Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

O relógio da redação

No século passado, os jornais tinham uma presença maior no cotidiano popular. Havia diários matutinos e vespertinos, o que movimentava mais as bancas. Com o tempo, pelo menos no Brasil, os jornais concentraram suas circulações pela manhã, sedimentando hábitos de consumo.

Depois da metade dos anos 80, as empresas jornalísticas aparelharam suas redações e modernizaram seus sistemas de impressão. As máquinas de escrever deram lugar para os computadores e modernas estações de trabalho. Os sistemas fotográficos digitais substituíram os analógicos. Teoricamente, a tecnologia facilitou os processos de planejamento e execução de pautas, e de edição dos meios impressos. Teoricamente, os jornais poderiam fechar mais tarde para oferecer conteúdos mais frescos e atuais. Teoricamente.

Já no final dos anos 90, os gestores perceberam que a tecnologia poderia facilitar muito a vida das empresas jornalísticas e que isso não significava necessariamente um acréscimo de qualidade nos produtos ao leitor. Para otimizar o uso de impressoras e das equipes, os gestores passaram a distribuir o fechamento dos cadernos do jornal de domingo ao longo da semana. Quase toda a edição dominical já estava pronta na noite de sexta, e muitos diários passaram a rodar os primeiros cadernos já na manhã de sábado. Resultado: o jornal de domingo passou a chegar no sábado à tarde para os leitores. Um dos primeiros a fazer isso foi a Folha de S.Paulo, tendência que se alastrou por todo o canto.

Em Santa Catarina, há anos, o Diário Catarinense já faz circular a edição dominical no dia anterior. O Jornal de Santa Catarina também, mas a sua edição de final de semana é conjunta. Agora, é a vez de A Notícia. Desde a semana passada, o mais novo jornal do Grupo RBS voltou a adotar essa política de fechamento. Em 2005 e 2006, não era assim. O jornal de Joinville percebeu que podia competir com manchetes mais frescas e que oferecer conteúdos exclusivos era a melhor estratégia para vencer o concorrente nas bancas. Tanto é que adotou uma espécie de selo, simulando um carimbo com a expressão ‘antes da concorrência’. Se a jogada deu certo ou não, pouco importa agora, já que ela foi deixada de lado. O fato é que o leitor perdeu uma oportunidade de ter opções diferenciadas de informação entre os jornais do estado.

É claro que a adoção de uma política de fechamento e circulação como essa leva em consideração uma série de aspectos. O discurso das empresas é que o produto chega antes ao consumidor, o que lhe dá mais tempo de frui-lo. Argumenta-se ainda que as matérias são mais densas e aprofundadas, e que os classificados ‘duram’ mais. Pode ser, pode ser. Mas os jornais precisam acertar seus ponteiros com o leitor. Cada vez mais, o público tem buscado em outras mídias suas formas principais de informação. Sites e blogs, transmissões ao vivo em rádio e TV têm deixado uma fatia cada vez mais estreita do bolo para os meios impressos. Jornais e revistas precisam definir sua vocação nesta nova configuração midiática. Isso vai implicar em mudanças de formato, de linguagem, de circulação, de sustentação financeira e mesmo de rotina operacional. Isto é, os relógios das redações vão precisar mudar mais uma vez.

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Muitas versões, poucas conclusões

Incêndios sempre são notícias. Não foi diferente com o caso que relaciona o jovem Leandro Pacífico de Souza, 19, com o ocorrido no supermercado Rosa de Florianópolis. Os periódicos fizeram uma boa apuração. Várias versões foram apresentadas, principalmente sobre a situação do jovem. Porém, sem nada esclarecido, os pontos divergentes formaram uma trama que exigia atenção do leitor para não se perder entre tantas hipóteses.

Nesta semana, o Monitor de Mídia conferiu a publicação e o desenrolar dos fatos do incêndio no supermercado de Florianópolis. Para isso, foram analisadas as edições de 27 a 30 de abril e 1º de maio nos três principais jornais catarinenses: A Notícia, Diário Catarinense e Jornal de Santa Catarina.

A Notícia

Em 27/04, A Notícia contabilizou feridos do incêndio no supermercado de Florianópolis. A matéria ocupou uma página e foi de caráter descritivo, com o depoimento das partes envolvidas. O texto apresentou uma vítima fatal, Leandro Pacífico de Souza, 19, encontrado com um tiro na cabeça e apontado como o responsável pelo ocorrido.

