Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

O universo simbólico da desconstrução

Um sorriso contagiante, um olhar preocupado, uma cor fria, uma palavra irônica, um personagem midiático, um ‘olimpiano’ da política. Elementos verbais e visuais adjetivados, formando um conjunto de signos semiológicos para representar realidades. E, ao mesmo tempo, construir e ‘desconstruir’ uma imagem.

Essas palavras descrevem o universo simbólico utilizado pela revista Veja em suas capas, quando representa o presidente Luiz Inácio Lula da Silva em tom personalista, espetacularizando a vida pública, enfim, um ‘olimpiano moderno’ (conceito criado pelo filósofo Edgar Morin).

A Veja compõe uma realidade em suas capas com recursos textuais e não-verbais. Essa construção situa-se entre a apresentação e a imaginação e é mostrada como real. Assim, a visibilidade cria uma invisibilidade. Na edição da semana de 30 de outubro de 2002, Lula está sorridente, envolto na bandeira brasileira – com destaque para a palavra progresso –, acompanhado do título afirmativo: ‘Triunfo Histórico’.

Nessa edição, que retrata a vitória do ex-candidato nas eleições presidenciais de 2002, a Veja constrói imagem positiva do presidente, porque o conjunto de signos usados emite visibilidade positiva superior à negativa, existente apenas em função da frase: ‘Seu desafio: retomar o crescimento e corrigir as injustiças sociais sem colocar em risco as conquistas da era FHC’. Esse fator sugere que, mesmo tentando retratar a opinião da maioria que elegeu Lula, a Veja não deixou de enunciar um pensamento condizente com seu principal público-alvo, a classe média conservadora.

Objetividade e dissimulação

Outra capa que exemplifica a presença de informações subliminares é a edição da semana de 22 de junho de 2005, na qual Lula é representado como uma estátua em ruínas, acompanhado de uma frase interrogativa que diz: ‘Tem Conserto?’. No mesmo instante em que a revista pergunta se existe solução para o governo ou para o presidente, há uma outra ambigüidade sutil na chamada fazendo alusão à imagem do chefe da nação brasileira: ‘Com a demissão de José Dirceu, Lula tenta salvar o governo e sua biografia’. Contudo, no mesmo momento em que a revista pergunta se tem conserto, ela dá a resposta com a estátua em ruínas.

Considerando todas as capas nas quais o presidente Lula é representado, desde o período em que foi eleito, em outubro de 2002, até a época em que pipocavam fatos e acontecimentos sobre o ‘mensalão’, em agosto de 2005, ele teve visibilidade positiva apenas em três das capas. As outras nove confirmaram a ‘desconstrução’ da imagem do presidente pela revista. A Veja passou a representá-lo de forma irônica e pejorativa, articulando os signos semiológicos para criar uma imagem negativa de Lula.

Todas essas observações e colocações nos levam a refletir sobre a chamada e tão discutida objetividade jornalística. Especialmente no Brasil, onde a maioria dos meios de comunicação dissimula imparcialidade e clareza.

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Recém-graduada em jornalismo pelo Centro Universitário de Belo Horizonte (Uni-BH), jornalista trainee da Nascentes Comunicação Estratégica; participou do projeto de iniciação científica ‘Mídia e comportamento eleitoral’, que monitorou a cobertura política dos jornais Estado de Minas e O Tempo nas eleições de 2002 e 2004