Wednesday, 24 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

O Globo, Lula e a reforma agrária

Leia abaixo a seleção de segunda-feira para a seção Entre Aspas.


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Agência Carta Maior


Segunda-feira, 23 de junho de 2008


 


GOVERNO & IMPRENSA
Gilson Caroni Filho


Globo e MST, algo a ver?, 23/6


‘Reportagem de O Globo, no último domingo, 22 de junho, mostra o jogo errático da grande imprensa quando o assunto envolve o governo Lula e os movimentos sociais. Deveria servir de alerta para certa esquerda que não entendeu, ou finge não ter entendido, o jogo bruto da direita e suas corporações midiáticas.


Com destaque, em página ímpar, o jornal destaca uma suposta opção do presidente Lula pelo agronegócio em detrimento do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra ( MST). O espaço concedido ao presidente da Associação Brasileira de Reforma Agrária (Abra) é excessivamente generoso para não levantar suspeita. Lá, Plínio Arruda Sampaio não poupa certezas: ‘Os acampados abandonaram a estrada porque se convenceram da dura realidade: Lula não vai fazer reforma agrária. Sabendo disso, o MST decidiu engrossar a demanda e fala agora em combater o agronegócio’.


O mais interessante é que o jornal parece dar razão a lideranças que sempre procurou criminalizar, e trabalha com números que aparentemente fundamentam seus argumentos. Mas a manipulação é tão evidente que, na mesma matéria temos montantes díspares, vindos da mesma fonte. Na dobra superior da página 15, a jornalista Soraya Aggege informa que ‘enquanto Fernando Henrique assentou, em oito anos, 400 mil famílias, Lula assentou 150 mil em cinco anos, segundo checagem de pesquisadores sobre os dados do Ministério do Desenvolvimento Agrário’.


Escondidos, numa coluna do final da matéria, surgem outros números fornecidos pelo mesmo Ministério. Agora, são 448.954 famílias assentadas no mesmo período de tempo, ou seja, mais que o triplo do governo anterior. Parece que a repórter não teve qualquer cuidado em checar os números do próprio texto. Incompetência? Desatenção? Ou tentativa deliberada de criar falsas polarizações? A resposta talvez esteja em uma perspectiva comparada com o tratamento dispensado à questão agrária ao longo dos últimos anos pelo jornalismo nativo. Para isso, voltaremos no tempo para centrar a análise em fato emblemático.


Em dezembro de 2004, a imersão conservadora da imprensa brasileira produziu, um subtexto digno de figurar como peça pobre do realismo mágico. Não pela magnitude estética, mas pelo mergulho no absurdo. Sem a grandiosidade estilística de um Gabriel García Márquez, a Macondo do jornalismo brasileiro foi uma ficção pobre, travestida de discurso objetivo. Não se propôs a contar a história de qualquer cidade mítica, mas a ocultar os interesses de Arcádios Buendía que impõem seus desmandos há mais de três séculos de solidão.


Enquanto 600 delegados de 70 países participavam, em Valencia (Espanha) entre 4 e 8 de dezembro, do Fórum Mundial de Reforma Agrária (FMRA), os jornais brasileiros preferiram ignorar o evento ou a ele dedicar apenas breves registros anódinos. Fingiram não ver o ato inaugural de uma nova articulação contra-hegemônica. Pela lógica editorial predominante, os debates em plenárias e as oficinas sobre mazelas e limites do modelo agrário hegemônico não eram dignos de figurar em folhas que só avalizam as chamadas ‘reformas agrárias de mercado’.


Do ponto de vista jornalístico, o silêncio sobre o Fórum não encontrava qualquer justificativa que não esbarrasse nos surrados critérios classistas do que deve ser notícia. Afinal, lá estavam Miguel Rosseto, então ministro do Desenvolvimento Agrários, e representantes do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) – duas entidades governamentais responsáveis pela promoção de uma nova ordem fundiária.


Relevância política doméstica era o que não faltava. A grande ausente, tanto nas editorias de política quanto nas de economia, era disposição para confrontar reflexões de matizes distintas daquilo que era reiterado dia após dia, na batida monocórdica do pensamento único.


Como destacou o semanário Brasil de Fato, reproduzindo avaliação do reitor da Universidade Politécnica de Valencia (UPV), Javier Sanz ‘pela primeira vez na história, representantes de movimentos sociais, organizações não-governamentais, governos e especialistas acadêmicos reúnem-se em um encontro dessa amplitude para debater os desafios que envolvem as lutas por reforma agrária em todo o mundo’.


Do ponto de vista político, o camponês reafirmava sua existência como sujeito de direito e, ao denunciar o modelo de monocultura voltado à exportação, tocava em questão sensível para veículos que não cansam de incensar as virtudes do latifúndio redimido: o agronegócio, que estaria alavancando indicadores macroeconômicos, seria, na verdade, expressão do atraso imposto pelos centros hegemônicos aos países periféricos.


Reiteramos, tal como já fizemos em outros artigos publicados em Carta Maior, que O Globo, O Estado de S.Paulo, Folha de S. Paulo e Gazeta Mercantil, entre outros, existem como isolamento acústico para demandas que venham a contrariar interesses secularmente consolidados.


Como conseqüências da perda de soberania nacional face às imposições dos organismos multilaterais de crédito, teríamos a privatização de recursos naturais, a degradação ambiental, a concentração de propriedades e a extinção da agricultura camponesa e familiar que privilegia o mercado interno.


De acordo com as organizações presentes em Valencia, o resgate soberano exigiria, ainda, que a alimentação e agricultura saíssem das discussões travadas no âmbito da Organização Mundial do Comércio (OMC) e fossem tratadas como direitos de todos. O documento final não deixa dúvidas de que estamos em meio a um processo contra-hegemônico de grande vulto.


