Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

O Estado de S. Paulo


TV PÚBLICA
Wilson Tosta


Rede pública já existe, afirma chefe da TVE


‘As TVEs existentes já formam um ‘embrião’ do que pode se tornar uma rede de
TV pública no Brasil, sem necessidade de partir do zero como cogita o governo
federal. ‘Falta é definir exatamente o que é uma TV pública’, diz a jornalista
Beth Carmona, diretora-presidente da Associação de Comunicação Educativa
Roquette Pinto (Acerp), que comanda a TV Educativa Brasil – remanescente da rede
estatal de TV tentada nos anos 70 e desfeita nos 80.


Em meio ao debate aberto depois que o ministro das Comunicações, Hélio Costa,
anunciou a criação de uma televisão do Executivo federal, ao custo de R$ 250
milhões em quatro anos, Beth admite que as emissoras educativas têm problemas.
Vinculadas aos Estados, elas estão sujeitas a mudanças de governo e têm vínculos
diferentes com a máquina estatal, dificultando sua transformação em autêntica
rede.


‘Há dificuldades’, diz Beth, desde 2003 no cargo que lhe dá, além do comando
da TVE Brasil, sediada no Rio, a TVE do Maranhão, um sinal nacional via satélite
de televisão, as rádios MEC AM e FM no Rio e Rádio MEC AM em Brasília. ‘Cada TVE
é de um Estado, quando muda o governador pode mudar tudo.’ Outro complicador é
que em alguns Estados a TVE é ligada à Secretaria de Educação, em outros à de
Cultura, em outros à de Comunicação.


Hoje, são 21 TVs Educativas públicas, transmitindo, a partir de capitais,
programação da TVE Brasil, da TV Cultura de São Paulo e, em menor proporção (de
10% a 20%), programas próprios. São remanescentes do Sistema Nacional de Rede
Educativa (Sinred), criado no governo militar e dissolvido nos anos 80. A
concepção inicial, dos anos 70, era que a TVE, do Rio, geraria boa parte da
programação, com espaço para produções locais. Problemas operacionais e
políticos, porém, levaram à decadência a emissora-mãe, transformada em fonte de
empregos fantasmas e até em refúgio de agentes da repressão. Nos anos 90, em
crise, chegou a transmitir uma pelada de futebol amador, além de ter
equipamentos usados para outras finalidades.


MUDANÇAS


Em 1998, a Fundação Roquette Pinto, que controlava a estrutura que hoje é da
Acerp, tinha cerca de 3 mil funcionários, com estabilidade, e um orçamento, pago
pela União, de R$ 100 milhões. Naquele ano, mudou-se o estatuto jurídico da
controladora e adotou-se o contrato de gestão. A administração foi assumida pela
associação, uma organização social (OS) comandada por um conselho de
administração com quatro integrantes indicados pelo governo e três representando
funcionários e a sociedade. Por lei, a OS firma contrato de quatro anos com o
governo, sendo remunerada. Pode captar recursos por serviços ao próprio Estado e
a terceiros e com patrocinadores (não publicidade). Em 2007, receberá R$ 40
milhões do Estado e quase o mesmo de outras fontes.


‘Boa parte dos patrocínios vem da Petrobrás, Caixa Econômica Federal e Banco
do Brasil’, admite a presidente.


Atualmente, a Acerp tem cerca de 1.200 empregados. Há alguns anos, fez um
programa de demissão voluntária. Os celetistas são cerca de 60%. Os funcionários
com estabilidade estão em um quadro em extinção. Há seis meses, a TVE Brasil
mudou-se para uma nova sede, um prédio de 12 andares, que comprou por R$ 4,5
milhões.


‘Quando assumimos, em 2003, tínhamos R$ 18 milhões em dívidas’, conta o
diretor administrativo financeiro, Haroldo Ribeiro. Hoje, os débitos, em parte
quitados e o resto renegociado, estão em R$ 2 milhões. Voltada para educação e
cultura, a emissora tem sua melhor audiência adulta – três a quatro pontos,
entre 102 mil e 136 mil domicílios – com o Sem Censura, de entrevistas. Na área
infantil, o teto é de cinco pontos, ou 170 mil aparelhos.’