A surpresa ficou por conta do AN Capital (caderno do A Notícia dedicado a Florianópolis) do mesmo dia. O encarte não tratou do incêndio, mesmo com a proposta de ser um instrumento de proximidade com os leitores da Ilha.

No dia seguinte, novamente de forma descritiva, o jornal focou o estado dos sobreviventes. A hipótese do dia anterior, que justificava o ocorrido pela demissão do acusado, foi descartada. Porém, mais uma vítima fatal (o padeiro que voltou para ajudar algumas pessoas) e mais uma hipótese (do suicídio de Leandro Pacífico) entraram na pauta.

Diário Catarinense

Em 27/04, a capa desta edição trouxe a foto destaque ‘Horror em supermercado da capital’ com a legenda: Rapaz põe fogo no estabelecimento e provoca, além da própria morte, ferimentos em 35 pessoas, sendo 10 casos graves’. A foto foi chamada para a Reportagem Especial ‘Pânico no supermercado’ que estava sob a cartola ‘Tragédia na Ilha’.

A matéria trouxe o suicídio como principal ‘tese’: ‘Jovem armado invadiu, ontem à tarde, a loja dos Supermercados Rosa na Praia dos Ingleses, ateou fogo na área de produtos de limpeza, provocou uma explosão e, logo depois, teria se matado.’

Contudo, algumas passagens do texto indicam outras hipóteses: ‘Morreu com um tiro na cabeça’, ‘Não está claro se Leandro trabalhava ou não no supermercado’, ‘Colegas dizem que ele foi demitido’, ‘Pai diz que ele estava de folga’, ‘Outra versão é de que ele estaria assustado com a possibilidade de ser desligado do supermercado’, ‘Faltava apenas aos legistas confirmarem se a bala é da sua arma’.

Na mesma reportagem, a sub-retranca: ‘Socorro comunitário’ retratou Adalto José Pereira, que passava pela frente do local na hora do incêndio, como herói. De acordo com a descrição do periódico, Adalto invadiu o local de caminhonete para ajudar a resgatar pessoas que estavam no segundo piso.

No dia 28/04 a ‘Reportagem Especial’ trouxe a matéria ‘Tristeza e dor’ que mostrou a versão em que Renato Manoel da Silva, o padeiro, morreu carbonizado e o corpo de Leandro Pacífico de Souza foi encontrado com um tiro na cabeça, ainda suspeitando-se de suicídio. Segundo as informações da assessoria do Supermercado Rosa, publicadas no jornal, Leandro havia sido promovido há quatro meses e não havia problemas em relação ao seu contrato. Na avaliação do setor de Relações Humanas, o jovem teria sido considerado bom funcionário, boa pessoa, calmo e equilibrado.

O texto ‘Funcionários lembram dos momentos de desespero’ mostrou a opinião da Defesa Civil, explicando que o prédio do Supermercado Rosa não corria risco de desabar e por isso, liberou a retirada de objetos pessoais e mercadorias não destruídas.

A matéria ‘Ato sem explicação’ apresentou a versão do pai em que o acusado estava chateado por não te recebido o aumento salarial que esperava. Já um colega de trabalho lembrou que Leandro sempre comentava, em tom de brincadeira, que um dia iria colocar fogo no supermercado.

O DC publicou em ‘Destinos cruzados de forma trágica’ a versão oficial até o fechamento da edição. De acordo com o jornal, Leandro entrou no supermercado com um capuz preto e óculos escuros, colocou fogo em uma garrafa de álcool e começou o incêndio. Com uma das mãos, apontava o revólver calibre 33 (não existe essa numeração para este tipo de arma) enferrujado ora para os seguranças e funcionários, ora para a própria cabeça.

A matéria ‘Renato tentou até o fim salvar pessoas’ contradiz alguns fatos que foram mencionados no início da reportagem. Primeiro, mostrou que segundo o IML, Renato morreu por asfixia e teve queimaduras leves. O que foi dito no começo da reportagem especial foi que o padeiro morreu carbonizado. Depois, o jornal publicou que a polícia e as testemunhas constataram que Leandro incendiou o mercado e se suicidou com um tiro na cabeça, após o inicio do fogo. No começo da matéria não havia a certeza de que o jovem era suicida.

