Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Há acidentes nas páginas dos jornais

Novembro marca a chegada da temporada de verão. E com o calor, vêm os turistas, congestionando estradas, lotando hotéis e praias. A atenção deve ser dobrada nas rodovias, já que o final de ano sempre reserva estatísticas trágicas e preocupantes. Mas antes disso, os principais jornais catarinenses provocaram alguns acidentes em suas edições, atropelando informações e vitimando a fidelidade dos relatos jornalísticos.

Pequenos desastres

No dia 16/11, o Jornal de Santa Catarina apresentou manchete ‘Acidente na ponte deixa caótica a volta para casa’. A notícia foi sobre um engavetamento, como dito na chamada de capa, ‘sobre a ponte do Rio Itajaí-Açu’ em que um carro, modelo Clio, com placas de Joinville afundou nas águas, sem causar mortes. Ainda no mesmo espaço, foi posto que havia a suspeita ‘de que um segundo veículo, de Cotia (SP), tivesse caído no rio, mas depois de quatro horas de espera descobriu-se que os ocupantes já estavam bem’. Nas páginas internas, foi dito que ‘sete veículos se envolveram no engavetamento e um deles caiu no rio’. Nada sobre a suspeita do envolvimento do veiculo de Cotia nem tampouco, foi citada a fonte que, na chamada, confirmou que os ocupantes do automóvel estavam bem.

No Santa de 17/11, a manchete ‘Trágica surpresa’ retomou o acidente. Nesta edição, foi dito que com ‘novas buscas no Itajaí-Açu descobrem submerso o carro de Cotia (SP)’. Na matéria, constava que apesar de ‘informações da Polícia Rodoviária Federal davam conta que nada havia ocorrido com os jovens e que eles seguiam viajem’, houve ‘a confirmação da morte de três jovens que retornavam para casa após feriadão’. Ficou evidenciado o equívoco da Polícia, que nessa edição foi citada. Também não constou nenhuma retratação admitindo a falta de fundamento nas hipóteses anteriores levantadas pelo jornal, que não identificou de onde veio tal informação.

Não admitir erros se tornou uma prática comum, principalmente quando dos próprios jornais. Além disso, tem ficado de lado informações atribuídas diretamente às fontes, o que pode comprometer, como foi nesse caso, a solidez da informação.

Cadê a fonte?

O Diário Catarinense, no dia 16/11, não deu grande destaque sobre o caso de acidente na ponte em Navegantes. Afirmou no intertítulo ‘Carro despenca na ponte em Navegantes’. Na matéria, foi apresentado que ‘um telefonema de amigos, porém, revelou que os três estavam bem’. Essa informação estava sem nenhuma fonte, como se o próprio jornalista que escreveu a matéria tivesse recebido o telefonema.

Na edição do dia 17/11, o DC teve como foto-legenda de capa ‘A tragédia do dia seguinte’, sobre o acidente. A matéria ‘Três corpos são resgatados do fundo do rio’ é igual à veiculada no Santa do mesmo dia, inclusive com as mesmas informações, mas sem o mesmo número de sub-retrancas.

Cuidadoso com a informação

O jornal A Notícia, no dia 16/11, dedicou curto espaço para o acidente na ponte entre Itajaí e Navegantes. Os dois parágrafos que compunham a matéria principal ’26 mortes no feriadão em SC’ apresentaram as informações básicas, como o que foi, como, quando e onde aconteceu o acidente. Nada sobre o envolvimento do carro de Cotia (SP), citado pelos concorrentes, foi mencionado, nem mesmo suspeitas.

Na capa do dia seguinte, AN trouxe a foto-legenda ‘Mortes no trânsito sobem para 22’. A matéria afirmou que ‘Como havia suspeita de que o Astra ??com placa de Cotia?? também poderia estar no fundo do rio, os bombeiros reiniciaram buscas’. O AN se manteve sobre informações concretas e descrição do que aconteceu.

Mídia não cobre a mídia 1

Santa Catarina sediou o maior evento da pesquisa em jornalismo do país no final de novembro: o 3º Encontro da Sociedade Brasileira de Pesquisadores em Jornalismo (SBPJor). Mesmo assim, os jornais locais reforçaram a tônica de que jornalistas não cobrem assuntos ligados à comunicação. Praticamente, ignoraram o evento. O Diário Catarinense trouxe uma nota de 12 linhas no domingo, 27, espremida entre as publicações legais. E só. Nos demais dias, nada.

O Jornal de Santa Catarina desprezou o evento por completo e não deu uma linha sobre ele nos dias de sua realização (27 a 29).

A Notícia só mencionou o 3º SBPJor no domingo, numa curta nota da coluna de Moacir Pereira. Aliás, outra nota foi publicada no dia seguinte, informando lançamento de livro de Pereira na UFSC. Nenhuma informação de que o evento integrava a programação da SBPJor. Nada. No final das contas, o livro nem foi lançado porque não ficou pronto a tempo.

Mídia não cobre a mídia 2

O 3º Encontro da SBPJor não foi notícia na imprensa local, mas a palestra do ‘guru’ do marketing empresarial, James Hunter, sim. A Notícia trouxe entrevista de página inteira com o autor do best-seller ‘O monge e o executivo’ na segunda-feira e matéria na terça.