Patrícia Campos Mello e Marina Guimarães


Nos EUA, TV estatal é só para o exterior


‘O serviço estatal de televisão e rádio dos Estados Unidos se chama Voz da
América e tem orçamento anual de US$ 166 milhões. A Voz da América existe há 64
anos e não é veiculada dentro dos EUA – o serviço alcança 115 milhões de pessoas
por semana, em 44 idiomas. A lei americana proíbe a Voz da América de transmitir
diretamente para cidadãos americanos, para evitar que o governo federal, em
Washington, tenha um canal direto de comunicação com o público doméstico.


O objetivo da Voz da América é fazer diplomacia e passar mensagens sobre a
cultura americana no mundo. O serviço é controlado pelo Escritório Internacional
de Transmissão de Rádio e TV do governo.


A Voz da América tem sofrido cortes no orçamento e está aumentando a
programação em árabe, em detrimento do inglês. O serviço foi criado em 1942, em
plena Segunda Guerra Mundial, como parte do Escritório de Informação de Guerra.
O objetivo era transmitir programas de notícias para áreas da Europa e norte da
África ocupadas pelos nazistas.


São oferecidos programas específicos para Cuba, por meio da Rádio Martí,
baseada em Miami. A Martí foi criada em 1983 pelo então presidente Ronald
Reagan, para ‘combater o comunismo’.


Os EUA têm ainda a PBS (TV) e a NPR (rádio), redes públicas financiadas com
dinheiro privado e do governo, mas não supervisionadas pelo governo.


INTERESSES DO GOVERNO


A emissora de televisão pública argentina, Canal 7, foi a primeira do país.
Evita Perón discursou na inauguração.


Daquele longínquo 17 de outubro de 1951 até hoje, o Canal 7 parece não se ter
distanciado do seu primeiro objetivo de divulgar os atos do governo federal, em
Buenos Aires. Na Argentina, a TV pública é uma mera instância de comunicação do
governo.


Depois de 56 anos de sua inauguração, a ex-ATC (Argentina Televisora Color) é
amplamente criticada por políticos, profissionais de comunicação e pelo público
porque é sempre utilizada para divulgar os interesses do governo e nunca se
aproximou do conceito de TV pública. ‘Na administração de Néstor Kirchner, o
canal está recuperando o objetivo de TV pública, no sentido de democratizar o
acesso, já que estamos investindo para chegar aos povoados menores e distantes’,
afirma o gerente de Relações Institucionais do Canal 7, Luis Lazarro.


No país de 36 milhões de habitantes, 18 milhões têm acesso ao 7. O canal é
transmitido por 273 repetidoras em todo o país e 99,5% das empresas de TV a cabo
também transmitem a emissora pública, segundo Lazarro. Somando ambos os
sistemas, 79% da população recebe o sinal do Canal 7.


Além dos US$ 24 milhões previstos no orçamento do governo para a emissora, em
2006, outros US$ 2 milhões foram consumidos na ampliação do sinal. O debate
sobre a função e a programação da TV oficial parece ser eterno, assim como o
baixo nível de audiência.’


Ethevaldo Siqueira


A absurda proposta de uma rede de TV estatal


‘Mesmo já dispondo da Radiobrás, da TV Nacional de Brasília (NBR), de outras
TVs públicas e da retransmissão obrigatória do programa Voz do Brasil por mais
de 3 mil emissoras de rádio, o governo Lula ainda quer mais. E pode levar avante
o projeto de criação da chamada Rede Nacional de Televisão Pública, concebida
pelo ministro das Comunicações, Hélio Costa.


Além de inoportuna, a proposta é desnecessária e lesiva aos cofres públicos,
pois deverá custar, no mínimo, R$ 250 milhões (ou seja, mais de US$ 100
milhões), sem incluir aí os custos operacionais.


Eis aí mais um exemplo do açodamento do ministro Hélio Costa em questões
complexas de sua área. Imagine, leitor, que projetos dessa natureza surgem no
Ministério das Comunicações de improviso, sem qualquer debate ou estudo mais
profundo, sem o conhecimento de outros ministérios e de outras áreas afins do
governo, como a Radiobrás ou as emissoras públicas já existentes. E pior: mesmo
nessas circunstâncias, o presidente da República parece apoiar a nova rede
estatal.


