Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Formação específica é condição para a qualidade do jornalismo

A formação acadêmica em Jornalismo, o estágio na área e a regulamentação da profissão são temas centrais desta coletiva da Fenaj. Com a propriedade de quem assumiu a tarefa de presidir o Fórum Nacional de Professores de Jornalismo para o próximo biênio, Edson Luiz Spenthof, jornalista formado pela Universidade Federal de Goiás (UFG) e mestre em História pela mesma universidade, ex-presidente do Sindicato dos Jornalistas de Goiás e representante da entidade no Conselho de Representantes da Fenaj, defende que a formação superior específica é fundamental para o exercício qualificado da profissão.

No momento, Edson, que também já foi diretor regional Centro-Oeste e diretor-científico do FNPJ, encontra-se em fase de conclusão do doutorado em Jornalismo na Universidade de Brasília (UnB). Mesmo com a agenda tomada, dispensou máxima atenção para responder com consistência às contribuições encaminhadas para esta coletiva. Vamos a ela.

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A diretora do Departamento de Educação e Aperfeiçoamento Profissional da Fenaj, Valci Zuculoto, lhe encaminhou uma ‘bateria’ de perguntas. Então, vamos por partes. Quanto ao estágio Acadêmico, Valci lembra que os professores de jornalismo agora têm uma proposta aprovada no XI ENPJ. Ela também registra que desde 2000, quando o Congresso Nacional dos Jornalistas aprovou a volta da possibilidade do estágio (proibido pela regulamentação da profissão), se este for acadêmico e voltado à complementação da formação. O segmento profissional, através da Fenaj e Sindicatos, vem aplicando, com sucesso, projetos pilotos em alguns estados. Em 2006, também em Congresso Nacional, os jornalistas aprovaram um Programa Nacional de Estágio. E em março deste ano, a Fenaj promoveu um II Seminário Nacional para recolher sugestões de atualização deste programa. Segundo Valci, a proposta dos professores e o Programa dos profissionais parecem não ter divergências de fundo, mas apresentam discordâncias em algumas normas. Quais são e como chegar a um consenso? E depois de um consenso, como o FNPJ pretende convencer os professores a também trabalharem pela aplicação da normatização? Enquanto não se chega a um Programa Nacional de Estágio consensuado entre os segmentos mais interessados – profissionais, professores, estudantes – qual a recomendação do FNPJ? Há disposição de auxiliar os Sindicatos que em todo o país têm lutado contra o estágio irregular e buscado negociar a aplicação da normatização tirada no Congresso de 2006?

Edson Spenthof – Sobre o estágio acadêmico em jornalismo, é preciso registrar, em primeiro lugar, a colaboração entre o FNPJ e a Fenaj. A proposta submetida ao último Congresso dos Jornalistas, por exemplo, foi longamente discutida por uma comissão que, além de vários professores de jornalismo, era integrada oficialmente por um representante do FNPJ, numa inequívoca demonstração de aproximação e colaboração em torno do tema. Mas os professores, como segmento, só se debruçaram nacionalmente sobre o assunto no seu X Encontro Nacional, realizado em 2007 em Goiânia, e no XI Encontro Nacional, realizado no final de abril de 2008, em São Paulo. Só agora é que os professores têm a sua proposta nacional de programa de estágio.
Em segundo lugar, é preciso observar que essa proposta dos professores foi aprovada não para aplicação unilateral, mas para negociação com os outros setores diretamente envolvidos: os jornalistas profissionais e os estudantes.

Em terceiro lugar, que, de fato, há uma grande convergência de fundo entre os três segmentos, sobre o espírito, o caráter, os princípios e sobre a esmagadora maioria das normas do estágio.

