Tuesday, 23 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Mídia cada vez mais concentrada em SC

Se alguns setores da sociedade queixavam-se do aumento da hegemonia do Grupo RBS nas comunicações no estado, com a compra do ex-concorrente A Notícia, agora um novo lance promete agitar o mercado midiático catarinense. A Rede SC, que retransmite o SBT, mudará a bandeira de sua programação, passando a veicular a Rede Record. O anúncio foi feito em 1º de novembro e 90 dias depois, em fevereiro, a troca vai se dar por completo.

O que parece ser apenas uma alteração de sinal implica em vários efeitos.

Primeiro: a Rede SC muda de nome, passa a se chamar Rede Independência de Comunicação (RIC) e unifica suas atuações em Santa Catarina e no Paraná, onde já retransmite a Record há pelo menos 12 anos. A estratégia é crucial para a sobrevivência da rede frente o Grupo RBS, seu principal concorrente. Com isso, em terras catarinenses, a família Petrelli se beneficia do sucesso crescente da emissora do Bispo Edir Macedo, e freia alguma ofensiva dos gaúchos no mercado paranaense.

Segundo: inicialmente, não haverá programação regional do SBT, e o sinal ficará restrito às antenas parabólicas e ao sistema a cabo. O público perde uma alternativa de informação local e difusão da sua cultura. Ninguém confirma, mas já há movimentos no mercado para a substituição da retransmissora do SBT no estado. Os concessionários da TVBV e da RedeTV! são participantes naturais deste jogo.

Terceiro: a mídia catarinense fica mais concentrada ainda. Até 2006, havia ao menos dois competidores fortes no mercado de jornais: Diário Catarinense e A Notícia. Com a anexação do concorrente pelo Grupo RBS, o segmento de jornais foi praticamente domesticado no estado. Até este ano, cinco emissoras disputavam a atenção do público na TV: RBS, Rede Record, Rede SC, Rede TV! e TVBV. Agora, as opções do sistema reduziram e o cenário pode piorar ainda mais. Não é demais lembrar: os Petrelli – que agora reforçarão o time da Record – detêm, além de emissoras de TV, dois jornais (Notícias do Dia, em Florianópolis e Joinville). Nas bancas, o Notícias do Dia concorre diretamente com o Hora de Santa Catarina, do Grupo RBS, nas praças mais importantes do estado. A nova RIC – que já está em Chapecó, Blumenau, Joinville e Florianópolis – avança também sobre Itajaí e Xanxerê.

Quarto efeito: as praças devem sofrer ajustes. Isso quer dizer que pode haver enxugamento de redações (demissões) e a propalada ‘otimização’ de recursos. A Rede Record de Itajaí, por exemplo, que hoje tem raio de cobertura que atinge Joinville e Blumenau, deverá reduzir seu espaço. Isso porque a Rede SC (futura RIC) já tem sucursais nessas cidades. A Record de Florianópolis passará a transmitir o sinal da Record News, diretamente vinculada à cabeça de rede em São Paulo.

No anúncio da mudança, a Rede SC usa de retórica e dissimulações: ‘fortalecidos pelo desejo de preservar uma das mais importantes conquistas dos catarinenses, que é a competição entre os veículos de comunicação pela sua audiência, tomamos essa decisão alicerçados na liberdade de escolha, na diversidade de opinião, no respeito ao cidadão e no exercício da democracia’. A medida não amplia o mercado publicitário local; não dá mais liberdade de escolha para o telespectador; não cria novos empregos no setor; não eleva de imediato a qualidade do jornalismo produzido por aqui. Trocando em miúdos: a troca de bandeira na TV catarinense beneficia apenas a Record e os seus representantes. O público, bem, o público é só um detalhe.

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A mídia e o extraordinário

A menina Vitória, encontrada no dia 26 de novembro em Magé, no Rio de Janeiro, ganhou notoriedade nas páginas dos jornais brasileiros por um fato lamentável: foi encontrada ainda suja de sangue, com o cordão umbilical e enrolada numa jaqueta jeans, dentro de uma caixa abandonada na rua (ver aqui). Salva por pedestres que ouviram seu choro, o bebê passa bem e já existe uma fila de casais dispostos a adotar o ideal de criança para quem se candidata à adoção: menina, branca, recém-nascida, sem pais identificados.