NA SURDINA


Eugênio Bucci, presidente da Radiobrás, diz que nunca foi consultado sobre o
tema e que o País já dispõe de uma rede pública. Para outros especialistas, o
ministro está propondo, na verdade, uma rede estatal de televisão, cuja
finalidade é fazer propaganda dos atos de governo, com dinheiro público. Muito
diferente é o conceito de emissoras públicas de televisão – que, idealmente, têm
de ser independentes do governo e do mercado.


Ao lançar um projeto sem discussão, sem qualquer participação do Ministério
da Cultura e da Secretaria de Comunicações, Hélio Costa provoca reação muito
negativa não apenas na oposição, mas até dentro do governo. A propósito, Orlando
Senna, secretário de Audiovisual do Ministério da Cultura, afirmou, em
entrevista, que o projeto divulgado pelo ministro Hélio Costa ‘confunde
conceitos como o de TV pública e TV estatal’.


Jorge da Cunha Lima, presidente da Associação das Emissoras Públicas,
Educativas e Culturais (Abepec), faz dura crítica ao projeto, argumentando que
‘a criação de uma Rede Pública de Televisão é equivocada, desnecessária e cara’.
Para ele, ‘o País irá gastar onde não deve, pois já conta com 21 emissoras
geradoras estaduais, abertas, que retransmitem programação educativa, cultural e
informativa para 1.800 emissoras locais’, sem contar com as ‘emissoras
institucionais dos poderes, como a Televisão Câmara, TV Senado, TV Justiça e
outras emissoras, do Executivo, reunidas na Radiobrás.’


Outro especialista, o professor Murilo Ramos, da Universidade de Brasília,
diz que ‘a proposta é isolada, fora do tempo, inoportuna e conceitualmente
equivocada.’


QUAIS SÃO OS RISCOS?


Do ponto de vista exclusivamente financeiro, o prejuízo poderá ir muito além
dos R$ 250 milhões iniciais, previstos por Hélio Costa. Além disso, uma rede de
televisão estatal é um prato cheio e uma tentação permanente para o nepotismo e
para todas as formas de corrupção.


Embora Hélio Costa faça comparação de sua rede estatal de TV com a BBC de
Londres, a PBS norte-americana ou a NHK japonesa, seu projeto nada tem a ver com
a seriedade das verdadeiras redes de TV públicas, porque aquelas instituições
elevam ao máximo a qualidade de suas programações, com o melhor conteúdo
cultural e com a maior independência jornalística.


É essa tradição de boa qualidade da televisão pública no Reino Unido, nos
Estados Unidos e no Japão que garante à sociedade desses países a melhor
contrapartida pelos impostos pagos e destinados às suas redes. Comparar o
projeto de Hélio Costa com uma BBC é fazer piada de mau gosto. Pior do que tudo
são os riscos de ordem política que uma rede estatal desse tipo pode trazer ao
País.


Hélio Costa fala pomposamente em democratização das comunicações. É outro
equívoco do ministro. Uma rede estatal, se bem administrada, pode, no máximo,
prestar serviços, divulgar normas, leis, procedimentos e orientar o cidadão
quanto a seus direitos e obrigações. Mas dificilmente terá isenção e
independência.


Vejam o exemplo concreto da emissora estatal mais atuante do governo Lula, a
TV Nacional de Brasília (NBR), que tem dado ampla cobertura a eventos oficiais,
inclusive de entediantes inaugurações e arengas presidenciais. Diferentemente,
outras emissoras estatais, como a TV Senado, TV Câmara e TV Justiça cumprem suas
obrigações oficiais, mas tentam ampliar seus debates para atender ao interesse
público, no sentido mais amplo.


Percebe-se agora a verdadeira intenção do ministro Hélio Costa, em junho do
ano passado, por ocasião da definição do padrão digital brasileiro, ao defender
com insistência a reserva de quatro canais públicos para a TV digital. A maioria
das emissoras públicas e educativas do País supunha, ingenuamente, que esses
canais seriam reservados para seus projetos culturais. Não. São para propaganda
do governo.’




