria uma leviandade minha dizer que tem e seria pretensão, que não tem. Quem tem que descobrir é a polícia.


FOLHA – Como é feita a seleção dos seguranças do museu?


NEVES – Eles não chegam a 50. Tem processo de triagem. É a mesma coisa que contratar qualquer funcionário: ficha, experiência, currículo. Há um procedimento normal do RH.


FOLHA – E o fato de os funcionários não terem formação em segurança?


NEVES – Não sei se eles têm ou não têm. Eles têm experiência daquele trabalho que fazem porque são ensinados. Até que provem o contrário, são merecedores da nossa confiança e competentes para o trabalho. Pode ser que lá no meio tenha alguma pessoa [que esteja envolvida]… Isso tudo pode acontecer, mas não estou dizendo que aconteceu.


FOLHA – Há quanto tempo esses seguranças estão no museu?


NEVES – Não sei.


FOLHA – Eles são contratados como orientadores de público?


NEVES – São contratados como orientadores de público, no sentido que podem responder perguntas. Eles não estão lá só para ficar de segurança, sem falar com ninguém, como um guarda do palácio da Inglaterra.


FOLHA – Mas qual é função principal deles?


NEVES – A função deles é fiscalizar tudo aquilo que está acontecendo no andar. São seguranças também…


FOLHA – A função deles então…


NEVES – A função é clara: tomar conta da segurança.


FOLHA – Por que eles são contratados como orientadores?


NEVES – As coisas do museu são feitas assim há 20 ou 30 anos, entende? Sempre foi. É um nome. Se alguém se aproxima do quadro ou pega um cigarro, ele tem que orientar o público, dizer: ‘O sr. não pode passar dessa linha, não pode fumar aqui’.


FOLHA – O que será feito na segurança em um primeiro momento?


NEVES – Não sei. Instalamos essa comissão para fazer todas as recomendações.


FOLHA – O sr. pretende sair no ano que vem do museu?


NEVES – Tenho maior interesse em sair da presidência, mas não pretendo deixar de colaborar.’


 


LIVROS
Eduardo Simões


Enright usa trauma familiar para ver Irlanda


‘Anne Enright foi a zebra das letras em 2007. Com seu quarto romance, ‘The Gathering’ (o encontro), a irlandesa de 45 anos conseguiu bater dois favoritos ao Booker Prize, o mais prestigioso do Reino Unido: o já premiado Ian McEwan, que concorria com ‘Na Praia’ (Companhia das Letras), e Lloyd Jones, que estava na disputa com ‘O Sr. Pip’ (Rocco).


No Brasil, já é possível encontrar o livro na Livraria Cultural, no original, em inglês. Enright diz que já recebeu um convite informal da editora Liz Calder para participar da Festa Literária Internacional de Paraty, a Flip, em julho de 2008. O que deve bater com os planos da editora Alfaguara/Objetiva de lançar o romance no Brasil.


‘The Gathering’ se passa nos anos 90 e sua personagem principal, Veronica, tenta recuperar as memórias do abuso sexual sofrido pelo irmão, Liam, dentro do próprio seio da família, que tem dez filhos. A narrativa estende-se por três décadas, culminando com o suicídio e funeral de Liam, o encontro referido no título.


O romance é um retrato de época da sociedade irlandesa. Enright conta que os anos 90 foram uma década de muitas revelações em termos do que acontecia em seu país, particularmente em termos de abuso sexual infantil. E também coincidiu com o boom econômico e a idéia de que era preciso arrumar a casa antes de recomeçar.


‘Estas duas coisas aconteceram juntas e levaram as pessoas a pensarem que os tempos difíceis haviam acabado. E aquele era o momento de falar certas verdades’, diz a autora em entrevista por telefone à Folha, em que evita, no entanto, a idéia de ter feito um tratado social de seu país.


‘Veronica e Liam vêm de uma família imensa e esta poderia ser uma história sobre como é viver e crescer numa sociedade onde não há contracepção. Estas famílias imensas eram uma realidade muito comum em países como a Irlanda nos anos 60 e 70. Mas não se trata, no livro, tanto de mudanças sociais quanto do porquê ter nascido. E a diferença entre o amor que é uma verdade trivial e aquele que é idiota.’