A maioria das crianças nas mesmas condições de Vitória, porém, não terá a mesma sorte da menina carioca. Fora do espetáculo da mídia, elas morrem, se acumulam nas instituições e abrigos, ou permanecem em condições de abuso por uma vida toda.

Segundo Umberto Eco, ‘a notícia é motivada pelo interesse que temos nos saltos bruscos de estado, um privilégio do anormal’. Talvez por esse motivo, é apenas quando uma mãe joga seu filho recém-nascido em uma vala, como o caso ocorrido no mês de setembro deste ano em Contagem, Minas Gerais, que a mídia procura dar visibilidade ao fato, fazendo-o parecer inusitado. O choque causado no público reforça este sentimento.

A realidade de hoje, porém, é bastante distinta. O abandono de crianças deixou de ser um acontecimento incomum na sociedade, por mais que muitos ignorem esta condição. Para este diagnóstico, o Monitor de Mídia analisou os dois jornais de maior circulação de Santa Catarina, A Notícia e Diário Catarinense, na busca de matérias que trouxessem casos de abandonos de crianças aqui ou em outras localidades, e também à procura da maneira com que o assunto foi abordado por eles. A análise dos jornais se estendeu de 01 de setembro a 16 de novembro de 2007.

Para certificar-se de que o tema foi devidamente coberto pela imprensa catarinense, este grupo de pesquisa foi ainda a uma delegacia da Polícia Civil e ao Conselho Tutelar, ambos em Itajaí, para obter maiores informações sobre os casos na região. Em virtude desta pesquisa, o Monitor encontrou outros tipos de abandono muito freqüentes, como o abandono material e o incapaz. De acordo com a conselheira Anadir Teresinha Schneider, do Conselho Tutelar de Itajaí, o abandono material ocorre quando a mãe entrega seu filho para outra pessoa criar, sem qualquer procedimento legal, e deixa de dar a ele apoio psicológico ou financeiro. Abandono incapaz acontece quando, sob diversos motivos, a mãe sai de casa, por tempo indeterminado, e deixa seu filho pequeno sem nenhum suporte em casa. Estes, segundo os dados fornecidos pelo Conselho Tutelar de Itajaí, são extremamente corriqueiros e dificilmente cobertos pelos meios de comunicação.

Os casos que surpreendem

A cobertura do Diário Catarinense em relação aos casos de abandono ocorridos no período de análise deu-se, na maioria das vezes, sob a forma de notas. O periódico se deteve em divulgar os casos ocorridos, sem maior aprofundamento. Na edição de 01/09/2007 foi publicada uma matéria na editoria ‘Geral’ sobre uma mãe, de apenas 14 anos, que abandonou o seu bebê em um terreno na cidade de Chapecó, oeste do estado. Merece destaque o editorial ‘Fábrica de marginais’ veiculado na edição de 26/10/2007, que usou como pano de fundo a infeliz declaração do governador do Rio de Janeiro – a fertilidade faz da favela uma fábrica de marginais. O texto opinativo tratou de assuntos como o planejamento familiar, a legalização do aborto e um projeto de paternidade responsável. Teve ainda o artigo ‘Pela Vida’, escrito pela deputada estadual Ana Paula Lima (PT). No texto, a deputada usou o caso do bebê abandonado em Minas Gerais para tratar de um outro problema: os inúmeros casais brasileiros que sofrem com problemas de fertilidade e não têm apoio do governo; aproveitou ainda para divulgar o projeto de lei que encaminhou para o legislativo sobre essa questão.