INTERNET
Pedro Doria


O choque da velha e da nova mídia


‘Sumner Redstone, 83 anos, estava na Costa Rica com a mulher, de férias,
quando recebeu pelo celular a confirmação de que seus advogados, na Viacom,
deram entrada com um processo contra o YouTube, na última terça-feira. O velho
executivo chefe já esperava a notícia. A empresa que preside pede US$ 1 bilhão
em reparos pela exibição indevida de filmes e programas. Em novembro, o Google
comprou o site de vídeos mais popular da internet por US$ 1,65 bilhão.


Foram meses frustrados de negociação para chegar a um acordo sobre direitos.
Em 2006, primeiro a rede NBC de televisão, depois Warner, então Universal, BBC,
CBS e Sony BMG fecharam contratos que permitem ao YouTube veicular filmes em
troca de participação na renda com propaganda. Com a Viacom, que entre outras
marcas detém a MTV, o canal infantil Nickelodeon e o desenho South Park, nada
foi resolvido.


Em janeiro, uma equipe de funcionários, seguindo ordens de Redstone, dedicou
dias e noites de trabalho vasculhando as entranhas do YouTube, filme a filme, de
busca em busca, selecionando oque pertencia à Viacom. No final, tinham uma lista
de 100 mil clipes. Encaminhados ao Google, foram devidamente apagados. E, como é
norma na rede, lentamente recolocados por usuários anônimos do YouTube nas
semanas seguintes. Hoje, contam 160 mil vídeos pertencentes à empresa.


Na falta de um contrato entre as partes, perante a Justiça a Viacom argumenta
que o valor do YouTube está em conteúdo produzido por outros. Embora sejam
indivíduos espalhados pelo mundo que armazenam trechos pirateados no site,
YouTube e seu dono, o Google, não oferecem apenas espaço para guardar. Eles
facilitam o acesso ao material seja por um mecanismo de busca, seja por um
sistema de exibição na tela do computador. Pior, segue o arrazoado de seus
advogados, como nas buscas são exibidos anúncios, ambos arrecadam dinheiro com o
que não é seu. E impõem o ônus de encontrar o que é indevido aos detentores do
copyright.


Velha e nova mídia se encontraram nos tribunais pela primeira vez em 1999,
num cenário bem diferente. Na época, o surgimento da distribuição digital de
música por um sistema chamado Napster surpreendeu. Como o YouTube e seus vídeos,
Napster foi de desconhecido a onipresente em meses. A RIAA, associação das
principais gravadoras americanas, respondeu com fúria. Quando finalmente o caso
passou pela Suprema Corte dos EUA, última instância, em setembro de 2001,
Napster, a empresa, estava no chão. Restou tentar se lançar precariamente como
um sistema de venda legal de músicas. O poder financeiro das grandes empresas
parecia imbatível.


A reação, na internet, foi imediata. Surgiram vários sistemas anônimos e
descentralizados de troca. Não há um dono a perseguir, um computador que
gerencie tudo por derrubar. O que há são bits repousando nos discos rígidos de
milhões. Quem pede uma música pelos atuais sistemas de troca recebe o arquivo
completo colecionando cacos que apenas um programa específico sabe montar. Ao
derrubar o Napster, que poderia ter-se transformado num sistema legalizado, a
RIAA criou o caldo de cultura onde nasceu algo pior para seus interesses.


Em 1999, o Google era um recém-lançado site de buscas. Hoje, que detém o mapa
usado por 9 entre dez internautas para navegar, é uma das mais poderosas
empresas do mundo.


Mas também a Viacom não é a típica empresa da velha mídia. Não segue o
estereótipo conservador e imobilizado. E, apesar de octagenário, Redstone não é
o executivo míope e engravatado incapaz de compreender o impacto das mudanças
tecnológicas. Ao contrário: nos anos 1980 e 90, foi a Viacom que, de uma mera
distribuidora de programas feitos por outrem, reinventou a televisão com a MTV.
Inovou com o conceito de canais segmentados e dominou o incipiente mercado da TV
a cabo.


