Tuesday, 23 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

O que vamos ensinar aos nossos alunos?

A famosa Escola de Pós-graduação em Jornalismo da Universidade de Columbia, onde leciono, é amplamente reconhecida como o mais respeitado e influente centro de educação jornalística. Jornalistas profissionais e seus colaboradores ambicionam os prêmios que concedemos, não menos que os Prêmios Pulitzer e Maria Moors Cabot para o jornalismo latino americano.


De certa maneira, vários observadores recebem com surpresa a notícia de que diversas outras universidades de ensino renomado tinham previamente recusado a tentativa de Joseph Pulitzer de criar e financiar uma escola de jornalismo e os prêmios hoje reconhecidos. O então presidente da Columbia resistiu à oferta de Pulitzer durante anos e somente mais tarde outro presidente e seu corpo docente aceitaram a contragosto a oferta do editor. As universidades simplesmente não acreditavam que o jornalismo fosse uma matéria própria de estudo, contendo características que eles consideravam mais como um negócio do que uma disciplina acadêmica.


Cem anos depois, a relação instável entre as escolas de jornalismo e as universidades continua, se igualando ao passado pelos desentendimentos similares e suspeitos entre escolas e diversas novas organizações. Seria fácil se livrar dessas relações desconfortáveis existentes em muitas áreas, se não fosse por três fatores importantes: escolas de jornalismo estão nascendo ao redor do mundo e são excepcionalmente populares entre os alunos; a indústria de jornalismo está passando por mudanças rápidas e abrangentes, devido a inúmeros fatores, de novas fronteiras tecnológicas a políticas governamentais; e a dependência pública e a confiança no jornalismo profissional têm oscilado bastante, não podendo ser desconsiderada.


Assim, se muitas universidades, especialmente fora dos Estados Unidos, desconfiam do ensino de jornalismo, e se jornalistas ativos, poucos dos quais passaram por uma escola de jornalismo, são abertamente hostis à ideia de jovens com educação universitária disputarem seus trabalhos, por que tantas escolas estão surgindo?


Pouca disposição


Teoricamente, a resposta é simples: muitos programas de universidades possuem a palavra ‘jornalismo’ em seus títulos, >mas o que realmente estão oferecendo é um programa teórico de estudos de comunicação em massa, caracterizado por cursos relacionados à mídia como Retórica, História da Comunicação e Comunicação Pública, ou programas pré-profissionais em propaganda, relações públicas ou comunicação governamental (cada um desses é incidentemente um adversário do jornalismo no mundo real. Programas como esses são incluídos por uma razão irônica: são populares e frequentemente percebidos pelos estudantes e seus pais como algo mais prazeroso e menos exigente do que muitas outras áreas de estudo potenciais, tais como reportagem autêntica e redação sobre assuntos difíceis e geralmente controversos.


Por outro lado, há algumas boas razões pelas quais verdadeiras escolas de jornalismo também estão surgindo em todo o mundo. A primeira é o aumento do nível de educação, e na mídia em particular. Na África, Ásia, e em algumas partes da América do Sul, os níveis de educação estão subindo e as pessoas estão exigindo mais informação sobre tópicos variados importantes para a sociedade em que vivem. Outro fator que faz aumentar a demanda por jornalismo é a gradual disseminação da democracia e a suspensão de algumas restrições e regulamentos, tais como censura, leis contra difamação e outros; ainda existem muitos lugares sem liberdade de imprensa, mas a tendência é que esse cenário mude. A globalização é outro fator que contribui para a expansão jornalística (e, portanto, à necessidade de uma educação jornalística), por forçar cidadãos de vários países à curiosidade sobre eventos e questões que vão muito além de suas realidades, mas que têm um impacto direto em suas vidas. Finalmente, claro, existe um poder difundido e quase universal de novas tecnologias de comunicação – sejam redes sem fio, Internet, mídia social ou até algo simples como o acesso quase universal a linhas telefônicas, possibilitando que a transmissão de notícias, informações, dados, opiniões e fofocas sejam fácil e relativamente acessíveis em relação a custo. Simplesmente sem sair do lugar, qualquer pessoa pode ultrapassar as agências de notícias.


Há, naturalmente, diferenças regionais importantes na curva de crescimento do jornalismo e sua educação. Nos Estados Unidos e em grande parte da Europa Ocidental, como já se sabe, os negócios tradicionais de notícias estão em um declínio assustador, em parte por sua complacência em relação às mudanças tecnológicas e o problema de oferta e demanda: como se vende informação que está disponível gratuitamente? Isso é importante principalmente em sociedades com nível populacional estável ou em declínio como a França ou próximas de educação universal (Canadá, EUA), onde a mídia vem saturado suas populações há décadas. Esse cenário é bem diferente em países como o Brasil, a China, Índia, Turquia, África do Sul, entre outros, onde o mercado jornalístico está em crescimento; a educação está aumentando, a tecnologia está se infiltrando até nas áreas rurais e o comércio está em expansão – isso inclui o crescimento espetacular da propaganda – e maior número de pessoas conectadas de alguma maneira. A penetração da mídia ainda não atingiu o seu ápice e existe uma dependência menor do público com as antigas redes de distribuição que custam caro para serem cortadas e repostas.