A inter-relação entre os interesses campesinos e os demais setores da sociedade demonstra a superação corporativa que marca as fases embrionárias dos movimentos sociais. Vejamos um trecho publicado na edição de 9 de dezembro de 2004, de Carta Maior:


‘Reafirmar o acesso à terra como direito de toda a humanidade e retirar as questões relativas à alimentação e à agricultura das discussões travadas no âmbito da Organização Mundial do Comércio (OMC) e dos acordos comerciais bi e multilaterais. Esta foi a principal resolução política definida na declaração final do 1º Fórum Mundial sobre a Reforma Agrária, que terminou nesta quarta-feira (8) em Valencia. Após quatro dias de intensa discussão, com a participação de representantes de organizações de mais de 70 países, a mais importante contribuição desse FMRA foi apontar para a unificação de uma agenda de mobilizações que coloque a luta pela reforma agrária como parte integrante da luta estrutural contra as políticas neoliberais que contribuem para aumentar a miséria dos trabalhadores, seja no campo ou na cidade, em todo o mundo’.


A observação do representante dos camponeses da Catalunha, Xávi Caetán, era importante demais para não ser registrada nesse artigo escrito com uma perigosa dose de indignação:


‘Os governantes e a elite européia devem mudar sua postura. Não adianta ficarmos aqui discutindo a soberania alimentar nos países menos desenvolvidos enquanto nossas grandes empresas continuam adquirindo gigantescos pedaços de terra no Sul apenas para transformá-los em pastos.’


Mas não era esta uma das denúncias mais graves feitas pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST)? A de que o processo de desnacionalização no campo era crescente? Imaginem que pauta isso não daria se o compromisso da imprensa brasileira fosse com uma sociedade efetivamente republicana?


E como ignorar o impacto internacional das declarações do delegado palestino, Jadeh Jamal, quando afirmava que camponeses da Palestina, Iraque e Afeganistão estão morrendo de fome por conta da política de força exercida por Estados Unidos e Israel? Como deixar de refletir sobre mais essa constatação feita pela mesma liderança?


‘Atualmente, por falta de alternativas de produção dignas, os camponeses do Afeganistão são responsáveis pela produção de 80% da heroína que é vendida na Europa. Não podemos ter medo de, ao lutar pela reforma agrária, denunciarmos nossos verdadeiros inimigos’.


Como pudemos ver nessa pequena viagem no tempo, a questão agrária é de enorme centralidade se pensamos em democracia, justiça social e Estado de Direito. E é aí que reside o pecado capital da nossa grande imprensa: a falta de compromisso com qualquer um dos três itens. Assim, quando publicou estudo da Unicef apontando a existência de 27 milhões de crianças vivendo abaixo da linha de pobreza e não faz qualquer menção à concentração fundiária, produz uma falsa representação da realidade. Um ocultamento ideológico imperdoável.


Impossível pensar em atuação política no interior da estrutura midiática visando à exploração de contradições e ocupação de espaço. Esse erro antigo foi abandonado nas principais intervenções do Fórum da Mídia Livre, realizado no Rio de Janeiro.


A importância de contar com veículos próprios para a luta ideológica tem levado várias organizações a repensar a questão de estabelecer uma ordem informativa horizontalizada, capaz de transpor suas demandas específicas e atingir um público amplo. A mobilização social requer inventividade nas formas de comunicação política. E, por certo, no interior da própria luta a práxis encontrará os melhores caminhos.


Em um momento como esse, será que o Globo se tornou o porta-voz de movimentos anti-sistêmicos? Será que ainda não aprenderam que quando a esmola é demais, o santo desconfia? Um mínimo de sensatez é necessário.


Em Brasília, há um governo, atravessado por contradições, que nunca se furtou ao diálogo. No Rio, um jornal que sempre apreciou o extermínio dos filhos da terra. É tão difícil discernir quem é o interlocutor mais confiável? O canto da sereia ainda é tão irresistível? É essa a nossa esquerda conseqüente e combativa?’


 


 


 


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Folha de S. Paulo


Segunda-feira, 23 de junho de 2008


 


PROPAGANDA POLÍTICA
Fernando de Barros e Silva


Cães e cia.


‘SÃO PAULO – Se gosta de cachorro pode. Também pode perguntar se gosta de rock’n roll, de poesia ou de boxe. Isso pode. O que não pode é promoção. Se ela falar ‘vou mudar o trânsito’ -isso não pode.


O trecho reproduz o pensamento da promotora Patrícia Aude, registrado em entrevista à repórter Lilian Christofoletti. A doutora se referia à entrevista da Folha com Marta Suplicy, pela qual Aude e mais três colegas acusaram o jornal de fazer propaganda fora do tempo.


Não sei se brincar de Teletubbies pode, mas, depois de conhecer tais idéias, tive o impulso de pedir a Elio Gaspari o telefone de Eremildo. O Idiota não podia atender. Esforçava-se para entender a sentença do juiz Francisco Carlos Shintate.


Ironia não pode? Quem disse?


Não deixa também de ser irônico que a promotora, na defesa de seu ponto, acabe mimetizando, sem se dar conta, a tendência da mídia e da sociedade atual, que é a de entupir o leitor com frivolidades e ‘faits divers’ da intimidade e pasteurizar a política, que ninguém mais tolera.


Falemos agora sério. Quem melhor resumiu o equívoco dessa turma foi Dora Kramer, em sua coluna no ‘Estadão’, na quinta: ‘Escutaram o barulho do debate sobre o ativismo cívico que sacode os tribunais (…) e encontraram a pior maneira de embarcar na onda do rigor’. Acabaram patrocinando ‘não mais um caso de excesso de zelo, mas de desvio, ou de zelo à deriva’.


Ou seja: as boas intenções dos luminares pariram uma batatada.


A um jornalista -e não só- é sempre útil se perguntar ‘para que serve a imprensa?’ ou ‘a quem ela serve?’. A discussão pode ser boa.


Da mesma forma: para que serve a Justiça Eleitoral? E a quem?


Entre nós, tem servido para proteger os políticos, e não os direitos do eleitor, além de ser um instrumento de inibição -quando não de censura- do debate, em prejuízo do público. Num país em que as idéias circulam miseravelmente, a Justiça Eleitoral, volúvel e de vocação tutelar, contribui para produzir monstros. Às vezes até cachorros.’


 


 


ENTREVISTA / FHC
Plínio Fraga


Parodoxo e capitulação


‘RIO DE JANEIRO – O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso dispensou sua excelência, o leitor, de ir adiante nas páginas deste caderno: ‘Vou dizer uma coisa que talvez seja quase impensável para mim mesmo há muito tempo: eu não agüento mais ler a parte política dos jornais. Tudo são fatos banais ou fatos policiais’, disse em entrevista ontem nesta Folha.