Quanto às divergências, creio que há duas que podem ser destacadas, embora não acredite que vá haver dificuldades na construção de um consenso:

1) A publicação ou não do material produzido pelos estagiários. Talvez esta seja a principal divergência. Enquanto o Congresso dos Jornalistas aprovou a proibição, por entender que isso seria uma forma de substituição do trabalho dos profissionais, os professores entenderam, por unanimidade, que a publicação do material é elemento essencial no processo de ensino-aprendizagem, pois julgam que essa relação com o público é fundamental. Não por acaso, ela é o motivo de muitas batalhas internas nas universidades em torno da efetiva veiculação do material produzido pelos estudantes nas suas atividades laboratoriais. Também aí, o ideal perseguido é o de ultrapassar a mera produção para o ‘consumo’ interno, na sala de aula;

2) O valor da bolsa-auxílio paga aos estagiários. Trata-se de uma questão que, apesar da solução de consenso adotada no Congresso dos Jornalistas de Ouro Preto, continua dividindo opiniões. E aqui fico muito à vontade para falar também como jornalista, ex-presidente do Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de Goiás e ex-delegado do meu sindicato no Conselho de Representantes da Fenaj. Há os que entendem que esta é a melhor ferramenta para inibir o aviltamento do mercado de trabalho. Para isso, teria de ser um valor alto, próximo ao do piso salarial dos jornalistas do respectivo Estado. Por outro lado, há os que entendem que, dessa forma, o seu caráter acadêmico acaba sendo arranhado. Isso porque a utilização do piso é uma unidade de referência do mundo do trabalho, o valor vira instrumento de regulação e controle do mercado de trabalho e porque, sendo alto, o estudante substitui o interesse pedagógico pelo interesse financeiro. Para esse grupo, o instrumento para evitar que os jornalistas sejam substituídos por estudantes é, principalmente, a fixação de um número máximo de estagiários em relação ao de profissionais, em combinação com outros instrumentos. A proposta dos professores, aprovada agora em São Paulo, alinha-se com a segunda corrente. Na verdade, a assembléia-geral do FNPJ adotou a decisão consensual do último Congresso dos Jornalistas: a bolsa de iniciação científica paga pelo CNPq aos estudantes-pesquisadores, hoje em R$ 300,00, como unidade de referência e valor mínimo. Assim, permite-se a adoção de valor maior em cada Estado ou projeto piloto de estágio, caso haja entendimento nesse sentido e correlação de forças favorável.

O consenso não parece difícil porque o próprio seminário de Florianópolis mencionado na pergunta já aponta para uma revisão da proposta dos profissionais quanto à não-publicação. Já quanto ao valor, em que pese a polêmica, a decisão do FNPJ mantém a do Congresso dos Jornalistas e o seu espírito de flexibilidade, o que permite vislumbrar um acordo com certa facilidade.

Depois de construído o consenso, o FNPJ vai atuar em relação aos professores da mesma forma que age em relação aos demais temas aprovados nos encontros anuais: vai lutar para que o que foi amplamente debatido e aprovado seja efetivamente adotado. Provavelmente fazendo um apelo a mais no sentido de chamar a atenção para o grau de polemicidade do tema, o que requer, sem abrir mão dos valores e princípios básicos, tolerância para com as diferenças e compreensão para com as dificuldades inerentes a um processo de construção de consensos.

Acredito que ainda este ano tenhamos uma proposta final de consenso entre os três segmentos mencionados. Julgo que, até lá, a melhor postura é dar continuidade aos projetos pilotos já construídos em parceria nos diversos Estados – que já se espelham em uma base nacionalmente discutida há um bom número de anos, dentro da Fenaj e com participação de muitos professores de todo o País e em muitas escolas de jornalismo. Também acho que será um teste interessante para a construção do consenso se as novas propostas do FNPJ já puderem ser incorporadas às discussões de cada projeto piloto.

O FNPJ não é uma entidade profissional ou fiscalizadora do mercado de trabalho, nem tem a estrutura e a capilaridade que a Fenaj tem a partir dos sindicatos estaduais, mas deve contribuir de todas as maneiras possíveis para que o estágio seja efetivamente acadêmico e para impedir irregularidades, em parceria com escolas, entidades estudantis, sindicatos e Fenaj.

