Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1280

Jornalismo é atividade intelectual

Gostaria de agradecer a vocês pela lembrança que tiveram de me conceder honoris causa a filiação a essa entidade que desejamos tenha longa e proveitosa vida.

Em novembro do ano que vem completo 70 anos e, se não mudarem até lá a Constituição Federal – que no Brasil muda a cada estação do ano – , acontecerão comigo duas coisas:

** a primeira, na forma do Artigo 14, parágrafo 1º, inciso 2º, é que recuperarei meu direito de não votar, que perdi ao completar 18 anos, e também o honrado ônus de fazer greve com o salário suspenso, como acontece com o comum dos mortais;

** a segunda é que, na forma do Artigo 40, inciso II, serei aposentado compulsoriamente, deixando o serviço público enquanto ele ainda existe.

Essa segunda cláusula significa que entregarei o pescoço aos vassalos dos bancos – envolvidos, vassalos e bancos, em sucessivas campanhas políticas contra aposentados e outros pobres não produtivos.

Talvez esses dois eventos justifiquem a comemoração antecipada que me prestam neste encontro de professores.

Após exato meio século de trabalho, em redação, laboratório e sala de aula, gostaria de lhes transmitir umas poucas conclusões a que cheguei.

Não acredito em denúncia de jornal. Lembro-me do suposto mar de lama que nunca houve, no governo do presidente Getúlio Vargas; da suposta inflação galopante, porém modesta, do governo do presidente Juscelino Kubitschek; da suposta ‘república sindicalista’ do presidente João Goulart; dos resultados pífios da suposta comissão geral de investigações dos governos militares; da ridícula acusação feita ao presidente Fernando Collor, um milionário, de que teria supostamente desviado verba pública para comprar um carro popular, o Fiat Elba.

Não quero com isso inocentar Collor de seus desvios nem afirmar a competência dos aprendizes de feiticeiro que cercam o presidente Lula. Mas quero, isto sim, evidenciar a facilidade com que o jornalismo serve a causas ensandecidas, bastando dizer que o faz ‘supostamente’. É claro que, por isso e para isso, chegamos a um estágio em que o sujeito compra um aparelho de DVD e ganha como brinde a assinatura de uma revista semanal.

Crença na verdade

No mais, acredito que jornalismo é atividade intelectual e não vejo cabimento em ensinar a repórteres investigativos defesa pessoal, técnicas de luta marcial, camuflagem ou sobrevivência na selva.

Quanto ao ensino, para mim é claro que o jornalismo é um conjunto de técnicas de captação e processamento de informação. Não haveria, assim, uma ‘teoria do jornalismo’, mas tantas teorias do jornalismo quando se queira: semântica, semiológica, retórica, sociológica, antropológica, epistemológica, psicológica, cognitiva, pragmática etc. É o que acontece com medicina, direito, engenharias e outras práticas sociais.

O que se deve ensinar na universidade são as técnicas, as circunstâncias socioeconômicas e históricas, e a postura profissional, baseada na crença na verdade como adequação íntima do enunciado aos fatos – coisa que data, pelo menos, de Tomás de Aquino e funda também as ciências da natureza; e na curiosidade, estímulo que partilhamos com a nobre estirpe dos cientistas. De novo, obrigado.

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Jornalista, professor titular da Universidade Federal de Santa Catarina