Em tempo: A SBPJor trouxe a Florianópolis quase 200 pesquisadores de todo o país, e reuniu a nata da pesquisa de ponta no jornalismo. Atraiu ainda figurões internacionais, como os portugueses Nelson Traquina e Jorge Pedro Sousa, o alemão Thomas Hanitszch e o espanhol Javier Noci.

Critérios de edição

Na edição de 15/11, o Jornal de Santa Catarina apresentou na Editoria de Política: ‘Casamento simulado de Collor irrita ex-mulher’. Na matéria, o casamento do ex-presidente Fernando Collor com uma mulher ’28 anos mais jovem e grávida’. O fato que ocorreu em Alagoas ocupou aproximadamente 2/3 da página. A fonte da publicação foi a revista Caras, que é focada na badalação de famosos. A matéria contou ainda com fotos reproduzidas da própria revista.

Acontece que a mesma página traz matéria curta sobre tema mais importante para os catarinenses: ‘Justiça mantém indisponibilidade de bens de Vianna e Max Bornholdt’, informando decisão que bloqueou bens do secretário da Fazenda e do presidente do Banco de Desenvolvimento (Badesc). Afinal, quais os critérios da editoria? Dar mais foco a uma intriga conjugal ou a um escândalo que envolve os interesses do contribuinte local?

Papel social

O Grupo RBS, no Jornal de Santa Catarina de 16/11, mostrou preocupação com cidadania. Na matéria ‘RBS lança Portal Social’, foi apresentado o apoio que o conglomerado vem dando a projetos sociais. O site tem como objetivo a ‘troca de informações entre entidades assistenciais e patrocinadores para redução de desigualdades’. Para o presidente do Conselho de Administração da RBS, Jayme Sirotsky, a intenção é ‘que o Portal Social represente um elo de aproximação e de solidariedade, um valor a mais que as comunidades do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina venham a crescer na sua cultura’. A iniciativa é positiva, e mostra que os meios ainda apresentam uma preocupação com o desenvolvimento da sociedade. Além disso, mostra que os jornais se utilizam cada vez mais da tecnologia da internet para suas ações.

Reflexos Culturais

No dia 19/11, Diário Catarinense e A Notícia trouxeram matérias sobre as visíveis diferenças entre negros e brancos citando dados do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). No AN, o artigo ‘Zumbi e a luta por igualdade racial’, do deputado estadual Dionei Walter da Silva, citou as propostas de inclusão do governo federal, como a polêmica cota nas universidades públicas. Em 20/11, em artigo opinativo, o AN relatou, com base em dados do IBGE, a situação social em que negros se encontram: morrem mais cedo, são mais pobres, têm escolaridade mais baixa e menos acesso à saúde que os brancos.

No mesmo dia, Nêga Tide, famosa carnavalesca de Florianópolis, foi capa do caderno Dona DC. Na matéria, a auto-estima foi ‘vista como um fator chave na luta dos movimentos negros pela igualdade’. O DC contou ainda com um artigo e uma breve publicação sobre fotógrafos do jornal que foram homenageados com a medalha Zumbi dos Palmares no dia 16. No dia 21, as manifestações de afrodescendentes que ocorreram no dia anterior em Salvador, Maceió e São Paulo – foram chamada de capa em A Notícia.

O Jornal de Santa Catarina, da loira Blumenau, não mencionou o Dia da Consciência Negra nem mesmo no dia 20.

Confundindo o leitor

No dia 21, a manchete de A Notícia ‘Udesc abre vestibulares de verão’ além de fraca era também ambígua. Ao longo da edição, foram encontradas matérias mais relevantes como o movimento das praias na capital e a greve dos fiscais federais agropecuários. Posto que os vestibulares são previsíveis nos finais de anos e que uma greve é algo que afeta diretamente a economia, o critério para a escolha da manchete neste dia foi indiferente ao interesse da maior parte dos leitores. Já a ambigüidade veio do verbo ‘abre’ que pôde passar a impressão de que pela primeira vez a Universidade do Estado de Santa Catarina adota o sistema, quando na realidade se trata da abertura da temporada de vestibulares.

Resgate de nossa história

Se não fosse pela publicação do jornal A Notícia, a Proclamação da República teria caído no esquecimento. No Jornal de Santa Catarina e no Diário Catarinense nada foi mencionado sobre a data. O AN trouxe na capa a chamada ‘República: Com o significado histórico quase esquecido, o feriado de 15 de novembro lembra hoje os 116 da Proclamação da República do Brasil, que colocou fim ao sistema de governo monárquico’. A página A4 destinou-se inteiramente ao tema. Trouxe a matéria ‘Conquista quase esquecida’, com uma história resumida sobre a Proclamação, fotos de Deodoro da Fonseca e Floriano Peixoto. Trouxe ainda box sobre os países que ainda possuem regime monárquico e sobre famílias imperiais. O jornal fez um breve resgate histórico da data e destacou a importância de se preservar sua memória.

Título preconceituoso

A Notícia escorregou no machismo na edição do dia 29/11. Matéria de cabeça de página da Editoria Mundo foi ‘Kirchner põe mulher para tocar economia’ e se referiu à substituição do ministro da Economia na Argentina. O presidente Nestor Kirchner trocou Roberto Lavagna pela presidenta do Banco de La Nación, Felisa Miceli. A carga sexista se revela pela conduta que enfatiza ‘pôr uma mulher para tocar a economia’ do país. Não bastasse isso, o título é ambíguo: dá a impressão de que Kirchner nomeou a esposa senadora para a pasta.

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