Outro registro da jornalista e professora Valci é que em 1999, FNPJ, Fenaj e outras entidades promoveram em Campinas um histórico Seminário que aprovou a proposta do Campo do Jornalismo para as Diretrizes Curriculares. Esta foi encaminhada ao MEC que encampou parte nas Diretrizes em vigor. A Fenaj, desde então, vem divulgando as Diretrizes de Campinas e buscando que os Cursos de todo o país as utilizem na estruturação de suas grades e projetos pedagógicos. Ela pergunta qual a atual posição do FNPJ em relação a estas Diretrizes? Não é necessária uma atualização? O que fazer até ocorrer a atualização num espaço amplo e democrático como foi o do Seminário de Campinas?

E.S. – Como consta da sua carta-programa, a chapa eleita agora no final de abril em São Paulo para a diretoria do FNPJ pretende fazer uma ampla discussão nacional sobre a qualidade de ensino em jornalismo. O formato desse debate será definido em planejamento estratégico que a diretoria irá realizar em breve. Uma das propostas já levantadas em encontros nacionais dos professores é a possibilidade de instituição de um selo de qualidade de ensino.

Mas se teremos um selo ou não, isso será tema do debate. O certo é que o FNPJ, como entidade voltada para a discussão do ensino de jornalismo, precisa ter uma política de qualidade de ensino que respalde permanentemente as suas ações e que seja o parâmetro para interlocução tanto com as escolas de jornalismo do País quanto com as instâncias governamentais.

Evidentemente, o FNPJ não partirá do zero para a formulação dessa política, pois já é signatário do Programa Nacional de Qualidade de Ensino em Jornalismo e das propostas de Diretrizes Curriculares aprovadas em Campinas, como mencionado na pergunta. Além disso, há professores, alguns ligados à atual diretoria, que já produziram estudos sobre a avaliação dos cursos e outros participam da comissão do Inep encarregada de aprovar os critérios de avaliação. Então, parece que se trata de várias ações conjuntas, que passam pela atualização e aprofundamento de alguns documentos e propostas, a complementação, no que for necessário, e a articulação de todas elas numa política que dê conta de todo o processo do ensino de jornalismo: as diretrizes curriculares, os projetos pedagógicos, as matrizes (ou grades) curriculares, as avaliações interna e externa, a articulação entre ensino, pesquisa e extensão, a estrutura física das escolas, os laboratórios, a qualificação docente e outros aspectos. O próprio programa de estágio está aí incluído, como, aliás, já aparece adequadamente dentro do Programa Nacional de Qualidade de Ensino.

A nossa idéia é realizarmos tal discussão, inclusive, no bojo dos debates sobre a política de ensino superior do MEC, capacitando a entidade para as interlocuções e lutas que se fizerem necessárias com vistas a garantir qualidade ao ensino de jornalismo.

Assim como não vamos partir do nada para tal debate, também não partimos do nada para orientar os professores e escolas enquanto ele não ocorre ou não chega ao fim. Ainda que possam precisar de atualizações, complementações, desdobramentos ou careçam de uma articulação entre si, as diretrizes curriculares aprovadas em Campinas e o Programa de Qualidade de Ensino são excelentes parâmetros que devem continuar balizando as ações do FNPJ e os projetos de ensino das escolas.

E em relação ao Programa Nacional de Estímulo à Qualidade da Formação em Jornalismo que teve sua primeira formulação em 1997 num Congresso Extraordinário de Jornalistas, com a participação de profissionais, professores e estudantes, apesar de ter sido puxado principalmente pelo segmento profissional, é a mais profunda expressão do acúmulo de debate e formulação de todo o campo do jornalismo em relação à qualificação do ensino superior de jornalismo. Este ano, a Fenaj também promoveu um Seminário nacional para atualizá-lo. O FNPJ já foi signatário da primeira formulação. Valci quer saber como o Fórum pretende agir para a disseminação deste Programa?