Se alguém precisava de atestado de liberação do enfadonho exercício de acompanhar o noticiário político, nada melhor que seja assinado pelo autor de ‘A Arte da Política’, sociólogo estudado mundialmente pela teoria da dependência.


Em princípio, não há vinculação entre a ojeriza política de FHC com o despojamento dos privilégios do jornalismo na era da internet -que permitiu que a seleção e ordenação das informações deixasse ser competência exclusiva dos jornalistas.


‘Começo a ler e pulo. Porque não vai me acrescentar nada. Quero entender mais os quadros. A parte econômica é mais interessante, a de discussão educacional, a de meio ambiente’, declarou Fernando Henrique a Roberto Dias.


Não são poucos os leitores que comungam dessas idéias do ex-presidente. Mas sua reflexão pairaria no vazio se os leitores não fossem encontrá-la nesse espaço deveras aborrecedor. É um paradoxo.


As primárias norte-americanas mostraram que discursos e personagens novos podem revitalizar a democracia, com reflexos positivos sobre a cobertura jornalística.


A concorrência desenfreada dos novos meios, em vez de trazer multiplicidade, revela-se monótona para os jornais, com a uniformização das abordagens e do elogio ao banal. Os jornais sofrem com a solidificação da pasmaceira até então majoritariamente digital, sem se beneficiar da variedade de atores espalhados pela rede. E isso não é paradoxo, mas capitulação.’


 


 


TODA MÍDIA
Nelson de Sá


O que quer a Petrobras


‘O ‘Financial Times’ publica hoje e adiantou ontem no site uma entrevista com o presidente da Petrobras, que ‘quer atualizar as regras de produção’ no país. Visa ‘lidar com o futuro status de grande produtor de petróleo e obter mais rendimentos para o Estado’, segundo o correspondente. Este cita ‘analistas’ e depois ‘um consultor que pediu para não ser identificado’ para falar da ‘desvantagem’ da mudança para as companhias estrangeiras.


Dias antes, também o noticiário no Brasil ressuscitou o questionamento aos direitos da Petrobras sobre o campo de Júpiter (BMS-S-24), que não teria sido renovado pela Agência Nacional de Petróleo em 2001. Em contraste, a americana Exxon, ‘por exemplo, obteve a prorrogação do BM-S-22’.


O QUE QUER A CHEVRON


Em longa entrevista ao ‘New York Times’, o presidente da americana Chevron defendeu a exploração de petróleo no mar dos EUA, como George W. Bush e John McCain, e deu o Brasil como ‘exemplo de sucesso’ a ser seguido


OBAMA E A ESPECULAÇÃO


O plano de Bush, McCain e petroleiras de permitir a exploração no mar foi atacado por editoriais do ‘Los Angeles Times’ e do ‘Miami Herald’ -de Califórnia e Flórida, Estados que seriam diretamente afetados.


E, em reação ao plano republicano para conter o custo da gasolina, o democrata Barack Obama apresentou o seu, em destaque nos sites de ‘Washington Post’ e outros, se concentrando no combate aos especuladores. Em especial ao ‘buraco Enron’, como trata a regra que permite negócios sem regulação no mercado futuro.


ETANOL LIVRE?


O ‘Wall Street Journal’ publica hoje e adiantou ontem que as enchentes no Meio-Oeste dos EUA, que atingiram a produção de etanol de milho, ‘abrem oportunidade ao etanol do Brasil’.


O setor ‘mudou inteiramente em dez dias’ e gigantes como a Cargill estariam consultando produtores brasileiros para compras. ‘Vai cair a barreira de importação?’, diz o enunciado.


NÃO PARA A NESTLÉ


No Brasil, o assessor especial do Departamento de Estado para ‘energia alternativa’ disse à Bloomberg que EUA, Brasil e União Européia ‘aceleraram os esforços para criar padrão e tornar o etanol uma commodity’.


Por outro lado, segundo o ‘Valor’, Nestlé, Danone, Unilever e outras multinacionais se uniram, na Europa, ‘contra os planos de fazer do etanol uma commodity’.


EM CAMPANHA


Um mês e meio após sites e telejornais darem por aqui as cenas do ataque covarde aos índios em Roraima, o site da Survival International postou na sexta o ‘extraordinário vídeo’, até com alerta para as ‘imagens perturbadoras’. No final de semana, reproduziu-se por CNN etc.


O RETORNO DO PCC


Josias de Souza e Ricardo Noblat postaram o célebre vídeo de dois anos atrás, em que Geraldo Alckmin se nega a responder sobre o PCC à TV australiana.


E ontem, quando a convenção tucana confirmou a candidatura do ex-governador, o Terra trazia na manchete que o ‘PCC endurece regras’ internas, com longas reportagens sobre a organização a partir de cartas apreendidas pela Administração Penitenciária.’


 


 


REVISTA
Mônica Bergamo


Desembarque


‘A revista inglesa ‘Maxim’ finaliza os preparativos para desembarcar no Brasil. A primeira edição nacional deverá sair em agosto, com um ensaio da atriz Alinne Moraes na capa.’


 


 


TELEVISÃO
Laura Mattos


Prédio histórico de SP abrigará museu da TV


‘Vida Alves, 80, atriz da primeira telenovela nacional e do primeiro beijo romântico da TV no país, agora tem razões para acreditar que finalmente conseguirá realizar seu grande sonho: a criação de um museu da televisão brasileira.


Na próxima segunda, dia 30, será realizada uma festa para celebrar a assinatura de um acordo no qual a Prefeitura de São Paulo cederá um local para abrigar o futuro Museu da TV Brasileira. Deverão estar presentes artistas globais, como a atriz Regina Duarte, dirigentes de emissoras, pioneiros da televisão, a exemplo do ator Lima Duarte (que participou da inauguração da TV brasileira), o prefeito Gilberto Kassab (DEM), o governador José Serra (PSDB) e outros políticos.


A cerimônia acontecerá onde futuramente será criado o museu, um endereço histórico para São Paulo, cidade berço da televisão no país -a primeira transmissão foi a de um show da paulistana TV Tupi, em 18 de setembro de 1950. Trata-se do Complexo do Gasômetro, na região do parque Dom Pedro (Brás, centro da cidade), onde funcionou a empresa responsável pela introdução da iluminação pública na capital paulista.


