Tuesday, 19 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1279

O dia em que o mundo virtual ficou real

Há um case antigo, secular, de marketing, do qual talvez os novos (com menos de 30 anos de idade) gurus da internet nunca tenham ouvido falar, ou, se ouviram, o entenderam como um momento comic relief, aquele gag dos filmes de ação para relaxar a platéia… Refiro-me ao caso da estrada de ferro no velho oeste americano, implementada sob o bordão de que iria ‘levar o progresso’ àquelas terras e mentes áridas do gun smoke. Disseram os gurus jurássicos do século passado que se a promessa da estrada de ferro fosse (simplesmente) ‘levar mercadorias ou passageiros’, ela no mínimo seria mais longeva… A promessa apropriada teria sido a cenoura à frente da busca tecnológica pela eficiência, produtividade, lucratividade etc. daquele meio de transporte.

Resultado: o tão chamado progresso chegou, chegaram de fato alguns dos problemas antecipados por muitas pessoas contrárias à estrada de ferro e ela foi perdendo terreno, já não levava mais sozinha o progresso. Vieram os automóveis, os caminhões, os navios, os aviões e hoje a internet chega lá, tudo com muito mais rapidez. Aliás, vem de lá, do velho oeste, para cá.

Da mesma forma, o bordão ‘mundo virtual’ talvez tenha sido o maior erro lingüístico conceitual de marketing que os primeiros desenvolvedores da internet cometeram. Confira aqui.

Tempestade ou céu de brigadeiro?

E nós, aqui no mundo real dos bastidores da internet, não paramos de nos referir ao mundo virtual, empilhando novos problemas para novos males que a internet inevitavelmente nos cria diariamente, dada a sua natureza volátil, dinâmica e de ilimitado alcance.

O primeiro problema, cuja solução veio rapidamente, foi provocar e medir o número de visitas nas páginas da internet. Era ainda uma velha atitude do marketing tradicional. Em menos de 10 anos, isso virou quase uma sucata, sozinho não quer dizer absolutamente nada. Para um fundo de investimento não se sugere P2P (path-to-profitability), por exemplo. Um pouco mais tarde, brotou do Vale do Silício a palavra webmetrics (ok, há quem diga que foi na costa leste americana ou no leste europeu), criou euforia, mas logo surgiu quem começasse a provar que a internet não produz massa crítica e a análise métrica da web deve ser contextualizada; enquanto ocorriam essas e outras alternâncias naturais nesse novo ambiente de mercado, bolhas e sonhos sólidos nasceram na mesma velocidade com que se desmancharam na rede. Fato: da intranet à internet, do e-learnig ao e-commerce, da conectividade à portabilidade, da blogosfera à taglândia, dos sites de relacionamento ao mundo obeso dos search engines, a locução mais utilizada, mesmo que não seja pronunciada na realidade, é ‘mundo virtual’.

Se instalássemos uma ventoinha na Av. Paulista (para ficar só no Brasil) a rodar cada vez que a palavra virtual viesse à mente das pessoas, incluindo nós mesmos, que materializamos (?) o mundo virtual, certamente viveríamos numa permanente tempestade. Mas queremos tempestade ou queremos navegar num mar de almirante e num céu de brigadeiro?

Os bem-sucedidos cartões de crédito

Individualizar não significa necessariamente separar.

Podemos aceitar que somos todos parte de uma nova e única civilização de enorme mistura de culturas e não passamos de múltiplas sociedades cercadas precariamente. Pois, aceitando este status quo, da mesma forma que erramos ao chamar a internet de mundo virtual, podemos aceitar que estamos errando mais uma vez ao nos auto-condenarmos como meros indivíduos. Estamos nos auto-condenando à liberdade criando um paradoxo; pois, se há condenação, não importa se é à liberdade, quando é uma condenação injusta, por crime nenhum.

Mas no mundo dos negócios é proibido filosofar. Certo. Então, o que se quer afirmar é que estamos dando muita ênfase na individualização de cada usuário, falando muito em monetização por viewer, gastando muitos recursos com abordagens one-to-one e outros desvios igualmente dispendiosos, antes de nos concentrarmos em transformar o mundo virtual em real. Ao enfatizarmos a idéia de mundo virtual, criamos uma tendência negativa. Um público mais à vontade, espontâneo, tende a formar grupos e é bem mais fácil fazer promessas a grupos, e atendê-las, do que a cada indivíduo.

Há casos de sucesso. Os cartões de crédito são um exemplo de caso bem-sucedido, de conceito original adequado. Observe-se que os antigos vouchers com carbono foram substituídos por maquininhas; uma compra por um website é feita por cartão de crédito fazendo-se o input, a digitação de números; para citar apenas dois exemplos, mas continuamos dizendo que compramos com cartão de crédito, a idéia do mesmo plástico, passada por Dustin Hoffman no filme The Graduate.

O fenômeno viral

Há sinais claros no horizonte próximo de que o mundo virtual está perdendo terreno, importância, na mente das pessoas, como aconteceu com a estrada de ferro. Leia-se perder importância por incorporar-se à paisagem do inconsciente coletivo. Alô! Há muito tempo que a internet não é utilizada somente no computador tradicional – o é cada vez mais por celular, automóveis, televisão, billboards e vários outros gadgets que os amigos do e-mundo aí sabem muito bem. Desta forma, que tal combinarmos abolir a expressão virtual para sempre? Condená-la a um museu?

Os futurólogos talvez ecoem que a tendência é essa mesma, vivermos cada vez mais no espaço fractal e dos prismas de consciência. Calma, não consta que o homem tenha sequer chegado perto de tal avanço de vida inteligente. E o mais energizado e genial profissional do meio dirá: ‘Ah, a internet é isso, tudo acontece à velocidade da luz e a gente está aqui para isso mesmo.’ Certo. Mas duvido que no íntimo, diante de um cliente, da perspectiva de uma conta longeva, ou de um emprego dos sonhos, em sã consciência, você é assim valente todas as segundas-feiras.

Mas o que está mais longe ainda de ser inteligente é esse esforço de arrancar indivíduos da rua e trazê-los para a internet e imobilizarmos aquele indivíduo que já está na internet para que ele não vá para a rua. A distinção matemática desses ambientes é simplista. Marketing, na acepção ampla do termo, é muito mais do que isso.

Ora, o fenômeno viral (expressão que adquiriu significado ambivalente somente com o surgimento da internet) é uma realidade possível e útil muitas vezes. Chegamos a um ponto em que podemos provocar o dia em que o mundo virtual desapareceu, ficou real. De início, aumentamos nosso público ao tamanho que ele é na realidade.

Afinal, o mundo real é ou não é muito mais maravilhoso? Pergunto daqui do deck de um veleiro, na Costa do Descobrimento, sul da Bahia, sobre uma maravilhosa barreira de corais, num dia ensolarado, águas mornas, brisa e visual de coqueiros, utilizando via wifi a rede de uma landbase.

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Escritor e jornalista