Então por que não existem mais universidades construindo escolas de jornalismo ao invés de escolas de comunicação em massa nos países em desenvolvimento? Por que é frenquentemente deixado para os próprios veículos de comunicação a educação da próxima geração de jornalistas? Há várias respostas, mas proponho o seguinte: a educação jornalística é cara, necessitando, essencialmente, dos mesmos tipos de instalações e equipamentos da própria indústria, devendo atualizar-se constantemente para conseguir manter o ritmo; poucos outros cursos requerem essa estrutura e custam tão caro. Tudo isso constringi os recursos da universidade. Há uma séria desconfiança entre os acadêmicos tradicionais, que controlam as universidades, e os jornalistas profissionais; isso tem muito a ver com as discordâncias em relação a credenciais, perspectiva intelectual e a distância enorme entre as culturas das duas instituições. De uma maneira mais prática, poucas universidades estão dispostas ou aptas a contratar um corpo docente completamente novo e idiossincrático somente com o propósito de iniciar um programa de jornalismo. Alguns tentam inovar os professores e cursos pouco populares exigindo que um alto número de alunos de jornalismo ou mídia se matricule nesses cursos.


E finalmente, claro, existe a questão da supervisão do governo nos programas universitários; muitos governantes toleram jornalistas, mas quase nenhum realmente gosta deles ou os respeita. Para uma universidade estadual, receber uma faculdade composta por pessoas que o governo considera como possíveis críticos problemáticos, ela precisa de mais força e comprometimento do que muitas universidades disponibilizam. Resta às empresas preencherem o vácuo.


Benefícios tangíveis


Exemplos dessa tendência podem ser encontrados na Europa, onde organizações como a BBC, Grupo Prisa, Axel Springer Group e RAI abriram suas próprias escolas de jornalismo; esse exemplo também foi seguido na Ásia, em empresas de Cingapura, Malásia, Indonésia e Índia; no Oriente Médio, a Al-Jazeera criou uma escola.


Até as escolas mais bem concebidas têm de inevitavelmente lidar ainda com outro desafio. Em sociedades onde quase todos abaixo dos 40 anos cresceu num mundo com acesso aos meios de comunicação e serviços móveis, a informação parece ubíqua; ela está em todos os lugares, em toda parte, gratuitamente, ou pelo menos é o que acreditam. Por que, eles perguntam, devemos esperar por um noticiário na televisão ou pelo jornal impresso? Por que a minha localização é importante quando eu quero ver, ouvir ou ler algo? Por que não posso ter apenas a informação que eu desejo, não a que o editor ou produtores querem que eu tenha? Essas perguntas são comuns e razoáveis, se ignoramos o impacto que tais atitudes têm na capacidade das empresas de comunicação de possuírem uma infraestrutura de jornalismo que ainda é necessária para identificar matérias, priorizar notícias do dia, juntar informações, checar detalhes, escrever e editar profissionalmente.


Um mundo de informações ilimitadas e de fácil acesso é algo maravilhoso para se ter e a maioria de nós faz parte desse mundo. Os blogs trazem diversas vozes novas para a atenção do público, algumas para melhor e outras para pior. As redes sociais unem as pessoas, mas também tendem a criar ‘bolhas’ de interesses próprios, ecoando infinitamente as mesmas ideias e opiniões para as mesmas pessoas. É o triunfo da opinião versus os fatos.


O desafio da educação jornalística hoje em dia é determinar se podemos fazer mais do que simplesmente treinar empregados do futuro. As melhores escolas podem ter um papel importante na explicação do valor do jornalismo profissional robusto, bravo, independente e lógico, economicamente viável? Elas poderão produzir uma geração de jornalistas prontos para terem uma visão mais ampla, não só em relação aos tópicos que cubram, mas também a respeito do relacionamento em constante mudança com segmentos públicos? Será que as escolas de jornalismo e seus professores irão se engajar em debates de políticas públicas considerando as regulamentações de telecomunicações, censura, transparência governamental, sigilo, licença e outras questões?


Acima de tudo, o grande desafio é se as escolas de jornalismo conseguirão ganhar o respeito do público por produzirem uma geração de repórteres e editores que sejam mais bem preparados, mais reflexivos e mais adaptáveis do que seus antecessores. Se o público não compreender os benefícios tangíveis de informações de maior qualidade, se o produto final da educação de jornalismo for qualquer coisa que não uma democracia melhor, então nossos esforços terão sido em vão.

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Dean de Estudos Internacionais da Escola de Pós-graduação em Jornalismo da Universidade de Columbia