Ao se encontrarem perante o juiz de primeira instância, Viacom e Google
estarão preparados para uma disputa legal que deve durar dois anos se for até a
Suprema Corte e não houver acordo. Para os analistas da revista britânica The
Economist, um acordo é o objetivo. Pressionando judicialmente, a Viacom espera
negócio melhor que o garantido pelos outros. Mas diferentemente do primeiro
capítulo na disputa velhos contra novos, quando o Napster saiu arrasado, hoje o
público jovem passa mais tempo na rede do que diante da TV e a briga, agora, é
entre dois gigantes.


No final do ano passado, a revista Time declarou que a Pessoa do Ano era
‘você’. Que tudo havia mudado e o conteúdo buscado na rede era produzido pelo
cidadão pacato, besteiras rápidas ou desabafos do cotidiano. O Google não diz
quais os filmes mais vistos em seu sistema. É segredo. A VidMeter, empresa que
armazena as tabelas de ‘vídeos mais vistos’ no YouTube e equivalentes, sugere
que os amadores batem os profissionais. Esta é uma das informações bem guardadas
que todo mundo espera – e teme – encontrar nos autos do processo. Se os jovens
não buscarem mais sua MTV e preferirem, ao invés, as confissões de uma moça
bonita e solitária em algum lugar do interior, as grandes produtoras de TV
precisarão se reinventar por completo.


Para Paul Kedrosky, analista convidado a escrever sobre o assunto na página
de opinião do Wall Street Journal, mesmo que o processo siga ao ponto de esmagar
o YouTube como aconteceu com o Napster, mesmo que – improvável – fira o Google
de morte, não importa. ‘Isto não mudará o que os consumidores querem’, disse.
‘Eles estão exigindo seu conteúdo disponível na maior quantidade de formatos
possível, vendidos por toda parte. Ponto. Se a Viacom não o providenciar, outros
farão.’’




TELEVISÃO
Autores de retaguarda


Renata Gallo


‘A mocinha está grávida (pesquisar informações sobre pré-natal) e é
atropelada (em que mês de gestação ela precisa estar para o bebê não morrer?). O
galã precisa viajar para a Rússia (qual é o fuso horário do país?) para discutir
uma herança deixada por familiares (checar parte jurídica). Com muito mais
criatividade e competência, é mais ou menos assim que funciona a criação de um
texto de novela. O autor tem a idéia, mas não é especializado a ponto de saber
que doença a mocinha precisa ter para morrer e dar à luz o seu bebê ou se o galã
precisa aparecer de noite ou de dia quando ligar da Rússia para o Brasil. Por
isso, os autores se cercam de profissionais para tirar toda e qualquer
dúvida.


Para se ter uma idéia, em Páginas da Vida, o autor Manoel Carlos contou com a
ajuda de pelo menos uma pesquisadora, Juliana Peres, que contatou cerca de cinco
profissionais para atender às questões abordadas por ele. ‘Tínhamos um
psiquiatra para tratar da bulimia da Gisele (Pérola Faria), outro para falar do
alcoolismo do Bira (Eduardo Lago), uma juíza e um advogado para o caso das
crianças adotadas e uma médica para o papel da drª Helena (Regina Duarte)’,
enumera Juliana.


Cíntia Cardoso de Castro é a drª Helena da vida real. Assim como a personagem
de Maneco, é ginecologista e desde o seriado Mulher (1998) é consultora da
Globo, quando chegou até a acompanhar algumas gravações. ‘Ajudo as pesquisadoras
a saber qual seria a conduta médica em determinado caso, como o médico tem que
se comportar no centro cirúrgico, a melhor forma de um leigo entender o assunto
e até sugestões de temas a serem explorados na mídia’, explica. Câncer de mama,
HPV e gestação na adolescência foram alguns temas sugeridos por ela que foram
abordados em Mulher.


Assim como a Helena de Maneco, Cíntia também vive tentando conciliar a vida
profissional com a particular. ‘Ser obstetra é muito difícil, não tem hora, não
tem madrugada. Não tenho muito vida própria e há 20 anos não sei o que são
férias’, diz. Se ela se sentiu bem retratada em Páginas da Vida? ‘Para ser
sincera, nem tive tempo de ver a novela, mas pelo que sei, foi muito parecido
sim’, diz.