No local, o galpão principal, uma bela construção de tijolos aparentes, com 3 mil m2, será a área central do futuro museu, de acordo com o pré-projeto apresentado à prefeitura.


A Fundação Padre Anchieta (FPA), que administra a TV Cultura, está à frente da iniciativa. No ano passado, Vida Alves, que há 13 anos lutava para conseguir um local público para criar o museu, obteve o apoio da entidade, administrada majoritariamente com recursos do governo de SP.


A FPA contratou a empresa de produção cultural Base 7 para elaborar um pré-projeto do museu, ao qual a Folha teve acesso. A idéia não é fazer com que o público simplesmente veja televisores e câmeras antigos ou assista a gravações raras, mas que experimente no local o ‘encantamento’ da TV, como explica o jornalista Paulo Markun, presidente da fundação.


‘O objetivo não é só mostrar cenas históricas, mas também figurinos, cenários. Você pode, por exemplo, ter o cenário do Bolinha ao lado de uma tela com cenas do programa’, diz.


Um galpão secundário deverá ser utilizado exclusivamente para os programas infantis, com uma provável reconstituição do cenário do ‘Castelo Rá Tim Bum’, da Cultura, entre outros. Por fim, um galpão nos fundos do terreno deverá abrigar estúdios nos quais os visitantes poderão vivenciar a experiência de fazer um programa da TV. ‘É importante também que o museu reflita sobre as transformações da televisão e pense no futuro’, afirma Markun. Para isso, a idéia é que haja mostras temporárias e um auditório para seminários.


Ainda falta verba


Markun ressalta que ‘o museu não é da TV Cultura’ e está conversando com dirigentes das demais redes para que todas sejam parceiras.


A participação das emissoras é importante não só para que seus acervos, hoje privados, se tornem acessíveis ao público, mas também para viabilizar economicamente o museu.


O projeto tem um orçamento previsto de R$ 25 milhões, segundo o designer e artista plástico Ricardo Ribenboim, da Base 7, que concebeu a primeira idéia do museu, apresentada às TVs. Por enquanto, existe uma verba de R$ 4 milhões do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento), designada para a restauração dos galpões do Gasômetros, antes abandonados. O museu foi formalmente criado por uma lei, proposta pelo vereador Farhat (PTB) – conhecido como ‘advogado do Ratinho’ por atuar no programa trash- e assinada por Kassab em maio. Com isso, pode também contar com orçamento da prefeitura nos próximos anos. Uma previsão otimista, segundo Markun, é que a inauguração seja em 2010, antes do final de sua gestão na Cultura.’


 


 


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Aos 80, atriz cede sua casa para abrigar raridades da televisão e receber o público


‘Em 1995, quando estava com 68 anos, a atriz Vida Alves iniciou sua luta pela criação de um museu da televisão brasileira. Ela fundou a Pró-TV, associação de pioneiros da televisão e transformou sua casa, no Sumaré (zona oeste de São Paulo), em sede da entidade. Com o tempo, passou a reunir no local um acervo com raridades da televisão garimpados com profissionais do meio, entre televisores antigos e 4.000 fotos. Estão com ela o figurino do Capitão 7, super-herói criado na TV Record em 1954, o roteiro de ‘Redenção’, a mais longa novela brasileira, exibida na Excelsior de 1966 a 1968, a primeira câmera da TV Tupi, fotos do show inauguração da TV (como a que está ao lado) e fitas com depoimentos de personalidades, como Dias Gomes (1922-1999) e Walter Avancini (1935-2001).


O que era uma residência particular se tornou um pequeno museu visitado por estudantes, pesquisadores e outros curiosos. A atriz teve de reservar uma pequena área no primeiro andar do sobrado para morar.


‘Foram 13 anos procurando sensibilizar as pessoas de que era importante criar um museu. Não só pela história da TV, mas pela do país. Já dei meu recado ao Markun: se não fizer isso por mim, que se prepare porque vou acertar as contas com ele no outro mundo’, brinca.


Vida Alves estava no show inaugural da TV, em 1950, foi mocinha da primeira novela, ‘Sua Vida me Pertence’, em 1951, na qual deu o primeiro beijo romântico, em Walter Forster. Também esteve na inauguração da TV digital, no ano passado, na Sala São Paulo.


Ela é responsável por redigir 800 biografias de personalidades da televisão, disponíveis para pesquisa no site da Pro-TV (www.museudatv.com.br), além de gravar 130 depoimentos. ‘Só parei porque não havia mais dinheiro’, conta a atriz, que muitas vezes usa parte de sua aposentadoria, do INSS, com as despesas da associação.


Ela se emociona quando pensa que dentro de dois anos todos os quadros e fotos que hoje tomam conta de sua casa irão para outro endereço, o do museu. ‘Quando arrancarem tudo e ficarem só os buracos nas paredes, vou chorar.’’


 


 


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Fogo acabou com parte do arquivo


‘Grande parte da memória da TV brasileira foi destruída em quase 20 incêndios ocorridos nas emissoras ao longo de 50 anos. Além disso, nos primeiros anos, as fitas eram reutilizadas, o que apagou gravações importantes. O desafio das redes é digitalizar seu arquivo para preservá-lo, processo também indispensável para o futuro museu.’


 


 


Daniel Castro


SBT planeja reprisar ‘Ana Raio e Zé Trovão’


‘O SBT está negociando a aquisição das fitas de ‘A História de Ana Raio e Zé Trovão’, novela exibida pela Manchete em 1991 e que substituiu ‘Pantanal’. O SBT quer repetir a história e reprisar ‘Ana Raio’ logo após o final de ‘Pantanal’.


Escrita por Marcos Caruso e Rita Buzzar, e dirigida por Jayme Monjardim, ‘Ana Raio’ teve o mérito de mostrar o universo dos rodeios, então emergente, e de gravar ‘na estrada’, mas, sem tramas bem definidas, revelou-se arrastada. Com 15 pontos no Ibope, não conseguiu manter a alta audiência de ‘Pantanal’ (que bateu nos 51).