A obra de Enright é marcada, tematicamente, pela abordagem das relações familiares, o amor e o sexo, e os impasses entre o passado e a modernidade na Irlanda. A escritora se diz muito influenciada pelo boom latino-americano nas letras no fim dos anos 70 e início dos 80. ‘Gabriel García Márquez, Eduardo Galeano e Mario Vargas Llosa foram importantes para a formação de todos os escritores que estavam surgindo na época. Um dos meus romances, ‘The Pleasure of Eliza Lynch: A Novel’, até mesmo se passa na América Latina.’


Mulheres nas letras


Além do crescente mercado de ‘chic lit’, a literatura comercial para a chamada ‘mulherzinha’, Enright acredita que algo está mudando na recepção da crítica e do público dos livros feitos por mulheres.


‘Lembro-me de ouvir recentemente que os grandes nomes da literatura britânica eram mulheres como Ali Smith, Zadie Smith e Monica Ali. Todas as Ali e Smith juntas, escrevendo grandes romances sobre questões sociais, a partir da periferia da sociedade britânica. Também escrevo da periferia, pois sou irlandesa. Esta confiança do mercado não havia na geração anterior à minha.’


O Booker, é sabido, torna o mercado ainda mais receptivo. ‘The Gathering’ havia vendido pouco mais de 3.500 cópias em todo o Reino Unido. Após o prêmio, o número de países que compraram direitos de tradução alcançou 28. Mas Enright espera que o ruído passe logo.


‘Há tanto barulho em volta do livro. Só quero voltar a ficar tranqüila para que eu possa me concentrar nas idéias que tenho em mente. Tenho tanta fome de voltar a escrever ficção. É o que me faz realmente feliz.’’


 


Autora gerou polêmica em texto sobre desaparecimento da menina Madeleine


‘Pouco mais de uma semana antes de ganhar o Booker Prize, a escritora Anne Enright publicou no ‘The London Review of Books’ um longo ensaio sobre Madeleine McCann, a menina inglesa cujo desaparecimento em Portugal chegou a levantar suspeitas até mesmo sobre o comportamento de seus pais.


O jornal ‘The New York Times’ chamou o texto de ‘um exame sutil de emoções intricadas que, às vezes, se contradizem’, bem ao estilo da própria obra de Enright.


Já tablóides britânicos, como o ‘The Evening Standard’, e até jornais sérios como ‘The Independent’ transformaram o texto em controvérsia, citando o trecho em que Enright diz ‘por que não gostava dos McCanns antes mesmo da maioria das pessoas’. Isso, sem citar o desfecho em que a própria Enright se dizia envergonhada do sentimento.


‘Eu não sei se eles não gostaram do fato de uma mulher irlandesa ter ganhado o Booker ou do que eu escrevi de fato. Porque eles deram uma versão enviesada e parcial do que eu havia dito’, afirma Enright, que avalia o caso como um erro de ‘timing’.


‘Eu me arrependi do momento em que escrevi o artigo, porque ninguém se importou com o que eu pensava a respeito dos McCann, ou qualquer coisa, até que ganhei o prêmio.’


Passada a polêmica do artigo de Enright, outros dois escritores de língua inglesa enfrentaram reações adversas por terem emitido suas opiniões sobre questões nevrálgicas. Primeiro foi o britânico Martin Amis, que se declarou ‘superior’ a qualquer pessoa que venha de um Estado muçulmano ‘menos civilizado’.


E depois a também britânica Doris Lessing, vencedora do Nobel de Literatura de 2007, que disse que as perdas do 11 de Setembro, no ataque ao World Trade Center, em Nova York, ‘não foram tão terríveis’ se comparadas às perdas conseqüentes de 30 anos de ação terrorista do IRA (Exército Republicano Irlandês).


O jornal britânico ‘The Guardian’ chegou a ponderar num artigo que as opiniões de romancistas sobre grandes questões atuais podem ser pouco palatáveis. Mas, ao menos, os escritores ‘não correm o risco de parecer idiotas’. Enright é reticente quanto à polêmica.


