Tuesday, 19 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1279

O preço do conhecimento

Em breve o Supremo Tribunal Federal (STF) decidirá o futuro da profissão de jornalista no país. Desde 1969, quando da edição do decreto-lei 972 – instrumento que regulamentou o exercício da profissão no Brasil – existe em torno do tema uma discussão bastante acalorada, que divide opiniões. Mais recentemente, o Ministério Público Federal ajuizou ação posicionando-se contra a exigência de diploma universitário para o exercício da profissão, e o litígio perdura no Supremo desde 2001.


Nesse particular, as entidades representativas de classe continuam inarredáveis. Insistem na importância da graduação, com alegações as mais diversas, com ênfase especial sobre um possível declínio na qualidade do exercício profissional. Mas, como não poderia deixar de faltar também um pretexto ideológico, sugerem ainda que a abolição do diploma atende a uma demanda patronal, cuja preocupações resumem-se invariavelmente a interesses comerciais.


Mas o arrazoado das entidades classistas possui também seu lado, digamos, comezinho. Atenta aos interesses corporativos, esmeram-se em manter uma cômoda e benfazeja reserva de mercado. O brasileiro, como se sabe, sempre foi avesso a ambientes competitivos, e esquiva-se da livre concorrência com uma eficácia – essa sim! – bastante competitiva. Na República dos Bruzundangas, os monopólios e privilégios compõem a ordem natural das coisas, e são preservados com ares de cláusulas pétreas (bem entendido: sempre em favor de uma minoria organizada, e em detrimento de uma maioria silenciosa).


Interesse instrumental


Há profissões em que o autodidatismo é não só possível como legítimo. Para exercê-las, a exigência de nível superior se mostra tão absurda quanto prejudicial, na medida em que sufoca o surgimento de qualquer meritocracia. Só posso atribuir esses entraves elitistas a um atávico e provinciano culto ao bacharelismo. Posto de lado todo e qualquer fetichismo do diploma, os graduados terão que mostrar sua superioridade em uma livre disputa pelos postos de trabalho. A seleção, então, se processará de forma natural e espontânea, e só sobreviverá profissionalmente aqueles que apresentarem uma capacidade realmente demonstrada.


Já diz o adágio: ‘Quem não tem competência, não se estabelece’. E não vale dizer que a regulamentação da profissão passa pela exigência do diploma, porque não passa. Essa é uma questão à parte.


O lado mais mercantil dessa história é que em nosso país, nos dias atuais, faculdades são abertas em escala verdadeiramente industrial. Os diplomas, por sua vez, sobretudo nas universidades particulares, são expedidos numa facilidade e profusão que o mercado de trabalho mal consegue absorver. Dada magnitude da oferta, exibir graduação na praça já não é mais garantia de emprego.


As empresas no ramo das comunicações já perceberam que diploma universitário de jornalismo, nos dias que correm, é igual a curso de datilografia no passado: atesta apenas que você sabe usar a máquina, mas não garante que você saiba escrever. E é assim que os alunos ingressam no curso superior, ou seja, com um interesse unicamente instrumental: obter o diploma. Eles podem até saber que o conhecimento não tem preço, mas para todas as outras coisas eles usarão o seu cartão de crédito.

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Servidor público, Brasília, DF