Silvio Santos negocia ‘Ana Raio’ com o empresário José Paulo Vallone, de quem comprou ‘Pantanal’. No final dos anos 90, Vallone produziu para o SBT (‘Os Ricos Também Choram’) e para a Record (‘Estrela de Fogo’). Foi executivo da Record e da Globo.


Sem espaço na programação das grandes redes, Vallone decidiu no ano passado investir no acervo da massa falida da TV Manchete. Contratou uma empresa que faz varreduras em jornais oficiais e descobriu um leilão de novelas da Manchete.


Por cerca de R$ 2 milhões, comprou, além de ‘Pantanal’ e ‘Ana Raio’, as novelas ‘Dona Beija’ (1986), ‘Kananga do Japão’ (1989/90), ‘Amazônia’ (1991/92) e ‘Corpo Santo’ (1987) e a minissérie ‘O Canto das Sereias’ (1990). As fitas, algumas bastante emboloradas, estão sendo limpas.


ABORTO


Pior audiência das séries que a Globo estreou neste ano, com apenas 17 pontos no Ibope, ‘Dicas de Um Sedutor’ acaba na próxima sexta. Será substituída por ‘Guerra e Paz’.


EFEMÉRIDE


No ano do centenário da imigração japonesa, a Globo parece ter descoberto o Oriente. Suas próximas novelas se chamarão ‘Caminho da Índia’ (das 21h) e ‘Negócio da China’ (das 18h). E a das sete, ‘Três Irmãs’, terá locações em Bali.


SÓ DÁ ELE


O agora apresentador e cantor Roberto Justus gravou o quadro ‘O Infeliz’, paródia de ‘O Aprendiz’ feita por Tom Cavalcante, na Record. Justus e seu ‘sósia’ Tompete Justus se encontraram na Y&R, agência do publicitário.


ESPAÇO


Após muitas negociações, a Globo conseguiu cinco pontos para instalar câmeras exclusivas na Olimpíada de Pequim. Desses locais (estádio olímpico, parque aquático, complexo de ginástica e quadras de vôlei e vôlei de praia), entrará ao vivo ao término das partidas, entrevistando atletas e técnicos.


FOLCLORE 1


A Band fará uma megacobertura do Festival Folclórico de Parintins. Transmitirá ao vivo, de sexta a domingo, pelo menos cinco horas por dia.


FOLCLORE 2


A Band deslocou para Parintins 80 profissionais. A emissora tem até um barco na cidade do AM. As transmissões, com 12 câmeras, serão em alta definição. Todas as cinco cotas de patrocínio foram vendidas.’


 


 


Cristina Fibe


Rumor cerca fim do 4º ano de ‘Grey’s’


‘Esta segunda-feira abre uma semana cheia de finais de temporada no canal Sony. A menos que a emissora paga mude de idéia, serão exibidos os encerramentos de ‘30 Rock’ (amanhã), ‘Ugly Betty’ e ‘Desperate Housewives’ (ambas nesta quarta), ‘Everybody Hates Chris’ (sexta), entre outros.


Hoje, serão três finais em seqüência: ‘My Boys’ (às 20h), ‘Samantha Who?’ (às 20h30) e um episódio estendido de ‘Grey’s Anatomy’ (às 22h), a bem-sucedida série hospitalar de Seattle (EUA).


Com duas horas, ‘Freedom’ traz a recuperação de Cristina Yang, que ganha o ‘pager brilhante’ da protagonista, Meredith, e volta a operar; os ‘revivals’ desta com McDreamy e de Izzie com Alex Karev; a piora de Rebecca; e o enrosco entre Callie e Erica.


A temporada se encerra no Brasil antes do início das filmagens do quinto ano nos EUA. E com um boato para esquentar a cabeça dos fãs: segundo matéria publicada no ‘New York Times’ há pouco mais de uma semana, a atriz Katherine Heigl, a Izzie, pode não renovar seu contrato e sair da série da ABC.


Ela pediu para ter seu nome retirado das indicações ao Emmy, importante prêmio da TV americana que a agraciou em 2007, por não ter sido dado a ela ‘bom material’ suficiente nesta quarta temporada.


GREY’S ANATOMY – FIM DA 4ª TEMPORADA


Quando: hoje, às 22h


Onde: no canal Sony’


 


 


 


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O Estado de S. Paulo


Segunda-feira, 23 de junho de 2008


 


PUBLICIDADE
Marili Ribeiro


Microsoft busca espaço na propaganda online


‘A guerra pela supremacia da propaganda online está apenas começando, embora o Google, que domina os anúncios em link patrocinado, tenha largado com vantagem nesse negócio. A concorrente Microsoft, que aparentemente perdeu o primeiro round, vem tentando se recuperar. Este ano, durante o Festival Internacional de Publicidade de Cannes, que patrocina há sete anos, apresentou ferramentas de mensuração de anúncios online para seduzir agências e anunciantes a investirem mais no meio digital, e também um centro de estudos, sediado na Europa, para acompanhar o desenvolvimento desse mercado.


‘O serviço de mensuração deles é capaz de analisar cada clique dado pelo internauta, dando informações mais precisas do que ele realmente observou do que foi exposto na página da web’, diz Fernando Taralli, vice-presidente de Estratégia Digital da Young & Rubicam, que vai experimentar o produto no Brasil. ‘Vamos testá-lo com alguns clientes.’


A proposta da Microsoft é dar maior qualificação à construção de marca nas outras formas de anúncios, como os banners, e assim fazer frente ao uso do link patrocinado, que, pela simplicidade operacional, vem sendo chamado de commodity no meio publicitário. Ou seja, realiza a venda, mas não constrói marca. O que a Microsoft propõe, segundo Taralli, é uma resposta ao que o Google oferece ao possibilitar estudos do comportamento do consumidor. ‘Medir a propaganda online tem de ser mais do que uma taxa de volume de cliques’, diz Brian McAndrews, vice-presidente de Advertiser Publish Solutions da Microsoft.


Há menos de um ano na companhia – ele chegou após a aquisição da aQuantive, empresa especializada em endereçar peças publicitárias a públicos dirigidos nos EUA -, McAndrews é um dos defensores da rápida migração do público para os meios online. ‘Os consumidores passam cada vez mais tempo conectados e esse movimento é irreversível’, diz. ‘Essa mudança de comportamento requer também outra forma de se fazer publicidade. Ninguém senta à frente de uma tela para assistir anúncios, se pode escolher o que ver. Diante disso, a propaganda tem mesmo de ser engajada e relevante para reter a atenção’.