E.S. – O FNPJ continua signatário do programa e participou do Seminário de Atualização realizado no finalzinho de março último em Florianópolis. Mas ainda não teve tempo de discutir amplamente as novas contribuições com os professores de jornalismo, assim como a Fenaj não teve tempo de fazê-lo com a categoria que representa. Além disso, como já foi dito acima, a diretoria do FNPJ pretende fazer a discussão de forma articulada, dentro de uma política de qualidade de ensino que abarque várias propostas hoje mais ou menos isoladas e que pode desembocar ou não numa proposta de selo de qualidade de ensino. A avaliação pessoal que faço é a de que tanto as diretrizes quanto o Programa de Qualidade, a exemplo do que já ocorreu agora com o estágio, merecem um empenho maior do FNPJ no sentido de sua divulgação, debate e implantação. É exatamente o que estamos nos propondo fazer desde a carta-programa que submetemos à avaliação dos professores de jornalismo de todo o País no processo eleitoral do FNPJ.

O FNPJ e a Fenaj já têm diversas parcerias na área do ensino, que é de extrema importância também para o segmento profissional. Valci pergunta como sua gestão pensa em aprofundar e avançar neste trabalho conjunto, aproximando mais ainda os dois segmentos – profissionais e professores – que têm muitos interesses comuns e dependentes? Por exemplo, uma das grandes lutas dos profissionais em defesa da obrigatoriedade da formação superior específica para o exercício do jornalismo é considerada como uma das principais do segmento dos professores? Como o FNPJ e os professores podem participar mais dela?

E.S. – O campo do jornalismo produziu naturalmente, nos últimos anos, duas entidades que se somam à já histórica Fenaj. Se esta tem como objeto as questões da profissão, o FNPJ volta-se para o ensino e a SBPJor para a pesquisa em jornalismo. Mas a qualidade do jornalismo oferecido à sociedade e a luta por uma sociedade democrática, especialmente no que isso depende de corretas políticas de comunicação, as une umbilicalmente. E assim tem sido na luta pela manutenção da obrigatoriedade da formação específica em jornalismo, em torno de diversas ameaças a conquistas históricas embutidas na proposta de Reforma do Ensino Superior do MEC, na tentativa de entidades de fomento à pesquisa de rebaixarem o jornalismo da condição de subárea na Tabela de Áreas de conhecimento e outras.

O FNPJ considera a formação superior específica em jornalismo uma condição absolutamente necessária para a qualidade do jornalismo e, por tabela, para a democracia. Portanto, continuará lutando, dentro das suas possibilidades, para que assim permaneça. O formato que essa luta terá daqui por diante dentro do FNPJ também será decidido no planejamento de que falei acima, mas certamente, passará pelo aprofundamento da parceria com a Fenaj, que é quem historicamente tem conduzido essa luta e tem uma estrutura organizacional espalhada pelo País que o FNPJ não tem. Certamente, também, o FNPJ procurará incentivar os professores a participarem dessa luta, e também de outras, como a do Conselho Federal de Jornalistas e a da democratização da comunicação, pelo bem da atividade jornalística que ensinam e pelo bem da sociedade democrática.

A última pergunta da diretora do Departamento de Educação da Fenaj é quanto à regulamentação da profissão. Onde entra a função de professor, de que forma o FNPJ pretende atuar?

E.S. – O FNPJ ainda não tem acúmulo de discussão sobre esse assunto. Nas conversas isoladas, tanto entre professores quanto entre jornalistas, persistem algumas dúvidas, especialmente sobre a exata abrangência da medida. De qualquer forma, parece clara a necessidade de que pelo menos as chamadas disciplinas técnicas dos cursos sejam ministradas por jornalistas e de que é, no mínimo, bem-vinda a complementação do mestrado ou do doutorado. Por esse prisma, vejo a inclusão da função de professor de jornalismo (ou a sua permanência) na legislação que regulamenta a profissão de jornalística menos como um instrumento de regulação do mundo do trabalho (embora também o seja, legitimamente) e mais como um importante reforço à qualidade do ensino. Precisamos debater os detalhes, internamente e com a Fenaj.