Quem a mantinha informada era Juliana, a pesquisadora de Manoel Carlos que
durante toda a trama fez consultas com drª Cíntia. Em Páginas da Vida, ela
definiu desde onde seria a fratura de Gisele, quando ela caiu de bicicleta, até
como a Nanda (Fernanda Vasconcelos) deveria ser atropelada. ‘Na verdade vivo em
um fogo cruzado porque o autor sempre tem em mente uma cena sensacionalista, mas
que, normalmente, foge da conduta médica. Tenho que achar o meio termo’, diz. No
caso de Nanda, por exemplo, Manoel Carlos queria que ela sofresse um
traumatismo, mas que ela estivesse consciente quando as crianças nascerem. ‘Era
impossível. Se fosse assim ela não poderia falar e estaria entubada’, contesta.
A saída foi fazer Nanda entrar em trabalho de parto com o susto do acidente e
depois morrer com uma complicação decorrente da cirurgia.


Achar o equilíbrio entre a realidade e a ficção também é trabalho de outra
profissional, a advogada Amanda Morris que trabalha com o autor Silvio de Abreu.
Desde que estava na faculdade, o dramaturgo, amigo da família, já ligava para
ela para tirar suas dúvidas. Hoje, mestre e doutora pela USP, lê todos os
capítulos da novela do autor desde Torre de Babel (1998).


Na última novela de Silvio de Abreu, Belíssima, foi Amanda que ajudou o autor
a criar todos os passos para que André (Marcello Antony) conseguisse roubar todo
o patrimônio de Júlia (Glória Pires). ‘E muita coisa não era possível’,
diverte-se. ‘Na verdade, já vi muita gente passar procuração e perder tudo, a
história não era de toda absurda, mas a procuração que a Júlia assinou teria de
ser mais complexa’, explica. Autor e consultora, no entanto, optaram por
encurtar a história. ‘É importante dizer que trabalhamos com entretenimento, não
com documentário. É uma obra de ficção e a história prevalece sobre o exato, o
preciso’, diz.


De qualquer forma, Amanda esclarece que tanto ela quanto o autor sempre sabem
qual é a posição correta. ‘O problema é que, juridicamente falando, o preciso
não é tão interessante para ser mostrado na TV’, diz a advogada que já foi
inspiração para dois personagens de Silvio de Abreu: a advogada Amanda, de
Cambalacho (1986), papel de Suzana Vieira, e a advogada de Mary Montilla (Carmen
Verônica), que ganhou o mesmo nome e sobrenome dela. ‘Era muito engraçado ver a
Mary Montilla pegar o telefone e dizer: ‘Por favor, drª Amanda Morris’.


Sugerir temas às tramas não é função apenas dos médicos. Ruy Cavalheiro, juiz
do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, é quem ajuda o autor Tiago
Santiago, da Record, nas questões jurídicas de sua trama. ‘Leio os capítulos
para anteceder alguma ação futura, mas também peço ajuda aos colegas para
colocarmos alguns temas em pauta. Em uma novela falamos mais de uma vez, por
exemplo, que entregar criança para doação não é crime, crime é abandoná-la. É,
em parte, um serviço público’, diz.


O começo


O trabalho dos pesquisadores começa muito antes de a novela ir ao ar: cerca
de um ano antes. São eles que vão buscar embasamento para os personagens que
estão sendo criados. Marília Garcia, que já trabalhou com Janete Clair, Dias
Gomes, Aguinaldo Silva, Lauro César Muniz e Gilberto Braga, explica que o
trabalho do pesquisador é feito desde a formação da primeira idéia do autor.
‘Fornecemos os subsídios necessários para a sinopse, algumas vezes com idéias
para a criação. Durante a redação dos capítulos, damos as informações
solicitadas e finalizamos o trabalho com a leitura dos capítulos, antes de serem
enviados para a produção’, explica.


A pesquisadora Leandra Pires, que trabalha com Manoel Carlos, lembra que em
Mulheres Apaixonadas fez pesquisas enormes sobre câncer de mama, alcoolismo,
agressão à mulher. Tudo para não haver um erro. Para ajudar o autor a escrever
as cenas, Leandra freqüentou reuniões do Mulheres que Amam Demais (Mada),
encontrou com mulheres em sessões de quimioterapia, visitou grupos de mulheres
que sofrem agressões e foi até ao IML para ver como era feito o exame de corpo
de delito. ‘Converso com as mais variadas pessoas e, muitas vezes, já mando as
informações para o Maneco em forma de cena’, diz Leandra, que também acompanhou
muita aula de colégio para ajudar o autor a escrever as cenas da escola de
Mulheres Apaixonadas e tem praticamente decorado os textos de batizado e
casamento.