O espaço ocupado pela Microsoft em Cannes nos últimos anos tem sido crescente. Em especial, como diz Pedro Cabral, presidente da rede Isobar na América Latina – que no Brasil é dona da Agência Click -, porque os investimentos em publicidade online são ascendentes. No Brasil, embora ainda representem cerca de 4% da verba publicitária total, aumentaram 47% em 2007 na comparação com o ano anterior. Nos EUA, segundo dados divulgados no Festival, a participação da mídia digital fica em torno de 8% do total de investimentos no ano.


Enquanto a Microsoft marca presença há sete anos no Palais des Festivals, onde acontece o Festival de Publicidade, a rival Google tem comportamento oposto. Não mostra interesse por uma aproximação com o pessoal do setor que se reúne em Cannes. ‘Eles sempre dizem que o negócio deles dispensa intermédiários’, diz Cabral.


Mas a crescente presença dos anunciantes no evento justifica maior participação de executivos das empresas digitais. No painel realizado na sexta-feira, que teve Martin Sorrell, CEO do grupo WPP como moderador, representantes do Google, Yahoo, Microsoft e AOL debateram a necessidade de se entender melhor esse consumidor conectado.


Todos falaram em planos e investimentos nessa direção, mas ninguém abriu estratégias de curto prazo para que agências e anunciantes possam construir suas marcas na rede, o que resultou em questionamento de Sorrell, que não vê as verbas de grandes anunciantes, como Unilever e Nestlé, aumentarem nesse segmento.


A presidente do júri de Cyber Lions, a categoria que julga as campanhas criadas para o meio digital, a americana Colleen de Coury, sintetizou os atuais tempos reforçando a idéia de que a tecnologia faz com que o negócio da comunicação viva em constante processo de transição. ‘É assustador, todo dia é um novo dia e isso requer um novo aprendizado’, disse ela.’


 


 


TELEVISÃO
Gustavo Miller


Final de Mina & Lisa


‘Começam nesta quarta-feira, dia 25, as gravações do último episódio da série virtual Mina & Lisa. Produzida pelo grupo Núcleo Virgulino, o seriado brasileiro faz um grande sucesso na web e terá ao todo 24 capítulos.


Na história, a personagem Mina é uma jovem japonesa de 17 anos que está à procura do homem ideal para a sua primeira vez. Junto de sua amiga Lisa, Mina faz uma grande lista de possíveis candidatos que terão direito a tal ‘honra’. O seriado tem um espírito meio Confissões de Adolescente e a cada novo episódio a dupla entrevista o possível príncipe encantado.


Os vídeos são curtos, com cerca de 3 minutos de duração, e chegam a atingir 30 mil visualizações cada um. O diretor de Mina & Lisa, Hélio Ishii, diz que só em agosto a equipe responsável pela série pensará em qual será a temática da 2ª temporada. Provavelmente o foco será em Lisa, pois não se sabe ao certo se ela também é ‘pura’.


O grand finale do seriado virtual irá ao ar na quarta-feira que vem, dia 2, nos endereços : www.youtube.com/user/top10mina ou http://videolog.uol.com.br/top10mina. Só aí se deverá saber se Mina perderá a sua virgindade ou não.’


 


 


LITERATURA
Matthew Shirts


O Brasil está nos apelidos


‘Você nunca mais vai assistir a uma partida de futebol com os mesmos olhos depois do livro Veneno Remédio, de José Miguel Wisnik. Isso se você for um dos leitores, é claro. Como escreve o próprio autor, nos preliminares da obra, não está claro onde eles estão: ‘Em geral, quem vive o futebol não está interessado em ler sobre ele mais do que a notícia de jornal ou revista, e quem se dedica a ler livros e especulações poucas vezes conhece o futebol por dentro.’


Mas sou eu um desses seres híbridos. Aprecio as obras tanto do jogador Neto como as do professor Antonio Candido. E quero crer que, como eu, existam outros. Devorei Veneno Remédio, um ensaio de 450 páginas, com gosto. Fazia tempo, aliás, que não me passava pela frente uma reflexão tão sugestiva e abrangente a respeito da natureza da cultura brasileira.


A proposta do José Miguel é clara: analisar o futebol à luz da crítica literária. Fazer com o ‘esporte bretão’ o mesmo que a crítica universitária faz com Machado de Assis e Guimarães Rosa. Ou seja, dissecar o jogo com ferramentas conceituais e inserir os resultados na discussão geral elaborada ao longo do século 20 por intelectuais como Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Hollanda, Caio Prado Jr. e Antonio Candido.


Discordo do ilustre colega Daniel Piza, nesse sentido, para quem Veneno Remédio é excessivamente barroco. A proposta é mesmo levar a bola para o campo dos universitários e ensaístas. O futebol está para o Brasil como as pirâmides estão para o Egito. Merece fazer parte das mais altas esferas dos nossos estudos culturais.


José Miguel conta a história do futebol no mundo, com ênfase no Brasil e nos seus maiores jogadores, sobretudo os atacantes e meias. Pelé, Garrincha, Rivelino, Ademir da Guia, os Ronaldos e Robinho são alguns dos personagens centrais dessa narrativa. Dialogam com Mário de Andrade e Machado de Assis, entre outros escritores.


A comparação de Macunaíma e Garrincha, dois mitos da nossa cultura, chega a provocar risos. Garrincha consegue ser mais macunaímico do que o próprio Macunaíma. E este último é, afinal, fictício. Como escreve José Miguel, comentando a biografia do jogador: ‘As peculiaridades do acesso inicial à fala, combinadas com o transtorno das noções temporais, a intimidade selvagem com os rios e os bichos, a mistura de reverência respeitosa aos mais velhos com ingovernabilidade incorrigível, a capacidade de desconcertar e seduzir, tudo isso pode ser reconhecido sem dificuldade, também, nas primeiras páginas da saga do ‘herói sem nenhum caráter’.’