‘Eu realmente não gostaria de ver meu nome ligado às visões de Martin Amis em relação aos muçulmanos porque não era minha intenção ser controversa ou ofensiva em relação aos McCanns. Ao passo que essas eram, ao meu ver, as intenções de Amis em relação aos muçulmanos. Por isso não acho que possa comentar, são dois casos diferentes.’


Um romancista pode ou deve dizer suas idéias sobre assuntos de natureza política ou social?


‘Um ser humano pode expressar suas opiniões? Qual a diferença entre um escritor e qualquer outro ser humano?’, indaga Enright, esquecendo-se que, como escritora, tem mais acesso aos meios de comunicação. E defendendo: ‘Hoje qualquer um pode publicar sua opinião na internet’.’


 


Folha de S. Paulo


Tradutores protestam contra plágios


‘Uma centena de tradutores brasileiros divulgou anteontem um abaixo-assinado manifestando repúdio pela prática de plágio de traduções consagradas, que editoras como a Martin Claret e a Nova Cultural teriam cometido, como a Folha noticiou com exclusividade nos dias 4/11 e 15/12.


‘Declaramos repudiar toda e qualquer prática ilegal e imoral dessa natureza, que constitui, no que concerne a nós, um abuso da propriedade moral de obras de criação intelectual nova’, diz um trecho do abaixo-assinado, que também está disponível em um blog criado pelos profissionais (assinado- tradutores.blogspot.com).


‘O elemento galvanizador foi a matéria da Folha no [último] sábado’, disse à reportagem Denise Bottman, tradutora de obras como ‘Cultura e Imperialismo’, de Edward W. Said, que enviou o abaixo-assinado à Redação por e-mail.


No texto a que se refere Bottman, o jornal noticiou a publicação, pela Nova Cultural, de uma tradução de Voltaire que tem a mesma estrutura e erros cometidos no original de Mario Quintana -a editora diz que determinou auditoria e ‘criteriosa apuração’, mas não forneceu dados do tradutor.


Antes, em novembro, outro texto na Ilustrada apontava dois casos envolvendo a Martin Claret, que publicou traduções plagiadas de ‘Os Irmãos Karamazov’ e ‘A República’.


‘Estamos defendendo um patrimônio cultural que levou quase um século para ser construído nesse país’, disse Bottman, que assina o manifesto.’


 


MORTE
Folha de S. Paulo


Ator Norton Nascimento morre em SP


‘O ator Norton Nascimento, 45, morreu ontem, às 8h05, no hospital Beneficência Portuguesa, em São Paulo.


Segundo nota do hospital divulgada ontem, a morte aconteceu em decorrência de falência cardíaca secundária por um quadro infeccioso pulmonar.


O ator estava internado na UTI (Unidade de Tratamento Intensivo) -a Beneficência não informou a data em que Nascimento foi hospitalizado.


Em 2003, o ator se submeteu a um transplante de coração para tratar de um aneurisma (dilatação de um segmento vascular) e ficou seis meses em recuperação.


Neste período, converteu-se à igreja Renascer em Cristo e participou de campanha de doação de órgãos.


O ator nasceu em Belém e fez sua estréia na televisão na novela ‘Imigrantes’, da Rede Globo, em 1981.


Depois, Nascimento fez participações em ‘De Corpo e Alma’ (1992), ‘Fera Ferida’ (1993) -no qual interpretou Wotan-, ‘A Próxima Vítima’ (1995), ‘O Fim do Mundo’ (1996) e ‘Filhas da Mãe’ (2001), além de minisséries da emissora como ‘Agosto’ (1993) e ‘Chiquinha Gonzaga’ (1999).


No cinema, atuou em ‘Carlota Joaquina – Princesa do Brasil’ (1995), onde interpretou Fernando Leão, além de outros três filmes.


Seu último trabalho na televisão foi neste ano, na novela ‘Maria Esperança’, do SBT, na qual interpretou o personagem Bento Nocaute.


Nascimento era casado com a atriz Kely Nascimento e deixa três filhos de seu primeiro casamento.