Mônica Celestino, de Salvador, afirma que profissionais, professores e pesquisadores de cursos como Direito, Medicina e Pedagogia conseguiram, junto ao MEC e outras instâncias competentes, assegurar critérios diferenciados para a avaliação dos bacharelados nestas áreas, inclusive com participação direta de organizações de classe (OAB, CFM etc.) neste processo. Enquanto isso, diz ela ‘acompanhamos a abertura e manutenção de cursos de jornalismo sem infra-estrutura, com corpo docente sem titulação adequada e mal remunerado, com disciplinas ministradas à distância sem controle etc’. Mônica quer saber qual a proposta de intervenção do FNPJ, junto às instâncias competentes, para a realização de avaliações mais criteriosas para a autorização, reconhecimento e renovação de reconhecimento de cursos de jornalismo do país? Há possibilidade da realização de ações nacionais pela valorização de documentos como os Padrões de Qualidade de Cursos (que tem fragilidades, mas estabelece parâmetros claros de avaliação)?

E.S. – O FNPJ já tem atuado nesse sentido. Em reunião realizada no MEC durante o processo de debate da proposta de Reforma do Ensino Superior, na qual estive pessoalmente representando o FNPJ, ao lado de representantes da Fenaj e da SBPJor, já solicitávamos claramente a nossa participação quando da autorização e reconhecimento de novos cursos de jornalismo. A Fenaj já havia feito esse pedido formalmente antes. O representante do MEC disse taxativamente que não atenderia à reivindicação, pois isso seria uma intromissão indevida no processo. O MEC não abriria mão do seu papel de regulador do ensino superior no País.

No entanto, sabemos que setores profissionais que historicamente gozam de status social forte, ou têm organizações construídas há bem mais tempo, sobre profissões e atividades também mais numerosas e antigas do que o jornalismo, têm conseguido minimamente ser ouvidos. Mas, como disse anteriormente, o FNPJ pretende continuar insistindo para que o rigor agora anunciado para outros cursos chegue ao jornalismo e para que possamos ser ouvidos no processo. Para isso é fundamental termos uma política clara que sirva de parâmetro para interlocução com o governo. É o que pretendemos ter a partir do planejamento e do debate de que falei anteriormente.

Mas não estamos no escuro. Há um acúmulo de anos que baliza tanto o planejamento quanto as ações mais imediatas, e esses fatos novos nos dão mais esperanças quanto à possibilidade de participação nas decisões sobre os rumos dos cursos de jornalismo. E temos professores que se alinham com a posição do FNPJ participando do processo de elaboração de critérios para avaliação dos cursos. Embora com dificuldades sérias em alguns sentidos, eles têm conseguido avanços. A incorporação de boa parte das diretrizes curriculares aprovadas no célebre seminário de campinas são outro exemplo de que há brechas. Este, aliás, é também um exemplo de que quanto mais qualificados estivermos tanto mais chances teremos de intervir.

Célia Ladeira , professora. de Telejornalismo da FAC/UnB, tem visto, ao longo dos anos, que a qualificação téorica tem se sobreposto à qualificação profissional. E o resultado disso, segundo ela, é um aluno muito crítico em relação à prática do jornalismo, mas quase um antijornalista, um futuro profissional que nega a profissão. Ela afirma não ter nada contra o olhar teórico, mas avalia que quando esta reflexão se volta apenas para negar uma profissão tão mediadora como a de jornalista ela causa um desserviço à formação de futuros bons profissionais nas redações. Célia pergunta: como conciliar a exigência acadêmica de formação como doutor com a necessária qualificação como jornalista para ingresso de professores em cursos de Jornalismo nas universidades públicas?

