Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Jornalismo hoje

Meus colegas formandos,

A honra que me foi concedida é imensurável. O máximo que posso fazer é agradecer. Não o digo por falsa modéstia. É convicção.

A escolha equivale a me qualificar de modelo. Mas a vocês cabe olhar o futuro. Um jornalista é, no final das contas, o que há de mais parecido com a notícia. Aconteceu e já passou. Está acontecendo a cada segundo, em todos os cantos habitados e todos os campos do conhecimento.

Ainda estou ativo, certo, creio por um só motivo principal, que é o de jamais ter deixado de estudar, tentando me atualizar cultural e tecnologicamente. Descobri ainda nos bancos escolares que só se compreende com o que se sabe. E são tão estreitos os limites da capacidade humana de absorver que jamais se chega a saber o bastante. Para começar, muitos afirmaram no passado, como hoje, entenderem o ser humano.

Alguns aprendizados

E aqueles que têm um mínimo de modéstia acabam concluindo que a condição humana não foi decifrada.

Lendo a Bíblia, fica-se desde logo numa tremenda dúvida: do casal original nascem o bem e o mal, Abel e Caim. E Caim mata Abel. E está escrito que o homem foi feito à imagem de Deus, em outras palavras, é um ser imperfeito por definição, uma realidade, apenas.

Dedico-me com determinação e persistência a apreender o máximo para tentar atingir o impossível, que é compreender a nós mesmos, ao ser humano. Não se passou um segundo em minha vida pessoal, e menos tempo ainda na profissional, sem que fosse surpreendido com o inesperado.

A consciência dos meus próprios limites tem inspirado a minha prática jornalística. Assim, jamais esqueço que o fato é um evento dentro de um contexto. E sempre procuro colocá-lo no contexto para torná-lo tão compreensível quanto possível.

Jornalismo, para mim, sempre tem de ser didático. Comecei muito jovem como repórter de O Globo e logo fiz nome pelo sensacionalismo. Um dia me perguntei, o que estava criando? E mudei de linha, passando ao que chamava de jornalismo mais sério, construtivo, aquele que podia contribuir para o leitor se colocar diante do fato e dele assimilar conhecimentos.

Não vim aqui contar a história de meus 60 anos de profissão. Seria aborrecido. Textos longos adormecem. Vim com a síntese de alguns aprendizados para tentar ser útil a vocês.

Era de extremismos

Já é repetir dizer que o mundo fica cada vez menor devido à instantaneidade e ao alcance dos meios de comunicação. Com um toque de dedo recebemos um panorama do que ocorre naquele mesmo instante em todos os cantos. E, com um toque, se entramos nas mais importantes bibliotecas, pedimos e recebemos imensidões de informações sobre quase tudo que se registrou. E se acentua a tendência a concluir que essa fantástica possibilidade aberta pela internet não só reduz distâncias métricas, como culturais e espirituais.

A minha experiência me indica que dois fenômenos ocorrem simultaneamente.

Via internet recebemos a montanha de informações que estreitam distâncias. E, ao mesmo tempo, esta facilidade acentua o provincianismo em cada um de nós. Queremos ser mais o que somos em segurança. Proteger a nossa maneira herdada de ser.

No mundo de hoje se verifica o aprofundamento de estreitos nacionalismos. Volta forte o que poderíamos chamar até de nacionalismos religiosos, o de isolamento de cada seita e tempo. Vivemos era de extremismos e fundamentalismos explicáveis, talvez, pelo medo de cada um, receio que se tem do estranho, do desconhecido.

Expansão da incompreensão

A convicção de que o outro, o estranho, ameaça a segurança do que temos no subconsciente ou mesmo no consciente. Estamos ficando mais preconceituosos na preservação da nossa intimidade.

O fato, talvez devido à internet, tende mais e mais a ser confundido com conhecimento. E como só se entende tanto quanto já se sabe, esse conhecimento é superficial por definição. A conseqüência tem sido a inserção de imagens virtuais de outros povos e hábitos no nosso consciente. E a generalização de perigosos preconceitos. A internet parece que aproxima. Na prática, cria barreiras e afasta.

O jornalismo didático é hoje mais missão do que profissão. Promover compreensão é o nosso principal objetivo. Temos de ser o grande explicador para os milhões e milhões que as tecnologias de comunicação colocam à disposição da prática da profissão que escolhemos. É a nossa mais essencial contribuição em defesa do direito de livre pensamento de cada indivíduo e do respeito de cada um pelo o que é o outro.

Acreditem que os chamados choques de culturas ou civilizações resultam da expansão da incompreensão, facilitada, paradoxalmente, pelo acesso a conhecimentos incompreensíveis para as maiorias que são influenciadas pelas formas com que as novas mídias são usadas.

Bem-estar mundial

Sempre, desde os primórdios, que o homem se depara com crises e oportunidades. E hoje o contraste se acentua com imensos perigos para a civilização se a opção não for pelas oportunidade do entendimento.

O terrorismo é apenas uma tática mortífera dos confusos que urge sejam esclarecidos sem preconceitos nem crenças de donos da única verdade.

Conta-se que a civilização começou às margens dos grandes rios, o Tigre e o Eufrates, quando o homem descobriu que podia se alimentar cultivando o solo. Os atuais meios de comunicação em permanente desenvolvimento equivalem àquele momento em que o homem viu uma semente gerar.

Fazer gerar algo novo nas relações entre seres humanos e povos é mais provável hoje do que jamais com os meios de contato. Mas também pode ser gerado o pior.

Mais do que nunca o jornalismo é uma profissão fundamental na promoção de um melhor bem-estar no mundo. Nunca esqueçam disto.

Novamente grato.

[Jerusalém, 12/8/2005]

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Jornalista brasileiro residente em Tel-Aviv, Israel, correspondente do jornal eletrônico Último Segundo