Saturday, 20 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

O espaço para mídias locais

Este artigo se propõe a atentar a população brasileira, especialmente a região Nordeste, sobre a importância de incluir nos temários da Conferência de Comunicação, que acontece de 1 a 3 de dezembro de 2009, o debate sobre a regulação e regulamentação da mídia local. Já é sabido por todos e todas que a estrutura de organização da mídia brasileira constitui um dos grandes entraves à democratização da comunicação no país, configurando um ambiente extremamente restritivo ao exercício do direito humano à comunicação.

Há uma excessiva concentração midiática em sistemas de comunicação de iniciativa privada, em detrimento dos sistemas público e estatal. Além disso, essa mídia privada é controlada por poucos sistemas empresariais (a maior parte sediados no eixo Rio-São Paulo), com fortes indícios de monopólio e oligopólio, resultando num cenário de dominação da produção de conteúdos e da veiculação. [Esses aspectos da concentração infringem os artigos 220 e 223 da Constituição Federal (respectivamente a proibição do oligopólio e do monopólio e a necessidade da complementaridade entre os sistemas de comunicação pública, privada e estatal).]

Estrutura de dominação

Por outro lado, a mídia pública não se constitui como contraponto a esse processo, seja pela incipiência do seu marco político-conceitual, pela forte cooptação dessas mídias pelos governos (em sintonia com as empresas de comunicação), ou pela pouca destinação de recursos públicos a elas direcionados. Nesse aspecto do financiamento destacam-se as vultosas dotações no orçamento público para publicidade, sem, no entanto, ter sido constituída uma política pública de comunicação, muito menos de promoção da democratização da comunicação.

Esse contexto nacional de concentração midiática encontra em Pernambuco (como nos demais estados do Nordeste) um ambiente mais favorável à sua permanência, constituindo um ‘coronelismo eletrônico’ [esse termo foi bastante difundido na literatura acadêmica por Sergio Caparelli, Suzy dos Santos e Venício Lima] que domina a mídia local. Esse fato resulta, sobretudo, de três fatores: (i) da manutenção das estruturas oligárquicas de poder e de dominação do Estado; (ii) da incipiência e fragilidade das instituições e mecanismos de regulação e regulamentação da mídia em nível local; e (iii) da pouca mobilização da sociedade local em torno da democratização da comunicação.

A constituição da estrutura midiática no estado de Pernambuco teve início ainda no regime militar e se expandiu fortemente na Nova República, sempre através de alianças que se materializaram em dois níveis interdependentes: (i) por meio de uma relação estreita de afiliação entre os principais grupos de comunicação e mídia nacionais e empresas locais; e (ii) através da intermediação política das concessões entre os agentes públicos, sobretudo do governo federal, e as lideranças coronelistas locais.

Essa situação de controle do acesso à comunicação se mantém até hoje como estratégia de manutenção da estrutura de dominação, materializando-se a partir: (i) da ausência de respostas à forte demanda de grupos locais por acesso às concessões; (ii) da ingerência na gestão – inclusive, do orçamento público – das mídias públicas e estatais existentes; e (iii) da tentativa de impedimento das iniciativas de outras mídias públicas, sobretudo de caráter comunitário.

Pouca mobilização e muita desinformação

Contribui para essa situação a invisibilidade e a insuficiência de instituições e mecanismos de gestão do Estado no controle das mídias locais. As instituições em princípio responsáveis pelo controle oficial – regulação e regulamentação da comunicação – são todas de âmbito federal (Ministério das Comunicações, Anatel, Congresso Nacional, por exemplo) e são distantes desse cenário local. Além disso, desconhece-se uma estrutura sub-nacional ou local que atue no tema da comunicação.

Também inexistem espaços de controle, como um conselho estadual ou municipal de comunicação. Diante desse cenário, e em meio a um grande distanciamento da população em relação à democratização da comunicação, há um conjunto de organizações da sociedade civil local com incidência na temática. Em geral, suas pautas estão voltadas para: (i) o apoio às iniciativas alternativas de produção de mídias; (ii) o engajamento nos decretos, normas, leis que regulem e ou regulamentem às mídias públicas, privadas e estatais (classificação indicativa, TV digital, fóruns de TVs públicas etc.); e (iii) o controle da mídia local.

Observa-se também, principalmente, localmente, que há uma maior mobilização em relação às iniciativas de produção de conteúdo, com um notório crescimento de grupos, sobretudo juvenis, compreendendo sua produção como busca do exercício do direito à comunicação num contexto de negação. Mas ainda há pouca mobilização e muita desinformação localmente no que se refere às estruturas existentes, aos mecanismos de regulação e regulamentação, ao orçamento público destinado às mídias, ou mesmo à efetivação dos mecanismos de controle, o que se traduz na ausência de uma incidência mais estratégica e permanente.

Poucas produções locais

Quanto à incidência na regulação e ou regulamentação do sistema de comunicação no Brasil, alguns temas têm encontrado maior envolvimento no controle do conteúdo da mídia, a exemplo do importante papel desempenhado pela campanha ‘Quem Financia Baixaria é Contra a Cidadania’, a repercussão da saída do ar do programa Tardes Quentes, de João Kleber, na Rede TV, e as ações judiciais locais que estão surgindo aqui e acolá (caso do programa Na Mira, da TV Bahia). Em Pernambuco, isso acontece mesmo em meio às organizações que compõem o Fórum Pernambucano de Comunicação (Fopecom) – que congrega 20 organizações, pessoas e movimentos sociais –, o principal espaço aglutinador da incidência pela democratização da comunicação no estado.

A estrutura midiática do estado, proveniente do contexto acima descrito, portanto, é extremamente concentrada, fechada e desconhecida, o que reflete fortemente na qualidade do conteúdo dessas mídias. Sobretudo na mídia privada, isso se evidencia: (i) na pouca diversidade de conteúdos e de fontes para esses conteúdos; e (ii) na constante violação de direitos humanos coletivos e individuais. Esses aspectos impactam diretamente na desconstrução de valores identitários da diversidade cultural local, pois pouco se valorizam os espaços para produção e veiculação das produções locais.

Controle social e público

Já nas mídias públicas e estatais, e sobretudo nestas últimas, a qualidade do conteúdo se compromete pela imposição de um caráter de promoção governamental, de pouca diversidade de fontes, em detrimento de investimentos que constituam uma política pública de comunicação. Diferentemente das iniciativas de mídia pública existentes, onde faltam recursos, as mídias estatais, apesar da ausência de indicadores, demonstram envolver vultosos recursos dos orçamentos públicos.

É a partir da necessidade de mudança desse contexto que precisamos pautar essas questões em todas as etapas da Conferência de Comunicação. É preciso superar o desconhecimento em relação às estruturas midiáticas locais e os conteúdos por ela veiculados; a pouca apropriação sobre as instituições e mecanismos de regulação; criar esferas públicas para o debate e para incidir. As experiências do CCLF através da TV Viva, ou mais recentemente, do Ombuds PE, apoiado pela Fundação Ford, bem como na temática do controle do orçamento público, evidenciam possibilidades de visibilização do tema, de ampliação do engajamento e da mobilização de parcerias. Reforçam nossa crença na análise do conteúdo da mídia como ponto inicial do ‘ciclo de controle social e público’ da política pública de comunicação e de materialização do direito à comunicação e nos animam para novos desafios.

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Integrantes da equipe de comunicação do Centro de Cultura Luiz Freire