Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

O pecado do plágio

Quando o assunto é plágio nas faculdades de comunicação, as reações mais comuns são de punição, nota zero para o infrator, talvez humilhação pública e, em casos mais graves, até expulsão. O computador e a internet tanto facilitaram o famoso Ctrl+C, Ctrl+V, quanto forneceram ao professor ferramentas para desmascarar as cópias.

Isso é o que fazemos. O que não fazemos é buscar soluções para evitar o problema, como alerta o jornalista Chip Scanlan, em artigo publicado no Poynter Institute (www. poynter.org/), entidade americana dedicada ao estudo das mídias.

As questões que levam um aluno – ou um profissional – a cometer o plágio são as mais diversas. David Shaw, repórter de mídia do Los Angeles Times, citado por Scanlan, fez uma lista, 20 anos atrás, que cobre quase todos, se não todas, as raízes do problema: ‘Preguiça. Relaxamento. Pressão do deadline. Bloqueio mental. Temporários – ou crônicos – problemas mentais. Um consciente ou inconsciente desejo de punição. No caso de muitos colunistas que plagiaram (e foram pegos), o problema teria sido simplesmente o esvaziamento de idéias provocado pela batalha do dia-a-dia.’

Mas talvez a causa mais comum de plágio seja o medo de falhar ou de não alcançar padrões de exigência próprios ou de terceiros.

A esta lista, deveríamos acrescentar um mea-culpa: a falta de compromisso das empresas e instituições de ensino em educar sobre o que constitui plágio e até ensinar como fugir ao risco das tentações de copiar ‘só uma frase’ ou alterar o sentido de um texto já pronto, a cinco minutos do prazo final para a entrega de um trabalho de peso.

Todos perdemos

Aliás, como bem questiona Scanlan, quantas empresas jornalísticas têm políticas de prevenção ao plágio, como parte das orientações aos novos empregados e esforço de treinamento contínuo? Nem sempre o plágio é facilmente reconhecível, podendo gerar acaloradas discussões sobre seus formatos.

Na minha experiência com estudante do segundo e sétimo períodos de Jornalismo, nas disciplinas Fundamentos de Multimídia e Jornalismo Online, tenho me deparado com os mais diversos tipos de cópias, algumas óbvias, outras bem elaboradas. Apesar de todos terem sido devidamente punidos, sinto que há muito mais a ser feito, questionado e debatido.

Em conversa com outros professores, relacionei uma lista de atitudes punitivas que vão do alerta verbal à exclusão. Numa faculdade paulista, as regras estão disponíveis no site: ‘Todo e qualquer tipo de plágio, desde que comprovado, acarreta nota zero no bimestre (e não apenas no trabalho plagiado) e suspensão de três a cinco dias para os alunos envolvidos. Em caso de reincidência, é motivo para expulsão.’

Quando um plagiador é punido, todos nós saímos perdendo: tanto quem fez a reportagem, escreveu e editou, quanto os que a leram. Alunos, professores e a universidade. O jornalismo fica manchado, damos munição aos críticos de plantão.

Risco consciente

Curiosa sobre o posicionamento dos alunos, promovi alguns debates em sala de aula. O resultado foi interessante e esclarecedor. Também surgiram propostas que valem ser partilhadas.

A primeira questão importante colocada nas discussões foi que não há regras claras sobre o que constitui ou não plágio. Exemplos:

** Uma entrevista feita por e-mail em que o jornalista utiliza todas as repostas, ipsis litteris, para compor seu texto, colocando na boca do entrevistado apenas duas linhas seria plágio?

** Recuperar matéria antiga do próprio jornalista, readequando-a à realidade da nova matéria, sem ouvir novamente as fontes, seria correto?

Grupos de discussão de jornalistas volta e meia debatem o assunto. E o resultado é: as regras são confusas, baseadas nos direitos autorais e não deixam claro o que exige citação de fonte e o que é informação de senso comum, dispensando o crédito.

Outro ponto: não seria uma contradição da universidade exigir autoria por parte dos estudantes, quando, o tempo todo, cobramos questões e elaboramos provas em que as respostas devem ser condizentes com o pensamento de autores diversos, muitas vezes até com as mesmas palavras?

Um aluno contribuiu para debate acalorado ao afirmar que, diante da possibilidade de ser punido pelo atraso na entrega de um trabalho, preferia arriscar-se no plágio a conversar com os professores, geralmente impassíveis diante de suas dificuldades e da revisão nos prazos. Será isso o que acontece entre jornalistas e editores?

Resultados práticos

Diante de muitas dúvidas e críticas, partimos para a busca de soluções. Se as regras são confusas e/ou inexistentes e não há consenso lá fora, esboçamos os nossos próprios princípios, tomando como base pesquisas realizadas aqui e em outros países. Com primeira estratégia, sujeita a novos debates, adotamos critérios de citação de fontes, sugeridos pela Purdue University Online Writing Lab:

Sempre citar a fonte

** Quando você está usando ou se referindo às palavras de alguém ou idéias de livros, revistas, programas de televisão, filmes, websites, programas de computadores, propagandas ou qualquer outra mídia;

** Quando a informação foi obtida através de entrevista;

** Quando você copia uma palavra exata ou ‘uma única frase’ de algum lugar;

** Quando você copia gráficos, ilustrações, diagramas e fotos;

Não há necessidade de fonte

** Quando estiver escrevendo suas próprias experiências, suas próprias observações, seus próprios insights, seus pensamentos, suas próprias conclusões a respeito de um assunto;

** Quando você está utilizando o conhecimento de ‘senso comum’, como folclore, informações compartilhadas em grupos de estudo;

** Quando está copilando fatos geralmente aceitos, como a data do descobrimento do Brasil, por exemplo;

** Quando está escrevendo os resultados de seus próprios estudos e constatações.

Definidas as regras, a questão era como levar as pessoas a valorizá-las e segui-las, sem cair no dilema anterior, do punir sem educar. A resposta veio, mais uma vez, das pesquisas e do debate, propondo-se uma ampla campanha com base nos princípios de que, ao fim, tudo gira em torno da honestidade e da integridade pessoal.

É preciso que estudantes e jornalistas valorizem as suas idéias. Homenageiem a sua capacidade e inteligência, assinando uma matéria com a certeza de que ‘nada foi copiado, inventado ou assimilado de outra pessoa’. Você pensou, você escreveu, você merece os méritos.

Um ótimo começo, que, esperamos, traga também os resultados práticos necessários.

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Jornalista, especialista em novas tecnologias de comunicação e professora de Jornalismo Online e Multimídia do UNI-BH, em Belo Horizonte