Saturday, 20 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Matéria da Folha é contestada



Peço a atenção do Observatório da Imprensa para um protesto que enviei ao ombudsman da Folha de S.Paulo contra a cobertura jornalística absurda que o jornal realizou no sábado (19/5), sobre a ocupação dos estudantes na USP. Para oferecer a polêmica ao conhecimento público, segue a carta que enviei ao ombudsman e, em seguida, a reprodução do artigo da Folha ao qual me contraponho. Atitudes como esta não podem perdurar na imprensa.


Caro Sr. Ombudsman, escrevo para protestar sobre a maneira como o assunto sobre a ocupação da USP foi tratado pela Folha na sua edição de sábado, dia 19 de maio de 2007.


Fica clara a postura tendenciosa do jornal contra o movimento estudantil, sobretudo pela publicação do artigo de Paulo Sampaio na pág. 3 do caderno ‘Cotidiano’. A página seguinte da edição, mostrando uma opinião contra e outra a favor da ocupação, não consegue restaurar a imparcialidade: as duas opiniões ocupam um espaço ligeiramente superior ao artigo mencionado na página 3. Independentemente da quantidade de palavras, o conteúdo do artigo de Paulo Sampaio compromete definitivamente o nível do debate.


Paulo Sampaio ridicularizou os estudantes. O jornalista escolheu a dedo suas palavras para diminuir o conteúdo político do movimento, como se fosse possível fazer isso escarnecendo vestimentas, gírias, aparências. Tudo indica que Paulo Sampaio, ou mesmo a Folha, esforçando-se para confirmar um juízo prévio, fizeram uma pesquisa enviesada. Fecharam os olhos ou procuraram indícios do que queriam ver nas aparências.


‘Durou menos de uma hora, mais foi proveitosa a visita à reitoria da USP.’ Daqui depreendemos que o comportamento dos estudantes é previsível e simplório a ponto de ser passível julgá-lo em pouco tempo. Não sou eu que digo ser o tempo pouco, repare, mas sim o próprio jornalista. Prefiro acreditar que o pouco tempo foi suficiente para confirmar as opiniões prévias do jornal, eis o ato falho.


‘A sensação é parecida à de uma das crianças premiadas para visitar a fantástica fábrica de chocolates Wonka.’ Assim o jornalista ridiculariza o controle de entrada do prédio, que justificadamente deve limitar aos estudantes a participação em um movimento que é dos estudantes. O controle de entrada deve existir para que as decisões tomadas sejam posteriormente defendidas com coesão frente à sociedade, evitando ser julgadas precipitadamente pelas dissensões saudáveis oriundas do processo de discussão, dissensões estas que ofereceram material suficiente em todos os sentidos, para que Paulo Sampaio enxergasse apenas aquele que desejou. Por fim, o controle de entrada do prédio também faz-se necessário para preservar as instalações da reitoria, que, com exceção do portão de entrada, estão intactas. Eis algo que o jornalista olhou mas não viu.


A visita do repórter é desprovida de mérito: ele mostra, ao longo de todo o texto, que só olhou para a aparência das pessoas, das gírias e das vestimentas. Mais do que isso, ele só olhou para a aparência de certas pessoas, pois poucos dos estudantes lá presentes poderiam ser qualificados de ‘chineludos’, vestindo ‘gorros de tricô furado, paletós do papai’, e ‘dreadlocks’.


Evitar injustiças


O repórter não disse nada de substancial quanto ao teor das discussões. Novamente baseado em aparências, em trechos que conseguiu ouvir durante o pouco tempo em que esteve lá, insinuou juízos de valor, como quando, no começo do texto, antes de entrar no prédio, ouve ‘conversas de onde escapam palavras como `condução´, `discurso´, `sociedade civil´’. Afinal, o que o jornalista ouviu? Não sabemos. Apenas sabemos que para ele, as palavras que ouviu soaram como escapadas, eis a insinuação. Além disso, salientando as gírias, ridicularizou as falas dos estudantes, aludindo talvez a uma crença de que usar gíria necessariamente denota falta de poder de escolha, excesso de determinação pelo grupo.


