Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

O jornalismo cínico

As últimas peripécias aprontadas pelos “nossos” políticos comprovam o jornalismo praticado nas redações brasileiras. Um jornalismo cínico. Refiro-me a cinismo porque, na ausência de termo mais exato, é este que melhor designa a atitude da mídia elitista do nosso Brasil. Uma mídia que ignora alguns fatos e maximiza outros, de acordo com seus interesses.

Tudo começou com o (ex?) palhaço Tiririca. Eleito deputado federal por expressivo número de votos, ele foi “vítima” (ou, pelo menos, o foco principal) de uma verdadeira campanha da mídia. Campanha esta que procurava colocar em xeque a legitimidade de um político que foi eleito pelo povo, apesar das suspeitas de analfabetismo. Durante semanas, os meios de comunicação do Brasil reiteraram a sua “preocupação” em ver uma vaga da Câmara assumida por uma pessoa, digamos, pouco letrada. Mas o episódio envolvendo o “letrado” senador Aécio, que foi pego dirigindo com habilitação vencida e ainda se recusou a fazer o teste do bafômetro, não teve o mesmo apelo midiático.

Fato minimizado, houve veículos que chegaram a publicar entrevistas exclusivas com Aécio. E deram total espaço para que ele, como bom orador que é, apresentasse suas desculpas esfarrapadas à população. Mas será que um político que se recusa a fazer o teste do bafômetro tem condições de dar exemplos à comunidade? Parece que não. Mas Aécio foi esquecido. Muito mais rapidamente que o palhaço Tiririca que, até agora, parece não ter feito grandes trapalhadas…

Direitos das minorias

Recentemente, o episódio Bolsonaro(aquele deputado que lançou palavras infelizes contra negros e homossexuais e é capaz de defender com unhas e dentes a ditadura) pode ser comparado à novela Requião. Senador pelo Paraná, Requião teve a infeliz atitude de tomar o microfone das mãos de um repórter da Bandeirantes. Devolveu depois, sem a entrevista. A falta de educação do senador (que, na minha opinião, mereceria ser cassado) denota desrespeito à liberdade de imprensa, sem dúvida. Mas a dimensão dada a esse fato, se comparada a atitude tão grosseira quanto a do deputado Bolsonaro, me leva a afirmar: a mídia tem dois pesos e duas medidas, de acordo com as pessoas e os fatos envolvidos.

Ter atitudes racistas e homofóbicasé tão grave quanto tomar gravador das mãos de repórter. Mas, sinceramente, não me lembro de ter visto (principalmente na TV Globo) grandes manifestações de repúdio contra Bolsonaro. Já para Requião, que se disse vítima de bullying, a coisa está sendo diferente. Rechaçado em público, ele ficará na mídia por bom tempo. Ou seja: quando o assunto envolve o umbigo dos jornalistas, a atenção dada é extrema. Quando os envolvidos são da “elite” (por vezes representada pelo PSDB), se minimizam fatos. Mas se a questão trata de direitos das minorias, tende-se a relativizá-la. Afinal, parece que ninguém se preocupa com negros, homossexuais e analfabetos. Puro cinismo.

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Jornalista