Juliana Peres, outra pesquisadora de Manoel Carlos, é formada em jornalismo,
mas não precisa do auxílio de nenhum médico para escrever cenas de consultas
pré-natal. ‘Já tivemos tantas grávidas que faço com um pé nas costas’, brinca.
Em Páginas da Vida, para fazer a cena do julgamento de quem deveria ficar com os
gêmeos Clara e Francisco, procurou inúmeros advogados e juízes. ‘A maioria dos
profissionais que consultamos daria a guarda para o pai das crianças, com a
intenção de privilegiar a família, mas a possibilidade de priorizar o laço de
afetividade também existe e é real’, explica.


A pesquisa feita por estes profissionais engloba não só assuntos complexos,
mas informações banais como quanto custa um cacho de bananas na feira ou uma
passagem Rio de Janeiro/Paris. ‘Tudo o que você imagina eles me pedem. Uma vez
me perguntaram qual era o preço de uma lata de sardinha no botequim’, diz Cármen
Righetto, que há 15 anos presta serviços para autores como Maria Adelaide
Amaral, Silvio de Abreu e Alcides Nogueira.


Em A Próxima Vítima, Cármen lembra que Silvio de Abreu queria que seus
personagens morressem de forma inusitada. Depois de uma ampla pesquisa,
descobriu que extrato de nicotina mata, sem deixar vestígios. ‘Acho que tenho um
bom faro porque já consegui muitas coisas inusitadas’, diz. Na sua agenda,
dezenas de contatos de promotores, juízes, advogados, médicos. ‘Tem hora que
acho até que abuso deles, daí abro meu livro do Bradesco Saúde e procuro um novo
médico. Todos adoram’, diz.


Cármen já foi convidada mais de uma vez para se tornar co-autora de algumas
obras, mas diz que prefere a tranqüilidade da vida de pesquisadora à correria da
vida de autora. Ela e as outras colegas, no entanto, sofrem com dois grandes
problemas: a ausência de seus nomes nos créditos e a descrença dos espectadores.
‘Na vida real você pode cair do 4º andar e não morrer, mas se você colocar na
novela ninguém acredita!’, diz Juliana Peres.’


***


Realidade x ficção


‘É só aparecer uma cena equivocada em uma novela para o público dizer em
uníssono: mas isso não é possível. É, nos dias de hoje, dificilmente um autor
consegue convencer o espectador com aquela velha história da carochinha. Cada
dia com mais informações, é cada vez mais fácil para o espectador identificar
uma falha ou um furo no roteiro. ‘Definitivamente, o telespectador mudou. Apesar
da necessidade de fugir do horror cotidiano e da necessidade de romance, humor,
etc., o público cada vez mais cobra uma ligação com a realidade’, diz Antonio
Calmon, que escreveu novelas como Vamp, Um Anjo Caiu do Céu e Começar de Novo. O
autor diz que, inúmeras vezes, já presenciou participantes de grupos de
discussões fazerem comentários como ‘isso não é assim’, ‘isso não acontece’.


Isso não quer dizer, no entanto, que a dramaturgia tem de reproduzir a vida
real. Desde que começou a escrever novelas, em 1977, Silvio de Abreu diz que
sempre achou que uma boa ficção deve ter pés plantados na realidade. ‘Isso não
impede, no entanto, que coincidências e ações extremamente folhetinescas entrem
na novela. A meu ver uma novela não precisa ser realista, precisa ser crível e
os pés bem plantados na realidade ajudam bastante’, explica o autor.


Para tanto, em todos os seus trabalhos, como os sucessos Guerra dos Sexos,
Rainha da Sucata e Belíssima, Silvio de Abreu sempre procura ter o auxílio de
pesquisadores e profissionais para obter desde informações importantes até
detalhes como a linguagem de determinados grupos, as gírias da moda, gírias
antigas, usos e costumes de determinado grupo, etc. ‘Qualquer assunto do qual eu
não tenha conhecimento suficiente, sempre faço apoiado em pesquisas’, diz.


