São mais de 7 bilhões de pessoas ao redor do mundo gerando lixo diariamente e as previsões são de que até 2025 a tonelagem seja o dobro das atuais. Segundo o Banco Mundial (2012), em 2025 serão 4,3 bilhões de habitantes urbanos (contra 2,9 bilhões em 2002), produzindo 1,42 quilo de lixo por dia, num total de 2,2 bilhões t/ano. Além do planeta dar sinais de esgotamento por acumular tantos resíduos, mostra que o modelo de exploração dos recursos naturais está fadado ao fracasso.
As consequências das mudanças climáticas, nos âmbitos ambiental (degelo da Antártida, desaparecimento de espécies vegetais e animais etc.) e saúde pública (retorno de doenças antes erradicadas e a proliferação de vetores que disseminam outras patologias, como o aedes aegypti, transmissor da dengue, chikungunya e zika vírus), e mais recentemente o temor de uma epidemia de febre amarela no país, são demonstrativos dessa falência.
De acordo com o Ministério do Meio Ambiente (2013), o Brasil desperdiça, a cada ano, cerca de R$ 10 bilhões por falta de destinação adequada de resíduos. Dados da Abrelpe (2014) mostram que 58,4% dos resíduos coletados no país tiveram destinação adequada (aterro sanitário), mas “mesmo com uma legislação mais restritiva […], 3.334 municípios, correspondentes a 59,8% do total, ainda fazem uso de locais impróprios para destinação final dos resíduos coletados”.
Diante desse cenário, é importante refletir de que forma os meios de comunicação – analógicos e digitais – podem contribuir de forma assertiva para a disseminação de informações de qualidade e a ampliação do debate sobre o tema na sociedade. Notadamente, percebemos que a grande imprensa rotineiramente abre espaço para temas como aquecimento global, degelo do Ártico, aumento das temperaturas, mas raramente para uma análise local dos problemas, por exemplo, trazendo a questão para o Brasil. Geralmente o tema “resíduos” ganha destaque na mídia nacional quando os garis paralisam os serviços de coleta ou ocorre algum problema em um aterro sanitário.
A greve dos garis no Rio de Janeiro durante o carnaval de 2014 foi uma excelente oportunidade para a sociedade brasileira se debruçar sobre o debate dos resíduos sólidos frente à nova legislação e o desenfreado descarte de resíduos. O que se viu durante sete dias foram montanhas de plásticos, garrafas de água, latas, caixas de papelão e, claro, lixo comum transbordando por toda a capital fluminense. Não teria sido esse um ótimo momento para uma mobilização emergencial de educação ambiental com os cariocas? Com os turistas foliões?
Numa análise superficial do noticiário dos dois jornais de maior circulação no Brasil – O Globo e Folha de S.Paulo –, ambos se limitaram a retratar os fatos, claro, dando ênfase à gravidade da situação, às doenças correlacionadas, como leptospirose e diarreias, mas não avançaram no debate chamado a sociedade para a corresponsabilidade, nem situando a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) nesse contexto.
O envolvimento da sociedade
O Globo publicou uma nota de opinião, levantando a hipótese de oportunismo político do movimento, em pleno carnaval, com a cidade repleta de gente e com 3 mil toneladas de lixo pela cidade todos os dias, sem desmerecer que os garis podiam ganhar mais. No bate-pé entre Prefeitura do Rio e garis, os trabalhadores dos resíduos venceram: pediram R$ 1.200 e levaram R$ 1.100, um aumento real de 37%, em cima do salário de R$ 803.
Um dos preceitos da política nacional é reduzir a geração de resíduos, e para isso é necessário que as pessoas acessem o mínimo de informação para se mobilizar, como atestam Braga e Mafra (2000): “Além disso, precisam compartilhar visões, emoções e conhecimentos sobre a realidade das coisas à sua volta, gerando a reflexão e o debate para a mudança.”