Sou arquiteto e estudante recém-ingressado na segunda graduação pela mesma instituição. Não tenho uma opinião formada a respeito da greve dos estudantes, mas participei de alguns debates e assembléias, na quais conteúdos políticos de fato foram debatidos por pessoas com as mais variadas aparências. Inclusive funcionários da USP estavam presentes.


Estive em algumas discussões, como muitos outros estudantes que também trabalham, vestindo camisa e sapato, se é que isso, necessariamente, importe em alguma coisa. Falo pouca gíria, se é que isso, necessariamente, importe em alguma coisa. E enfim, quanto a isso, evitemos injustiças: Paulo Sampaio também não disse que, necessariamente, usar gíria e ser ‘chineludo’, importa em ter opiniões desqualificadas. Ele apenas insinuou isso, o que é incrivelmente pior.


Eis um posicionamento mais justo da minha parte. Faço votos de que o Sr. Mário Magalhães, ombudsman da Folha, manifeste-se a este respeito. Agradeço desde já pela atenção, Vinícius Spira.


***


Invasão atrai engajados e curiosos


Paulo Sampaio # copyright Folha de S.Paulo, 19/5/2007 – caderno ‘Cotidiano’, pág. 3


Durou menos de uma hora, mas foi proveitosa a visita da Folha à reitoria da USP, tomada há 16 dias pelos estudantes.


Fora da reitoria, fogueira e violão; pequenos grupos de alunos sentados na grama se aquecem no calor do debate, em conversas de onde escapam palavras como ‘condução’, ‘discurso’, ‘sociedade civil’.


Na entrada do prédio, uma tenda amarela estilo canteiro de obras funciona como toldo. Ali embaixo há uma espécie de ‘corredor polonês do bem’, onde grevistas sentados em cadeiras zelam para que apenas alunos ingressem no prédio.


Hora de entrar. Um, dois, e… A Folha vai bem até o último manifestante postado no corredor; ele solicita a carteirinha de estudante. A foto do verdadeiro aluno é ocultada com o dedão. Ninguém nota nada. A sensação é parecida à de uma das crianças premiadas para visitar a fantástica fábrica de chocolates Wonka.


Logo no corredor de entrada, mais grupos de ‘chineludos’ tocam violão aqui e ali. Para onde quer que se olhe, há faixas convocando para debates.


Mais para dentro está o principal evento: a assembléia. Ali, alunos sentados em círculo fazem o que eles chamam de ‘saudação’, ou o momento de colocar questões relevantes.


Paira uma atmosfera vintage sobre aqueles gorros de tricô furado, paletós do papai, calças quadriculadas, puídas, bolsas a tiracolo, sandálias havaianas, dreadlocks, bermudões.


Naquele momento, uma garota dá um aparte com voz alta e firme: ‘…Acho que é o momento de abrir a discussão para a sociedade, fazer panfletagem, levantar um fundo de greve, e, para isso, é importante que todos nós tenhamos informações sobre o conteúdo político da mobilização, tá ligado?’


‘É preciso ver como a gente vai colocar a questão da defesa para quem classificou a paralisação como vandalismo…’


Uma outra mais jovem, vestindo sapato de boneca, saia de florzinha e blusa de babado, passa com uma amiga que usa vestido estilo ‘maria-mijona’ largão e casaco tipo da vovó meio furado, e diz. ‘Pó, mó legal a assembléia.’


De repente, uma manifesttante diz bem alto: ‘Atenção, gente, tenho aqui a informação de que há um repórter da Folha entre nós…’ Silêncio.


‘Será que ele vai se apresentar espontaneamente?’ Silêncio. Todos se olham. Minutos depois, um rapaz louro com cabelo black power chega perto e pergunta:


‘Você é repórter?’, e pede a carteirinha de estudante. A reportagem diz que já a apresentou na entrada. ‘Qual o seu curso? Dá pra mostram de novo a carteirinha’, perguntam.


Não, não dá sob o risco de comprometer o colega que a emprestou. Fim da visita.