A Notícia trouxe, em contrapartida, apenas quatro notas sobre o abandono de crianças, nas editorias Geral e Segurança, todas caracterizadas pela inusitabilidade. O editorial sobre mortalidade infantil, no dia 1º de setembro, não fez menção a este assunto. O caso ocorrido em Minas Gerais apareceu duas vezes; houve um relato sobre abandono incapaz em Santa Catarina e o caso da criança jogada no lixo por sua mãe no Rio Grande do Sul. Esta última, datada de novembro, apareceu em um pequeno box no fim da página, enquanto as demais foram publicadas em formas de notas. Mesmo diante da gravidade dos acontecimentos, a cobertura mostrou-se bastante superficial e o contexto dos envolvidos não apareceu.

Além da noticiabilidade

Os casos de abandono registrados no Conselho Tutelar de Itajaí compreendem qualquer tipo possível, sejam os já citados (material e incapaz) ou o intelectual, quando os pais deixam de levar seus filhos à escola por mais de 5 dias seguidos ou 7 dias alternados – todos podem levar seus responsáveis à prisão.

As ocorrências de abandono em Itajaí são freqüentes (observe tabela abaixo). Para a conselheira Anadir Schneider, são inúmeros os fatores que levam mães a largarem as crianças, geralmente resultantes das mazelas sociais. São as condições de pobreza em que se encontram, falta de informação, ausência de pensão alimentícia ou situações de violência doméstica, presente em grande parte dos lares. O ato é, muitas vezes, uma saída infeliz para o desespero de mulheres com bebês pequenos para criar. É extremamente comum, também, com a troca de cônjuges, que as mães deixem seus filhos com os pais legítimos, sem transição legal de custódia, para depois de anos exigirem a guarda novamente. Os pais, que desconhecem seus direitos, entregam as crianças de volta.

Depois de encontradas e encaminhadas ao Conselho Tutelar, as crianças ficam em abrigos enquanto suas causas são resolvidas. Nos abrigos, entretanto, a situação não é de recuperação para as crises familiares. Em Itajaí, por exemplo, existe um problema de superlotação, drogas e rebeldia dentro dos centros que acolhem as crianças e adolescentes abandonados. Há vezes em que os conselheiros precisam de uma ordem judicial para poder colocar as crianças dentro dos abrigos, dada a ausência de espaço para poder aceitá-las.

O abismo social que marca a sociedade é apontado pelo Conselho Tutelar como a causa principal de tantos eventos desta natureza, assim como a negligência das prefeituras e poderes judiciários locais. Os grupos de apoio às crianças, como o Sentinela e o Mão Amiga, não conseguem acompanhar a demanda, pela falta de profissionais, verbas e pela infra-estrutura delimitada. Isso também chega a ocorrer com o próprio Conselho Tutelar, órgão pouco conhecido e pouco apoiado.

Abandono de menor de idade em Itajaí

(período de 01 de setembro a 16 de novembro)

Direito Específico

Idade (em anos)

Total

0

1

2

3

4

5

6

7

8

9

10

11

12

13

14

15

16

17

Números de abandono por pais e/ou responsáveis

3

3

2

0

0

0

0

2

0

1

0

1

1

1

3

0

2

0

19

Direito Específico

Sexo

Total

Masculino

Feminino

Abandono por Pais e/ou Responsáveis

10

09

19

Fonte: Conselho Tutelar de Itajaí

Um jornalismo que reduz

Tanto o Diário Catarinense quanto o jornal A Notícia fizeram certa cobertura dos casos de abandono em maior ou menor grau. Contudo, as ocorrências abordadas por ambos são essencialmente de ordem extraordinária, pois os periódicos ignoram os casos de abandono material e incapaz, que ocorrem quase todos os dias. A disparidade entre os casos encontrados na mídia e os números do Conselho Tutelar é visível. Esta cobertura acaba por reduzir o problema; por mais que os casos publicados sejam talvez os que mais surpreendam os leitores, publicar apenas estes diminui, equivocadamente, a dimensão do problema. Campanhas contraceptivas ou mesmo noções sobre a legislação não tiveram espaço nos jornais, mas poderiam aparecer, uma vez que a mídia deveria assumir, também, uma conduta social. Existe muito ainda a ser explorado pelos meios de comunicação, da mesma maneira que se espera uma atitude mais eficiente dos órgãos governamentais na área de assistência pública.

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http://www.univali.br/monitor