Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

O jornalismo e a decisão destemperada do STF

Opinião, cada um tem a sua. E como vivemos em uma democracia, todos podem expressá-la, num papo de botequim, na fila do banco, em rodas de amigos, no encontro com o vizinho à porta de casa e também por meio de artigos de jornal, spams, blogs, do Twitter, do YouTube ou de qualquer outra ferramenta. O que não se pode é confundir esta difusão da opinião com a prática do jornalismo.

Ao derrubar a obrigatoriedade do diploma de jornalista para o exercício da profissão, o Supremo Tribunal Federal misturou alhos com bugalhos, justificando que, com a medida, está preservando a liberdade de expressão, um direito constitucional. Com o mínimo de discernimento, podemos constatar que o julgamento do STF foi para lá de mal ajambrado, errando neste que seria o mérito da decisão.

Ora, as excelências do STF deram seu parecer sem refletir sobre a base do jornalismo, que é a isenção, chamada em nosso jargão profissional de ‘objetividade’. Nós, jornalistas, trabalhamos com a apuração de fatos, buscando pela verdade, ouvindo versões e opiniões – as alheias, não publicando as nossas próprias – e submetendo os textos à linha editorial que é estabelecida pelo dono do jornal de acordo com seus interesses financeiros ou políticos. Portanto, entre todos os cidadãos, contraditoriamente, o jornalista é quem menos expressa seus pensamentos.

Assim, o STF, ao estabelecer que qualquer um pode exercer a profissão de jornalista, não ampliou nem mesmo garantiu as condições para as pessoas se expressarem. Quem antes podia exercer este direito, continua podendo. Quem procurar pela livre expressão no jornalismo jamais encontrará.

Ao invés de benefícios, a decisão do STF só trouxe prejuízos à sociedade.

Temperos em excesso

Num mundo que prima pela profissionalização, adquirida em cursos superiores e de pós-graduação, o STF vem a público estimular o amadorismo, dizendo que para ser jornalista basta ‘chegar fazendo’, sem um nível mínimo de estudo, sem o conhecimento sobre o formato de cada mídia, sem a formação humanística e sem o debate dos ambientes universitários sobre a ética e a legislação que regem o jornalismo.

Claro, o mercado pauta a si mesmo e os bons veículos de comunicação, comprometidos com a qualidade da informação, vão continuar buscando por profissionais diplomados e experientes. Porém, a decisão do STF dá total liberdade para que os jornais picaretas (e eles são muitos) contratem (a baixos salários) e explorem estudantes de Jornalismo e (o que é pior) curiosos – o que, até agora, só acontecia ilegalmente, por debaixo dos panos.

Com isso desestabiliza-se a profissão e se arrefecem as lutas por melhores salários e por melhores condições de trabalho. Mas para a sociedade as perdas são ainda piores.

Com a decisão do STF, o interesse financeiro dos donos de jornal pode se sobrepor livremente à qualidade da informação – o que compromete especialmente mercados de comunicação como o do Tocantins, onde existem poucos anunciantes da iniciativa privada e onde centenas de pequenos jornais dependem quase unicamente das verbas publicitárias do poder público, cujos pagamentos vivem em atraso desde os tempos da criação do estado. Aqui no Tocantins, como em outros estados e cidades de economia frágil, a auto-regulamentação do mercado tende à contratação de jornalistas amadores, comprometendo a qualidade da informação, com todos os riscos que isto implica.

Ministro Gilmar Mendes, as questões relacionadas ao exercício do jornalismo são um pouco mais densas do que você julga. A profissão de jornalista não pode ser comparada com a de cozinheiro. Uma notícia mal elaborada ou com temperos em excesso pode causar muito mais mal-estar que um prato que passou do ponto.

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Jornalista, Palmas, TO