Pensar em políticas públicas e de mobilização da sociedade para reduzir a geração de resíduos e fazer seu descarte de forma correta é essencial. Com esse intuito, foi desenhada, depois de 20 anos tramitando no Congresso, a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), legislação que prevê uma série de exigências a todos os 5.570 municípios brasileiros. Entre elas, e uma das mais significativas, é a construção do plano municipal de gestão dos resíduos sólidos, que cada cidade deve ter. Nesses planos devem constar, entre vários itens, a implantação da coleta seletiva com a participação de cooperativas ou outras formas de associação de catadores de materiais reutilizáveis e recicláveis; e a adoção de programas e ações de educação ambiental que promovam a não geração, a redução, a reutilização e a reciclagem de resíduos sólidos .(PNRS, 2012)
Uma das questões colocadas pela nova legislação é a responsabilidade compartilhada, que prevê o envolvimento de toda a sociedade, incluindo população, indústria, comerciantes, importadores, distribuidores, consumidores finais e serviços públicos de limpeza urbana com a questão, considerada um princípio norteador da PNRS, por Costa e Crespo (2012): “É uma mensagem para que todos os atores façam sua parte.”
Comunicação para o desenvolvimento humano
Mais do que envolver a população, é fundamental que a questão seja tomada com política de governo, como bem descreve Acselrad (2000): “A participação democrática e a socialização da política seriam condições do desenvolvimento, que contaria com a participação da sociedade nos fóruns de discussão sobre as decisões de interesse público.”
Na visão de Acselrad, um caminho viável do desenvolvimento é repensar as articulações entre dimensões econômicas, sociais e político-institucionais. Um dos modelos seria movido pelos processos temporais de inovação, velocidade de circulação da informação e o uso do conhecimento tecnológico. O outro teria foco na cidadania como condição do desenvolvimento.
Se o envolvimento da população se mostra como essencial para o sucesso de um processo de mudança – nesse caso, o da redução de geração de resíduos e adoção na prática diária de medidas ambientais, separação de materiais e destinação para a coleta seletiva –, a comunicação para o desenvolvimento humano e social, bem como para a promoção da autonomia dos sujeitos, se apresenta como item fundamental de mobilização social, à medida que, segundo Marteleto e Silva (2004), o acesso à informação é um elemento-chave para o desenvolvimento econômico e social de comunidades e grupos sociais.
“A capacidade de obter informações, além dos contornos restritos da própria comunidade, é parte do capital relacional dos indivíduos e grupos. As transformações dependem das redes existentes entre os indivíduos do grupo e atores localizados em outros espaços sociais, ou seja, do capital social da comunidade [na relação com o Estado].”
Uma iniciativa interessante de mobilização adotada pela Prefeitura de Belo Horizonte, em 2011, foi a colocação de um lixômetro na Praça Sete, Centro da capital, com os resíduos que são recolhidos diariamente no local, atirados ao chão pelos pedestres.
Comunhão e compartilhamento
Nesse cenário, pode-se afirmar que o acesso à informação se revela como uma das formas de tornar os sujeitos mais conscientes sobre seu papel nesse contexto dos resíduos sólidos. Para Henriques et.al (2007), a mobilização social vai ao encontro de “um projeto que permita o desencadeamento de ações concretas de cooperação e colaboração. Onde os cidadãos se sintam efetivamente envolvidos no problema que se quer resolver e compartilhem a responsabilidade por sua solução”.
O autor afirma ainda que “a comunicação no processo de mobilização é dialógica, na medida em que não é a transferência do saber, mas um encontro de sujeitos interlocutores. […] Isso significa dizer que a existência humana é, por si, uma existência dialógica, porque o homem é um ser de relação”.
Mas apenas isso não é suficientemente bastante, na visão de Henriques et.al (2007), que afirma ser “necessário cumprir outras funções que devem estar integradas e articuladas”, como:
“Difundir informações – […] a rede comunicativa se estabelece por meio da difusão (divulgação e publicização) do tema mobilizador […] dando visibilidade da iniciativa aos diversos atores.
Promover a coletivização – a simples difusão não é garantia de que as pessoas irão se sensibilizar e participar da mobilização. A coletivização pode ser alcançada pelo sentimento e certeza de que não se está sozinho na luta pela mudança, há outros atuando com o mesmo sentido e propósito.
Registrar a memória do movimento – a existência de um banco de dados e outros modos de organização do acervo e da memória do movimento com o intuito de registrar sua trajetória também é fundamental para fortalecer a mobilização.