O enterro está previsto para hoje, às 10h, no cemitério Memorial Parque Paulistano, em Embu das Artes.’


 


200 ANOS
Sylvia Colombo


D. João desembarca também em HQ


‘Uma das principais discussões que devem vir à tona nas comemorações dos 200 anos da chegada da família real portuguesa ao Brasil -em março de 2008-, deve ser em torno da revisão dos estereótipos de seus principais personagens.


Se d. João 6º era um bufão ou um estadista, se Carlota Joaquina, uma libertina ou uma princesa injustiçada, e se d. Pedro 1º, um bruto ou um herói.


Caricaturas não faltam e há quem defenda uns e ridicularize outros e vice-versa.


No meio da fogueira dessa polêmica, propor uma versão em quadrinhos desse episódio histórico é, no mínimo, pisar em ovos. Em ‘D. João Carioca’, a historiadora Lilia Schwarcz e o ilustrador Spacca caminham sobre uma linha de equilibristas para, ao mesmo tempo, retratar os membros da família real com aquele fundo de verdade que vive em cada estereótipo, mas sem cair na armadilha de intrigas historiográficas.


O livro cobre, em tom de aventura, o período que vai desde os anos de 1807, quando começa o debate sobre o traslado da corte para o Rio, até 1821, quando d. João 6º finalmente volta a Portugal e o Brasil caminha para a Independência, proclamada no ano seguinte.


Spacca conta que se inspirou em alguns clássicos da historiografia, como ‘D. João 6º no Brasil’, de Oliveira Lima (1867-1928). Também várias telas e gravuras famosas serviram de guia, como a que retrata o Jardim Botânico, por Rugendas; a que reconstrói a chegada da imperatriz Leopoldina, por Debret, ou a que descreve os distúrbios na Espanha por conta da intervenção militar de Napoleão, em 1808, por Goya.


O ilustrador diz que sentiu necessidade de cruzar fontes iconográficas e objetos de museus à historiografia. ‘Quando se trata de uma HQ histórica é preciso ter atenção a muitos detalhes que às vezes passam despercebidos por historiadores. As minhas perguntas para recriar uma cena são outras. Como era o calçamento das ruas do Rio? Que roupas a população usava? E é preciso prestar atenção nas mudanças de paisagem também.’


Outra fonte de inspiração, clássica nesses casos de reconstituição de época, foi o intrépido gaulês Asterix, de Albert Uderzo e René Goscinny. A técnica utilizada para manter uma coerência nos perfis dos personagens, explica Spacca, é fazer uma espécie de ensaio dele em diversas posições e depois aplicá-las ao roteiro.


Os protagonistas


Os personagens centrais da história estão muito bem retratados -salvo alguns tropeços, como uma Leopoldina com cara de boba demais e uma Carlota um tanto histérica. Mas o destaque fica mesmo para figuras um pouco secundárias para o público em geral, porém importantes no contexto.


O lorde Strangford, diplomata inglês que manejou o transporte da corte, surge como um almofadinha bastante legítimo -e divertido. Na mesma linha, d. Antônio de Araújo, o conde da Barca, e d. Rodrigo de Sousa Coutinho, o conde de Linhares, são tratados com humor e delicadeza. Protagonistas do debate que antecedeu a viagem, são mostrados didaticamente para quem não é íntimo do tema.


Os diálogos entre eles podem parecer um pouco cifrados num primeiro momento, porque a decisão de mudar a corte para o Brasil foi muito complexa, com interesses de várias nações européias em jogo. Concentrá-los em um punhado de balõezinhos é um tanto arriscado. Ainda mais porque os próprios historiadores, hoje em dia, costumam discordar sobre como esse debate aconteceu.


Ainda assim, a HQ oferece um bom resumo, que pode estimular curiosos a buscar respostas em clássicos como ‘Portugal e Brasil na Crise do Antigo Sistema Colonial’, de Fernando Novais, e outros livros.


D. JOÃO CARIOCA


Autora: Lilia Schwarcz


Ilustrador: Spacca


Lançamento: Companhia das Letras


Quanto: R$ 33 (96 págs.)’


 


 


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