Ronaldinho Gaúcho, para dar outro exemplo, é analisado à luz do pós-modernismo. ‘Parece dominar o repertório do futebol a ponto de fazer de toda jogada algo como uma citação… Seus procedimentos constituem-se numa verdadeira antologia da elipse, em que se incluem o elástico de Rivelino, os chapéus de Pelé, a cobrança de falta de Zico, o passe em concha de Ademir da Guia, a finalização por cobertura de Romário, o calcanhar de Sócrates, a folha-seca de Didi, a pedalada de Denílson e da geração 2000.’ O ex-meia do Barcelona é ‘artista de uma época saturada’.


Veneno Remédio discute, ao fim, como o futebol pode contribuir para o entendimento da cultura brasileira, nas suas linhas gerais. É nesse ponto do livro que os apelidos dos jogadores – ‘Pinga ou Bigode, Tostão ou Canhoteiro, Grafite ou Magrão’ – são integrados à noção do ‘homem cordial’, elaborada por Sérgio Buarque de Holanda no clássico Raízes do Brasil. Entendem-se melhor tanto os apelidos como também o homem cordial, uma noção esquiva. Em resumo: o Brasil está nos apelidos. São eles a base da cordialidade. Nunca havia pensado nisso, mas é a mais pura verdade, e uma sacada primorosa.


Terei a oportunidade de mediar uma discussão entre José Miguel Wisnik e outro grande intérprete do futebol, Roberto DaMatta, na Flip, a Festa Literária de Paraty, dia 6 de julho, às 15 horas, na mesa ‘Folha seca’. Apareça.’


 


 


DITADURA


Felipe Recondo


Ministério Público quer levar Lei de Anistia ao STF


‘A Lei de Anistia, 29 anos depois de sancionada, está a caminho de se transformar em um assunto polêmico do Judiciário. Uma série de movimentos do governo e do Ministério Público mostra que mais cedo ou mais tarde o Supremo Tribunal Federal (STF) terá de dizer se a anistia vale para crimes como tortura e assassinato, cometidos durante o regime militar (1964-1985), ou se beneficia exclusivamente acusados de crimes eminentemente políticos, como fechamento do Congresso, censura a jornais por ordem do governo e cassação de parlamentares.


‘Eu tenho dito que em algum momento o Supremo terá de ser provocado e acho que este momento está chegando. É o momento para saber se a lei de 1979 anistia os torturadores, os estupradores, os assassinatos e os responsáveis por desaparecimentos ou não’, afirmou ao Estado o ministro Paulo Vannuchi, da Secretaria Especial de Direitos Humanos.


A declaração de Vannuchi não é voz isolada no governo. O ministro da Justiça, Tarso Genro, já referendou, em discurso, a opinião de que a lei precisa ser revista ou avaliada pelo Judiciário. ‘Se um agente público invade uma residência na ditadura cumprindo ordem legal, isso é um crime político de um Estado de fato vigente naquele momento. Agora, se esse mesmo agente público prende uma pessoa e a leva para um porão e a tortura, esse crime não é um crime político porque nem a legalidade da ditadura permitia tortura. Mas isso teria que ser uma interpretação do Poder Judiciário’, disse Tarso na semana passada.


Somam-se a essas declarações do governo as ações postas em curso pelo Ministério Público Federal em São Paulo, que processa civilmente dois ex-comandantes do Destacamento de Operações de Informações do Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi) – os coronéis reformados do Exército Carlos Alberto Brilhante Ustra e Audir Santos Maciel – e pode acionar penalmente, em todo o País, militares responsáveis por homicídios e desaparecimentos de militantes políticos.


A procuradora Eugênia Fávero, responsável pelas ações civis, explica que o entendimento do Ministério Público é de que a Lei de Anistia não protege esses atos e seus responsáveis. ‘Se nós interpretarmos que a Lei de Anistia favoreceu os autores de atos de torturas que eram integrantes do governo, teríamos na verdade uma auto-anistia, porque a lei foi proposta pelo próprio governo que praticou esses atos. Isso é inválido’, disse. ‘Do ponto de vista jurídico, tanto internacional como nacional, as auto-anistias com essa finalidade são inválidas.’


No âmbito civil, o Ministério Público quer que os dois militares reembolsem a União pelos custos das indenizações pagas às 64 famílias de mortos e desaparecidos políticos, vítimas do DOI-Codi de São Paulo. Penalmente, poderá processar os militares por crime contra a humanidade. Alguns, adianta a procuradora, poderão ser processados por seqüestro, homicídio, ocultação de cadáver e falsidade ideológica.


Esse entendimento, de que os atos praticados seriam de lesa humanidade, é semelhante ao decidido pela Justiça da Argentina e do Chile, que abriram processos contra os responsáveis por crimes na ditadura.’


 


 


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Legislação valeria para militante


‘Ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) adiantam que o entendimento de que a Lei de Anistia não protege crimes como seqüestro e assassinatos valeria igualmente para militares e militantes de esquerda.


Assim como militares poderiam ser acionados judicialmente, militantes de esquerda poderiam igualmente ser acusados de crimes como seqüestro e assassinato. Se o Supremo for de fato acionado, como admitem os próprios ministros, esse entendimento deverá ser ressaltado.


O problema, diz um ministro, é a defesa de integrantes do governo de que os atos praticados pela esquerda não configurariam crime e que somente os militares teriam se beneficiado da Lei de Anistia. Além disso, quatro ministros ouvidos pelo Estado enfatizaram que a palavra anistia significa esquecimento, passar uma borracha no passado. Suscitar essa discussão agora, disse um deles, não seria positivo.


Argentina, Peru e Chile já reviram suas legislações que não imputavam responsabilidade aos militares que atuaram na repressão. Em 2005, a Suprema Corte argentina referendou decisão do Parlamento que aboliu as normas que anistiaram militares. No ano passado, dez ex-comandantes do Exército sentaram no banco dos réus.’


 


 


Fausto Macedo


Memórias da tomada da USP, 40 anos depois


‘Quarenta anos faz hoje da ocupação das Arcadas do Largo São Francisco por uma ruidosa turma de rapazes de cabelos longos e meninas de minissaia, estudantes da Faculdade de Direito da USP.


Era 23 de junho de 1968, um domingo gelado e uma garoa fina caía, quando os rebeldes, uns 80 alunos, de boas famílias, algumas de tradição e alta linhagem, decidiram em assembléia no Centro Acadêmico XI de Agosto tomar o edifício solene do centro de São Paulo.