E.S. – Na verdade, temos visto três situações: a que a Célia descreve, a situação inversa, de muitos cursos que não investem na formação teórica, e de uma terceira, que pode perpassar também as duas primeiras, que é a ausência de articulação entre o que se consagrou chamar como teoria e prática. Alguns estudos apontam como problema o fato de ainda estarmos em certa medida presos à imposição curricular das grandes potências ocidentais nos anos 1960 e 1970, no nosso caso via Unesco/Ciespal. Tentativa de imposição de um profissional polivalente, que o mercado brasileiro rejeitou, mas que deixou sua marca na academia sob forma de um conteúdo excessivamente genérico da comunicação, sem ou com pouca conexão com a prática específica dessa profissão ‘tão mediadora’, como diz a Célia. O objetivo era justamente deixá-la menos mediadora, menos crítica, com menos capacidade de intervenção na realidade social. Por um lado, isso se deu com a opção pelo tecnicismo. Por outro, com a adoção de um arcabouço teórico que, de tão crítico, destruía o seu objeto, transformando o aluno em ‘quase antijornalista’, para usar outra expressão feliz da Célia.

E, de fato, ainda se ensina muito os alunos a odiarem o jornalismo, com base em parâmetros teóricos que não devem ser abandonados, pois são importantes, mas reavaliados, adequadamente contextualizados e debatidos à luz de novas teorias, especialmente da riqueza teórica sobre a especificidade do jornalismo que se tem produzido nos últimos anos, inclusive no Brasil.

Acredito que os cursos devam ter essa realidade muito clara no momento da determinação do perfil dos professores que irão selecionar. A exigência, sempre bem-vinda, de doutor para o ingresso na docência do ensino superior, tem de, e pode perfeitamente, estar adequada às especificidades do jornalismo. Se não se pode abrir mão da interdisciplinaridade, também não se pode abrir mão da disciplina original que se comunica com as demais. No nosso caso, essa disciplina é o jornalismo, porque o profissional que se pretende formar é o do jornalismo, e não o do cinema, do audiovisual, da publicidade, das relações públicas, da filosofia ou das ciências sociais. Não se pode deixar de lado uma reflexão teórica profundamente articulada com o ensino das técnicas e dos procedimentos dessa profissão que, para o bem da sociedade, não pode ser diluída num caldo comum que mistura informação, ficção, entretenimento, propaganda e comunicação institucional. Isso não é corporativismo ou purismo; é uma exigência social.

Agora vamos a algumas contribuições da jornalista Rúbia Vasques. Ela conta que trabalhou por dois anos em uma universidade particular em Campo Grande (MS). Lá, encontrou uma doutora em comunicação (formada pela Umesp), que era graduada em farmácia, que ministrava aulas de telejornalismo e era assessora de imprensa da própria universidade, mesmo sem ser jornalista. Rúbia pergunta: isso pode?

E.S. – Esta pergunta está articulada com a anterior, da Célia. Em primeiro lugar, não é possível conceber que uma farmacêutica exerça função jornalística, como a de assessoria de imprensa. Há uma polêmica jurídica sobre essa função, mas ela se dá intramuros, isto é, dentro da área da comunicação, e não desta com outras, especialmente uma tão distante como a da saúde. Embora os profissionais das relações públicas aprendam a maior parte dos seus conteúdos de assessoria de imprensa com professores jornalistas e se relacionem com jornalistas e com veículos jornalísticos, além de basearem suas tarefas em técnicas jornalísticas, como a redação de notícias, a edição de jornais e boletins etc., eles também reivindicam para si a função de assessor de imprensa. Mas nessa polêmica nem de longe cabem os profissionais da saúde.