Na edição de domingo, 29/04, o DC preocupou-se em demonstrar e cultuar os heróis do incêndio: o jardineiro Adauto Pereira e o motoboy, Cristiano Osmar Graps. Em ‘Solidariedade de tirar o chapéu’, o texto trouxe uma reprodução (em tamanho pequeno) da página 5 do DC de 27/04, que mostrava a foto de um homem com chapéu atuando no incêndio ao lado de um bombeiro. O jardineiro contou como foi até o local e ajudou as pessoas no incêndio, sendo apresentado como um grande herói. A matéria ‘Um motoboy curioso que virou herói’ retrata o ato heróico de Cristiano Osmar Graps que assim como o jardineiro, atuou no salvamento de funcionários presos no segundo andar.

Domingo foi o último dia em que o jornal publicou matérias sobre o assunto. Depois disso, nenhum esclarecimento maior foi dado. Ficaram no ar algumas dúvidas: ‘O garoto ainda trabalhava no supermercado?’, ‘Ele foi promovido?’, ‘A bala que o matou saiu de sua própria arma?’

Foram muitas versões e pouca explicação. O DC divulgou versões da Defesa Civil, do IML, da polícia, de colegas, de familiares e de testemunhas. Contudo, não houve um fechamento ou uma conclusão oficial do caso.

Jornal de Santa Catarina

O Jornal de Santa Catarina publicou três matérias sobre o incêndio que ocorreu no Supermercado Rosa da Praia dos Ingleses, em Florianópolis. O periódico iniciou a cobertura na edição de 27/04, com a matéria ‘Incêndio em mercado mata um e fere 35 na capital’ (ainda não havia a notícia da segunda morte, a do padeiro). O texto descreveu de forma minuciosa como ocorreu a tragédia e apresentou três versões: a primeira, dada por colegas de trabalho, em que Leandro teria sido demitido; a segunda, que de acordo com seu pai, Jorge Renato Costa de Souza, ele estava de folga; já para uma caixa do supermercado, Leandro estaria assustado com a possibilidade de ser demitido, pois havia ocorrido demissões na empresa há poucos dias.

Na publicação de 28/04, o Santa apresentou duas matérias sobre o assunto, ambas na editoria ‘Geral’. A primeira, sob o título ‘Por quê?’, divulgou relatos de amigos de Leandro, seu pai e um trecho de uma nota oficial divulgada pelo supermercado sobre a sua personalidade e até sobre o seu comportamento na quinta-feira, dia em que ocorreu o incêndio. A segunda, ‘A capital busca uma explicação’, mostrou uma matéria de caráter apelativo, pois não continha informações relevantes sobre a investigação. Focou-se mais em descrever o enterro de Leandro Pacífico de Souza e Renato Manoel da Silva, padeiro que morreu tentando ajudar colegas de trabalho que se encontravam no segundo andar do estabelecimento.

Apesar de não ser da abrangência do Santa cobrir fatos que ocorram além do Vale do Itajaí, a partir do momento que o jornal inicia uma cobertura sobre um determinado fato, necessita suprir os seus leitores com as últimas informações sobre o caso. Se não há novidades, devia ao menos dar alguma satisfação ao leitor, o que não aconteceu. O periódico não deu continuidade à cobertura, deixando os seus leitores sem respostas. Será que não surgiram novas informações a respeito do assunto ou faltou apuração por parte do jornal?

Fogo em palha

O fato não teve conclusão, apenas versões, mas nada ficou definido ou esclarecido. O Diário Catarinense, dia 27/04, ainda destacou alguns dos heróis até então anônimos no fato (o jardineiro e o motoboy). A Notícia e o Jornal de Santa Catarina não trataram do assunto neste dia. Depois disso, nos dia 29 e 30/04 e depois 1º e 2/05, nenhum dos periódicos trouxe mais detalhes ou apuração dos fatos. Muitas hipóteses foram levantadas, muitas contradições expostas, porém os leitores interessados ficaram sem o devido acompanhamento do fato.

Metamorfose semelhante

Mais uma mudança molda A Notícia para os padrões RBS. Ao estar mais cedo à disposição dos leitores, com o fechamento agora na sexta-feira, o jornal ‘volta a se alinhar a uma política editorial e de circulação cada vez mais adotada pelo mercado’. O material publicado no domingo é o resultado de assuntos aprofundados durante a semana. A mudança foi notícia no dia 28/04, com ‘A Notícia de domingo mais cedo para o leitor’ e chamada de capa no dia seguinte, domingo, ‘A Notícia de domingo mais cedo em suas mãos’.