Seu propósito era desafiar os militares no poder e exigir a reforma universitária – eles repudiavam a gravata e outras etiquetas da cátedra. A campanha arrastou-se por 25 dias e nesse tempo eles se ocuparam de comícios e declarações públicas contra o regime dos generais e o anacronismo do ensino.


Até que a polícia política e a tropa de choque os desalojaram em obediência à severa ordem judicial de reintegração de posse do território sagrado do Direito.


Entrevero não houve, mas 40 estudantes inapelavelmente foram fichados.


Muitos deles, agora sessentões, são juristas e advogados renomados e outros são magistrados de instância superior.


Esta noite eles vão se reunir em um restaurante de São Paulo para comemorar o que reputam um feito e relembrar a grande jornada, que protagonizaram a seis meses do AI-5.


‘Nós queríamos mudanças na reitoria, mas no fundo era uma luta contra a repressão’, declara Henrique Buzzoni, advogado trabalhista, 63 anos, então com 23, organizador de Arcadas no Tempo da Ditadura, um livro que agrupa relatos de 54 personagens e também acontecimentos que se sucederam até 1977, quando Goffredo Telles leu a Carta aos Brasileiros, histórico manifesto contra a censura e o arbítrio.


Ele e Adilson Dallari ficaram encarregados de zelar pela entrada do XI de Agosto, na Rua Riachuelo, fundos da faculdade.


Mais que uma ofensiva policial, eles temiam os ataques mordazes do Comando de Caça aos Comunistas (CCC), bando armado que reprimia violentamente atos contra o governo.


Buzzoni já era faixa preta de judô. E Dallari tinha na cintura um calibre 38, com seis balas, que se dispunha a usar em defesa da causa. No fim daquela tarde, parou em frente um caminhão carregado de tijolos. ‘Chapa, é aqui a entrega?’, perguntou o motorista no endereço errado. ‘Pode descarregar’, apressou-se Buzzoni.


Os tijolos, cobertos de óleo cru, formaram obstáculo quase intransponível – as forças de segurança mantiveram-se à distância por um bom tempo ante a suspeita de que os futuros bacharéis ateariam fogo em tudo.


Mas alguém precisava dar ciência da retirada daquela mercadoria que veio em boa hora. Com estilo e sem remorso, num canto da nota que o caminhoneiro exibiu, Dallari firmou: ‘Recebido. Alfredo Buzaid.’


Buzaid era o diretor da faculdade e depois foi ministro da Justiça no governo do general Médici. Antes da invasão, ele dizia que a São Francisco era ‘uma jóia’.


Depois que os revoltosos foram carregados para fora e deixaram rastro de sujeira e desordem, aviltados os retratos dos notáveis nas paredes, pichações a giz, tinta e óleo combustível (‘É proibido proibir’, escreveram aqui e ali), o diretor protestou diante do ‘doloroso escombro’. A ousadia custou aos estudantes processo administrativo moroso e o impedimento temporário da formatura.


Em 1970, afinal, um professor recebeu os rapazes e as moças e a eles entregou seus diplomas: ‘Vocês são maus alunos, mas vou fazer uma caridade.’ Sidnei Agostinho Beneti ouviu o sermão e pegou o seu certificado. Aos 63 anos, é doutor em Direito Processual e ministro-presidente da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ).’


 


 


Felipe Recondo


‘Essa ferida nunca chegou ao Judiciário’


‘A procuradora Eugênia Fávero está convencida de que é inevitável que o Supremo Tribunal Federal (STF) venha a se manifestar sobre a Lei de Anistia. Ela é autora das ações ajuizadas em São Paulo que processam dois coronéis da reserva ex-integrantes do DOI-Codi. ‘Será uma polêmica grande. Mas isso não é coisa julgada no Brasil. É preciso que o Supremo enfrente essa questão, porque juridicamente, tecnicamente, o que ocorreu no Brasil, no Chile, no Peru e na Argentina se encaixa totalmente no conceito de crime contra a humanidade. E os outros países já reconheceram isso.’


Anistia não significa esquecimento, deixar para trás?


Ainda que façamos uma interpretação política da Lei de Anistia, que muitos juristas que respeitamos fazem, de que a lei seria necessária para uma pacificação nacional, que seria importante para virar uma página da história, isso é um entendimento que desconhece o que internacionalmente se vem ensinando sobre transição de regimes autoritários para regimes democráticos. Esse tipo de interpretação política é, na verdade, uma política de esquecimento. Essa política não contribui para uma democracia sólida porque gera um sentimento de injustiça, de impunidade.


Mas essas ações do Ministério Público não reabrem uma ferida?


Essa ferida nunca chegou ao Judiciário. Não há decisões judiciais no Brasil sobre isso. Não há praticamente decisões judiciais reconhecendo a aplicação da Lei de Anistia, o que é uma coisa muito estranha do ponto de vista mais básico do Direito Penal.


Como isso deveria ser feito?


Deveria existir um processo-crime e, se a pessoa fosse considerada culpada, poderia ser acolhida pela lei que anistiou aquela conduta. Para ser anistiado, é preciso um reconhecimento prévio da conduta. E isso nunca houve com relação a esses crimes.


Se a Lei de Anistia fosse revista, militantes de esquerda poderiam ser processados?


Nós não estamos questionando a Lei de Anistia. Nós entendemos que ela não se aplica aos militares. E se houver o entendimento de que ela se aplica aos militares, seria inválida, porque seria uma auto-anistia. Não há como eu perdoar o meu próprio crime.


Mas alguns ministros do STF disseram que se a Lei de Anistia fosse revista, militantes de esquerda poderiam também ser processados.


Há uma diferença muito grande entre os dois lados. A Lei de Anistia fala expressamente nos atos desses militantes. Eram atos isolados, com potencial lesivo muito menor do que a repressão maciça coordenada na América Latina. Ainda que consideremos que era uma situação de guerra, nem os princípios de uma guerra foram adotados, com o recolhimento dos corpos e entrega ao inimigo. Além disso, é impossível esse entendimento porque os militantes não cometeram o crime de lesa humanidade, por mais graves que tenham sido seus atos.’


 


 


 


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