A não ser como grande exceção, a pessoa citada pela Rúbia não teria condições de ser professora de telejornalismo. E na nossa entidade não podemos tratar das exceções, mas da regra. Portanto, esta é uma situação que, a princípio, não tem o apoio do FNPJ. Acredito firmemente que é possível doutores de outras áreas e doutores em comunicação, mas com graduação em outras áreas, contribuírem com a formação do jornalista. Contudo, os nossos doutorados, sobretudo os de cunho genérico, não são profissionalizantes, não ensinam as técnicas jornalísticas. Portanto, não é a titulação de doutor que vai dar os instrumentos para o ensino das técnicas. E se também falta ao candidato a graduação nesta área, nitidamente estamos diante de um caso de formação inadequada para o posto. Aliado à graduação específica, o mestrado ou o doutorado completam a qualificação de um professor, dando-lhe as ferramentas técnicas e teóricas de que necessita para uma boa docência. Mas se há, digamos, conflito nessa qualificação, diminuem-se as possibilidades para o ensino específico.
A história tem demonstrado que muitas das teses de doutorado, quando tomam por objeto a generalidade da comunicação, não têm dado conta da especificidade, prática e teórica, do jornalismo. Assim, um professor que tenha feito uma tese genérica ou que não tenha a graduação específica terá dificuldades para compreender as especificidades da profissão que pretende ensinar, embora possa contribuir muito quando se trata das interfaces do jornalismo com as outras áreas da comunicação e do conhecimento.

Da mesma maneira, acredito que esse doutor terá dificuldades para coordenar um curso com tantas especificidades como o jornalismo. Nas interlocuções que o FNPJ tem mantido com as instâncias de avaliação de cursos do governo, tem defendido a necessidade de os coordenadores serem professores com graduação em jornalismo, pois é a partir dessa formação e da atuação profissional que é possível compreender o que o ensino técnico e teórico desta profissão requer.

A profissão de jornalista não é teórica. Ela tem um caráter fortemente técnico, embora mobilize o intelecto de forma semelhante às atividades teóricas. E ter uma forte característica técnica não a desmerece. Ao contrário, a técnica de apuração, processamento e difusão do conhecimento jornalístico, além de se constituir em função pública imprescindível para a complexidade social contemporânea, como mediação social e produção de conhecimento sobre a dimensão imediata e dinâmica da sociedade, exige mobilização de recursos intelectuais e lingüísticos num nível comparado ao das profissões eminentemente intelectuais. E se não mobilizasse esses recursos, não haveria demérito algum e continuaria havendo a necessidade de articulação entre ensino teórico e técnico, uma separação que, aliás, é inadequada do ponto de vista conceitual.

Há uma questão política séria nesta situação: independentemente das lutas travadas e a serem empreendidas pelas entidades nacionais do campo, é preciso uma mobilização entre os professores de cada escola para deixar claro o perfil dos docentes e dos coordenadores de que necessitam os cursos.

Rúbia diz que em Santos (SP), há uma faculdade de Jornalismo, cujo estúdio de rádio inviabiliza a aula prática, porque o tamanho do estúdio foi criado para ser uma vitrine, mas não cabem os alunos (mais de 40). O que fazer em situações como esta?

E.S. – Há situações muito diferentes neste nosso imenso País. Esta é uma daquelas muito específicas e que só se resolve com negociação no próprio local. De todo modo, o que o FNPJ defende é que os laboratórios tenham estrutura adequada para o ensino e, como já frisei acima, que não tenham só estúdios, mas veículos de comunicação para fazer os produtos laboratoriais chegarem à população. Condições físicas adequadas fazem parte do projeto de qualidade de ensino pelo qual temos de lutar nacionalmente e em cada escola.

Por fim, Rúbia faz uma pergunta/sugestão: porque não criamos uma avaliação para os professores dos cursos de jornalismo sem mentiras, com comprovantes, numa forma de reconhecimento do que há por aí? Bom ou ruim?

E.S. – Todas as avaliações têm de ser sem mentiras. Vamos trabalhar para que os bons parâmetros já existentes sejam efetivamente aplicados e para que tenhamos nossas próprias propostas ou métodos, nacionalmente discutidos, para oferecê-los às escolas como alternativas e para o seu aproveitamento pelos órgãos que hoje fazem as avaliações oficiais.

Obrigado por sua atenção, professor Edson Spenthof, a direção da Fenaj deseja-lhe muito sucesso nesta nova gestão no FNPJ e reafirma a disposição de aprofundar ainda mais a parceria que já vem ocorrendo com o FNPJ e demais entidades do campo do Jornalismo.