Fornecer elementos de identificação com a causa e com o projeto mobilizador – cabe à comunicação uma articulação entre valores e símbolos no processo de construção da identidade de um movimento, estabelecendo uma maneira estruturada a produção de elementos que orientem e gerem referências para a interação dos indivíduos, possibilitando, assim, um sentimento de reconhecimento e pertencimento capaz de torná-los corresponsáveis.”
Busca-se então na comunicação a ferramenta para articular a necessidade de mobilizar e conscientizar a sociedade sobre a redução de geração dos resíduos. É importante lembrar que a comunicação passou por uma verdadeira transformação nos últimos anos, haja visto o processo de globalização, que rompeu de vez com os limites geográficos, principalmente a partir da evolução tecnológica, que interligou países, processos, informações e pessoas de todo o mundo.
Conforme Castro (2012), as mudanças do mundo analógico para o digital impactaram profundamente as relações e influências na vida social. “Uma das características mais marcantes desse processo de mudança é a passagem da comunicação unidirecional (produção-mensagem-recepção) para a comunicação bidirecional, dialógica e interativa”, que se resume: “Produção-mensagem-recepção-resposta ao campo da produção. Nesse sentido, a digitalização permite recuperar o sentido latino da palavra comunicação, no sentido de comunhão e compartilhamento.”
Uma política pública de reciclagem
O uso dos aparelhos celulares inteligentes (smartphones), com acesso à internet e cada vez mais difundidos, principalmente entre jovens e adolescentes, e também as redes sociais permitem uma vastidão de conexões, compartilhamentos de ideias, imagens (fotos e vídeos) e também a troca de informações, pensamentos e reflexões. Como atualmente vive-se uma realidade cada vez mais digitalizada, em que “novos atores sociais vêm aparecendo no cenário midiático – “eles acessam e se apropriam das novas mídias de maneira formal (através de cursos) ou informal” (Castro, 2012) –, seria possível pensar a difusão de informações sobre a nova política de resíduos por canais/plataformas diferenciados.
Para se ter ideia, segundo dados do Relatório Consolidado Indicadores de 2012 a 2016 da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), o ano de 2016 fechou com 244.066.759 de linhas telefônicas móveis em operação no Brasil, para uma população de 205,2 milhões de pessoas. Diante disso, pensar como usar essa poderosa ferramenta em favor do meio ambiente e da melhoria da qualidade de vida nas cidades é um desafio interessante. Pode ser por meio de parceria com as operadoras de telefonia? Sim, por que não? Elas também têm sua responsabilidade dentro da política nacional de resíduos. Os fabricantes de celulares também, já que são responsáveis pelo recolhimento das baterias e aparelhos inservíveis. Todos da cadeia produtiva são responsáveis. O setor de eletroeletrônicos já está se organizando e discutindo como trabalhar essa logística.
Além dos meios de comunicação mais tradicionais, como TVs e rádios, e, claro, via projetos nas escolas, as prefeituras de todo o país poderiam pensar em como articular seus cidadãos para a questão dos resíduos fazendo uso das redes sociais mais acessadas por jovens (Facebook, Snapchat, Instagram e Twitter) para difundir não apenas conceitos, mas também programas de educação ambiental e mobilização social.
Produzir vídeos, fotos e textos curtos informativos, usando essas plataformas, seria uma forma de colocar a temática no cotidiano da cidade pelo meio digital, além de esquetes e peças teatrais em praças, parques e locais de grandes aglomerações. Esse tipo de campanha de comunicação pode se tornar uma ferramenta ágil e efetiva em municípios de pequeno a grande porte, desde que com um planejamento bem executado e com foco no resultado de diminuir a geração de resíduos e alavancar uma política pública local de reciclagem.
Novas ferramentas de comunicação estão aí e devem ser usadas para que o tema de resíduos sólidos seja amplamente divulgado. Campanhas de educação para o cidadão devem fugir das antigas e corriqueiras cartilhas. Afinal, economizar papel é um dos primeiros passos que deveriam ser seguidos para manter mais florestas de pé e evitar o desperdício.
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Cristiana Cyrino Borges de Andrade e Cláudio Magalhães são, respectivamente, jornalista e mestre em Gestão Social, Educação e Desenvolvimento Local e jornalista, doutor em educação e professor do Centro Universitário UNA