Para Maria Adelaide Amaral, autora de A Muralha, A Casa das Sete Mulheres, Um
Só Coração e JK, minisséries históricas, a presença de um profissional se faz
muito mais necessário. Por isso, a cada trabalho ela procura um especialista.
‘Eu me sinto mais segura trabalhando com um especialista sobre a época ou fatos
que estou contando, inclusive para saber as licenças que posso cometer sem
desvirtuar a história’, diz. Segundo ela, a exigência do público não é pela
realidade, mas pela verossimilhança. ‘Uma trama ou um personagem não precisa ser
verdade. O que não pode é ser improvável’, diz.”


Leila Reis


Novo round


‘Dia sim, dia não chegam às redações comunicados da Record informando o
crescimento da audiência e sua colocação na vice-liderança do ranking das
emissoras. O último diz que nos ‘13 primeiros dias de março’ a Record registrou
7 pontos de média no Ibope contra 6 da ‘emissora terceira colocada’, que vem a
ser o SBT, na faixa de sete da manhã à meia noite.


Essa guerra pela vice-liderança vem sendo anunciada há um bom tempo. Com uma
diferença, há um ano, o SBT mostrava garra também mandando para a imprensa os
momentos pontuais em que alcançava ‘vice-liderança absoluta no horário’. Apesar
de fazer chamadas agressivas como ‘a concorrência vai tremer de medo’ ou
anunciar uma ‘arrancada para a vitória’ ao divulgar uma nova novela, o SBT
efetivamente não está na luta, parece estar em estado letárgico, a ponto de
sequer manter um departamento para divulgar sua programação ou apontar para a
imprensa placares favoráveis na disputa da audiência.


A atitude diante da programação é um enigma quase indecifrável, porque parece
não levar em conta o entorno. O SBT desmontou seu telejornalismo depois de
investir pesado na contratação de equipes e profissionais prestigiados e caros –
Ana Paula Padrão e Carlos Nascimento – relegando esse filão a redutos
clandestinos de sua grade.


Enquanto isso, a Record segue investindo e recebendo bom retorno na notícia.
No ranking dos cinco programas mais vistos têm aparecido o Jornal da Record (com
até 14 pontos de média no Ibope), o Domingo Espetacular e o SP Record. No do
SBT, estão os jurássicos Chaves, A Praça É Nossa e Domingo Legal de Gugu
Liberato.


A diferença de 1 ponto na audiência é irrelevante porque esse número é uma
representação da massa de telespectadores que está sintonizada nos canais e, em
se tratando de estatística, não dá para cravar resultados.


Mas, olhando as maiores audiências das emissoras, não dá para negar que o
crescimento da Record seja consistente e que se hoje empatam na vice-liderança,
a emissora do bispo ameaça empurrar o SBT realmente para o terceiro lugar.


No contexto geral, dá para ver que surge uma nova configuração na
distribuição da audiência e que os pontos conseguidos pelas duas combatentes
pelo vice está certamente saindo das fileiras da líder.


O levantamento do Ibope dos programas mais vistos na Grande São Paulo na
semana de 26 de fevereiro a 4 de março, mostra que a Globo tem conseguido ibope
de 40 e poucos pontos, enquanto SBT e Record alcançam médias em torno de 12.
Essa média é pelo menos o dobro da obtidas por programas da Bandeirantes e Rede
TV!


Esse novo desenho mostra que muita coisa mudou nos últimos 20 anos. A Globo
já contou com a fidelidade de pelo menos 80% da massa telespectadora com seu
padrão de qualidade. O resíduo que restava era disputado pelas concorrentes, com
vantagem para o SBT.


O novo loteamento da audiência indica também que assim como o SBT formou
algumas gerações com sua estética pop mexicana, a Record está conseguindo
fidelizar uma parcela do público com uma linguagem híbrida – que mistura uma
certa sobriedade a la Globo e a estética espalhafatosa forjada no reduto de
Silvio Santos.


Pelo jeito, a TV finalmente está entrando para valer na era da
diversidade.’




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