Com isso, A Notícia perde um dos últimos diferenciais entre os jornais catarinenses. Caso algo ocorra no sábado, terá que esperar até a edição de segunda-feira. Os leitores ganham o jornal mais cedo e com informações mais aprofundadas, porém com notícias menos factuais do que nos outros dias da semana. A mudança é adequada para a idéia de que o jornal não é mais um meio tão rápido para assimilar informação. Uma postura que aposta mais em conservar com o garantido, do que mudar com o novo.

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Uma amostra da blogosfera em SC

Rogério Christofoletti

A deflagração da Operação Moeda Verde, que prendeu servidores públicos, empresários e autoridades políticas em Florianópolis na quinta, 3 de maio, pode ser vista como um teste para o jornalismo online em Santa Catarina. A investida da Polícia Federal sobre suspeitos de venda de licenças ambientais na capital resultou na prisão temporária de peixes graúdos do empresariado e políticos influentes na cidade. O anúncio do recolhimento dos acusados à sede da PF repercutiu imediatamente nas rodas populares, nos escritórios e nas redações. Portais na web e blogs de jornalistas deram uma amostra da rapidez desses meios no alastramento da notícia.

Ao que tudo indica, a primeira matéria a chegar na web catarinense veio do ClicRBS, o portal noticioso do maior grupo de comunicação do sul do Brasil. O texto era o primeiro da página na manhã da quinta, 3, já às 9h07 (ver aqui), e o portal foi atualizando o noticiário ao longo do dia, dando boas amostras de como se pode fazer jornalismo online sem medo de ‘desperdiçar’ notícias. Explica-se: mesmo tendo emissoras de rádio e TV e jornais, o Grupo RBS escoou as notícias em tempo real, não reservando as informações para seus boletins ou edições impressas.

Diferente da seção ANAgora, do site de A Notícia, que apenas trouxe um resumo do que seria a matéria, anunciando a sua íntegra para a edição impressa do jornal, no dia seguinte. Para que ter um site jornalístico na internet, então? Apenas para ter aumentar o alcance do jornal em papel? Mesmo com essa estratégia, ANAgora chegou atrasado em termos de internet: chegou à web no final daquele dia, às 17h30 (ver aqui)

Mais tardio ainda foi o Portal da Ilha que só deu a notícia às 17h45, conforme se pode ver aqui. Se o site é voltado às notícias de Florianópolis e se dedica a isso apenas, a expectativa é de que fosse mais ágil.

Os pequenos mostraram a força

Entre os blogs de jornalistas catarinenses, os considerados independentes deram um banho nos diários de grife. Os dois blogs mais conhecidos do jornalismo catarinense – o de Paulo Alceu e o De Olho na Capital, de César Valente – informaram seus leitores só no dia seguinte à devassa da PF. O primeiro trouxe matéria na sua primeira edição da sexta, 4, às 6 horas, conforme se pode verificar aqui.

César Valente publicou às 2h03 de madrugada do mesmo dia. É importante lembrar que nesse caso, o jornalista republica no blog a coluna que mantém no Diário do Litoral, que circula na região de Itajaí. O fato de o jornalista ter segurado o texto dá a impressão de que ele não quis se furar (?!!). Hipótese estapafúrdia…

Em compensação, pelo menos outros cinco blogs de jornalistas da capital foram rápidos ao dar a operação policial. Carlos Damião, por exemplo, esteve muito próximo do ClicRBS, e postou seus comentários já a partir das 9h31 (ver aqui). Às 10h05 da quinta, 3, o professor da UFSC, Orlando Tambosi, já manifestava seu ceticismo de que a caça às bruxas em Florianópolis fosse longe (ver aqui ). Contrastando, Dauro Veras comemorava a ação da PF e ainda oferecia link com a lista dos presos (ver aqui ). A experiente Elaine Borges publicou um longo texto sobre o caso ainda pela manhã, às 11h45. Veja em seu Balaio de Siri. Pouco depois, às 12h41, o irascível Aluízio Amorin também comentava a prisão dos suspeitos (ver aqui)

Por essa prévia, e pelo menos neste episódio, os blogs dos jornalistas sem vinculação com grandes empresas do setor ou sem grife acabaram se mostrando muito mais eficientes na repercussão do assunto, reforçando a instantaneidade desses meios de comunicação. A blogosfera brasileira ainda é bastante incipiente se formos comparar com outros lugares, como o Japão e os Estados Unidos. O jornalismo online de Santa Catarina ainda engatinha se formos observar outras experiências, principalmente entre os grandes centros do país. Mas o episódio da Operação Moeda Verde mostra que há muitas possibildades de atuação nesse campo, e basta mesmo senso de oportunidade, faro jornalístico e agilidade.