Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Jornalistas sem formação: uma aberração

Derrubaram o nosso diploma e, com ele, a luta de décadas por um jornalismo responsável e de qualidade. A própria sociedade já disse, inclusive em várias pesquisas, que jornalista só é jornalista com diploma. Só a nossa Suprema Corte não entendeu isso.

Os ministros do STF acolheram o Recurso Extraordinário RE 511961, interposto pelo Sindicato das Empresas de Rádio e Televisão de São Paulo e pelo Ministério Público Federal (MPF) contra uma decisão do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, que tinha afirmado a necessidade do diploma. A cúpula dos chamados ‘operadores do direito brasileiro’ entendeu que jornalista, cozinheiro e costureiro são tudo a mesma coisa: basta vocação e um pouquinho de interesse para aprender o ofício. Portanto, para que diploma? A imprensa não é importante mesmo, não é, ilustre presidente, ministro Gilmar Mendes?

O mais frustrante, para não falar em revoltante, é entender que da bagagem jurídica dos comandantes da Suprema Corte venha o entendimento de que imprensa responsável não precisa de jornalista bacharelado. A técnica e a ética, portanto, não vêm dos bancos da universidade, se assim entendermos que o diploma é dispensável. Então, se retiramos técnica e ética, o que sobra para o jornalismo brasileiro? Talvez a incompetência, o amadorismo, o despreparo e o retrato de uma realidade veiculada sem nenhum senso de responsabilidade. Ou seja, o que era profissão deixa de ser jornalismo. Assim entenderam nossos ilustres ministros.

Para que o diploma em Direito?

Ao justificar seu voto, o presidente do STF, ministro Gilmar Mendes, teve a sábia estupidez de comparar nossa profissão à cozinha, corte e costura: ‘É fácil perceber que formação específica em curso não é meio idôneo suficiente para evitar eventuais riscos à coletividade ou danos a terceiros’, afirmou Mendes em seu voto. Em sua argumentação, o presidente do STF fez alusão ao exercício profissional da culinária: ‘Um excelente chefe de cozinha poderá ser formado numa faculdade de Culinária, o que não legitima estarmos a exigir que toda e qualquer refeição seja feita por profissional registrado mediante diploma de curso superior nessa área.’

Dá para entender? Agora eu pergunto: a notícia tem a mesma função social que a de uma refeição? É para rir, não é? Não, prefiro dizer que é para chorar… O pior é acreditar que um argumento desses tenha partido do alto comando do Judiciário brasileiro. Mendes não percebe que o jornalismo é uma atividade profissional complexa, essencial para a sociedade, e seu exercício exige responsabilidade social, compromisso ético e preparação teórica e técnica de qualidade. Mendes não percebe que a imprensa é capaz de erguer ou derrubar sua imagem. E depois dessa ‘ilustre argumentação’, acendeu a fúria da categoria.

O ‘ministro-aberração’ também argumentou que ‘a salvaguarda das salvaguardas da sociedade é não restringir nada. O jornalismo e a liberdade de expressão, portanto, são atividades imbricadas por sua própria natureza e não podem ser pensadas e tratadas de forma separada’, afirmou Mendes. Ok, senhor ministro. Vou reunir alguns livros de Direito, Código Civil, Penal, trabalhista ou seja lá o que for, a nossa Constituição e colocar uma placa em minha casa: ‘Advocacia’. Afinal, defender ou acusar alguém é ou não é liberdade de expressão? Alguém vai me impedir? E então, ‘senhores doutores’, para que o diploma de bacharel em Direito, não é?

Academia será uma ‘opção’

Aliás, o jornalismo sem formação também pode abrir muitas feridas… As mesmas que um médico não diplomado é incapaz de curar. Só que as nossas são ainda piores e mais graves: são as feridas do tecido social. Nenhuma imprensa pode curá-las a não ser aquela lapidada pela formação acadêmica, pelo estudo e pelo esforço diário de quem alia teoria e prática para entendê-las. Pode parecer clichê, e é… mas ainda somos o quarto poder.

Bem, e quem sou eu para questionar a decisão da maior instância do Judiciário brasileiro? Uma repórter recém-formada, em um estado de estreito mercado jornalístico? Sou apenas mais uma jornalista indignada. E não me calo. Formei-me no ano passado, batalhei bastante para tal, escrevi um pequeno guia para estudantes de Jornalismo e agora esbarro em mais uma dificuldade para publicá-lo: o interesse pela teoria aliada à prática, para quem quer realmente seguir a profissão, mas com formação. A bagagem acadêmica não será mais a mesma: talvez seja apenas uma ‘opção’, e não mais uma obrigação.

Sem formação, nunca entenderão

Confesso que fiquei tão atordoada com o anúncio do Supremo que ainda não consigo entender direito como vai ser o jornalismo de agora em diante. É verdade que as entidades representativas de nossa categoria, como sindicatos, Fenaj e Associação Brasileira de Imprensa, vão prosseguir com o movimento pela qualificação da formação em jornalismo, a luta pela democratização da comunicação, por atualizações da regulamentação profissional dos jornalistas e mesmo em defesa do diploma. Mas é fato também que, se antes as coisas eram muito difíceis, agora elas se tornaram bem piores.

Esta é uma decisão lamentável para a minha geração de jornalistas: os que agora chegam ao mercado, em meio a mil dificuldades, mas respirando com certo alívio por conseguirem um concorrido espaço nas redações… Espaço este que ficará cada vez mais disputado. E o pior: por quem não tem formação… Também lamento pelos que lutaram desde os árduos anos de chumbo até hoje pela liberdade de imprensa com responsabilidade e qualidade de formação. E lamento mais ainda pelos que virão, pelos que agora estudam Jornalismo, podendo deparar com um mercado ainda mais saturado, concorrido e prostituído pelos interesses patronais das grandes empresas.

Com todo o respeito aos ‘vocacionados’. Mas sem formação, nunca entenderão o que é jornalismo.

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Jornalista, repórter do jornal Tribuna Independente, Maceió, AL