Wednesday, 24 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

‘Obama é o primeiro presidente digital’

Esta eleição marcou o nascimento de ‘uma força política irresistível’, acredita o autor do clássico Growing Up Digital – The Rise of the Net Generation. Essa força vai dominar e transformar o meio político nos EUA, prevê o estudioso canadense. ‘Em 2015, quando todos eles tiverem idade suficiente para votar, comporão um terço do eleitorado’, calcula.

Em 1996, quando a internet engatinhava, o canadense Don Tapscott detectou um fenômeno. Era o que ele chama de ‘Geração Digital’, pessoas nascidas a partir da segunda metade da década de 80, para quem os avanços tecnológicos são realidade, não conquista. ‘Pela primeira vez, os jovens, e não seus pais, são as autoridades numa inovação central da sociedade.’ Pois essa geração chegou ao poder na última terça, com a posse de Barack Obama, defende o autor, acadêmico e empresário, em entrevista por e-mail à Folha. Mas os jovens fizeram mais do que apenas votar no democrata, segundo Tapscott. ‘Eles entraram para a política, mas no seu tipo de militância política’, disse. Ela envolve militância via site de relacionamento social Facebook, noticiário via site de pequenas mensagens Twitter -e uma cobrança maior e mais imediata.

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O que é ‘crescer digital’?

Don Tapscott – Os jovens de hoje são a primeira geração a amadurecer na era digital. Essas crianças foram banhadas em bits. Diferentemente de seus pais, elas não temem as novas tecnologias, pois não são tecnologia para eles, mas realidade. Eu os chamo de Geração Net. Sua chegada está causando um salto geracional -eles estão superando os pais na corrida pela informação. Pela primeira vez, os jovens, e não seus pais, são as autoridades numa inovação central da sociedade. Essa geração está tomando os locais de trabalho, o mercado e cada nicho da sociedade, no mundo todo. Está trazendo sua força demográfica, seus conhecimentos de mídia, seu poder de compra, seus novos modelos de colaboração e de paternidade, empreendedorismo e poder político. Eles são ‘multitarefeiros’, realizam várias atividades ao mesmo tempo. Para eles, e-mail é antiguidade. Eles usam telefone para mandar textos, navegar na internet, achar o caminho, tirar fotos e fazer vídeo -e colaborar. Eles entram no Facebook sempre que podem, inclusive no trabalho. Mensagem instantânea e Skype estão sempre abertos, como pano de fundo de seus computadores. O adulto típico de meia-idade de hoje cresceu assistindo a cerca de 22 horas de TV por semana. Mas só assistia. Quando a Geração Net vê TV, trata-a como música ambiente, enquanto busca informação, joga games e conversa com os amigos on-line. Os ‘digitais’ representam um desafio para todas as instituições. Para o governo, são desafio como consumidores dos serviços mas também como cidadãos que querem se envolver no processo democrático. Como consumidores, são muito mais exigentes que seus pais e estão acostumados a um serviço personalizado e rápido. Como empregados, seu instinto contraria práticas tradicionais do ambiente de trabalho.

O sr. disse que o cérebro deles se ‘conecta’ de outra forma.

D.T. Pesquisas mostram que o cérebro pode mudar ao longo da vida, estimulado pelo ambiente. Os cérebros das crianças podem mudar em um grau muito maior do que os dos adultos, mas esses também podem mudar -e mudam. Há muita controvérsia ainda, mas os primeiros indícios sugerem que a exposição constante a estímulos de tecnologias digitais, como games, pode mudar o cérebro e a maneira como ele percebe as coisas, torná-lo mais atento e acelerar seu processamento de informação visual. Não só jogadores de game são mais atentos visualmente como têm habilidade espacial mais desenvolvida, o que pode ser útil para arquitetos, engenheiros e cirurgiões. Além disso, vejo que em média o ‘digital’ é mais rápido para mudar de tarefa do que eu e mais rápido para achar o que procura na internet. Embora esse tipo de pesquisa esteja engatinhando ainda, e não seja conclusiva, há indícios cada vez maiores. Os ‘digitais’ parecem incrivelmente flexíveis, adaptáveis e habilidosos ao lidar com diversos meios de informação.

Nesse sentido, podemos chamar Barack Obama de primeiro presidente digital? Quais as implicações da eleição dele nessa geração?

D.T. Sim, acho que Obama é o primeiro presidente digital. O aumento do voto jovem foi crucial para seu sucesso. Mas os jovens fizeram mais do que apenas votar em Obama. Eles entraram para a política, mas no seu tipo de militância política. Usam Facebook para compartilhar informação, levantar dinheiro e organizar comícios num ritmo fenomenal. Usam YouTube, que ainda estava em sua infância em 2004, para alcançar milhões de eleitores via vídeo e música. Suas mensagens no Twitter transformaram o ciclo noticioso. Esta eleição marca o nascimento de uma força política irresistível que vai dominar e transformar os EUA. Em 2015, quando todos eles tiverem idade para votar, serão um terço do eleitorado. Têm na ponta dos dedos a internet, a ferramenta mais poderosa para informar, organizar e mobilizar. Além disso, sabem usá-la efetivamente, ao tomar a iniciativa e se comunicar diretamente entre eles para organizar atividades, em vez de esperar passivamente por notícias eleitorais vindas dos QGs de campanha. Essa faixa etária de público não aceitará um tipo de governo tradicional e será excepcionalmente exigente. Vai querer se envolver no ato de governar, ao contribuir com ideias antes que as decisões sejam tomadas. Também vai insistir na integridade dos políticos eleitos; se esses disserem uma coisa e fizerem outra, eles usarão suas ferramentas digitais para checar e espalhar o que descobrirem.

O sr. acha que economias emergentes como o Brasil têm chance de acompanhar as inovações digitais de economias avançadas? Ou há um ‘vácuo digital’?

D.T. Países em desenvolvimento podem não acompanhar as inovações no mesmo ritmo, mas certamente conseguirão reduzir o vácuo. A economia digital oferece uma oportunidade sem precedentes para a criatividade e o empreendedorismo para pequenos e médios negócios. A acessibilidade crescente de ferramentas exigidas para colaborar, criar valor e competir permite que as pessoas participem na inovação e na criação de riquezas em todos os setores. Novas infraestruturas de negócios de baixo custo -da telefonia via internet à terceirização global de plataformas- permitem a pequenas empresas criar produtos, acessar mercados e satisfazer consumidores de modos que só grandes corporações conseguiam antes. Países em desenvolvimento precisam entender as mudanças no setor privado global e desenvolver estratégias para negócios de todos os tamanhos para aproveitar as chances.

Como a atual situação econômica afeta o que o sr. chama de ‘wikinomics’? Esse tipo de atividade pode ajudar no combate à crise financeira?

D.T. A colaboração no setor de serviços financeiros é fundamental para superarmos a atual crise. A indústria precisa de um novo modelo operacional, construído nos quatro princípios da ‘wikinomics’: transparência, cooperação, compartilhamento de propriedade intelectual e ação global. Isso é factível e disponível num mundo digital. Chamemos de Gerenciamento de Risco 2.0.

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‘Digitais’ formam exército ‘Obama 2.0’

Quando Don Tapscott chama Barack Obama de primeiro presidente digital, o estudioso canadense não está usando apenas uma frase de efeito.

Até a conclusão desta edição, cerca de meio milhão de pessoas havia assistido no YouTube ao programa semanal de Barack Obama de sábado, sua estreia como presidente empossado. É o primeiro pronunciamento do tipo posto simultaneamente no endereço oficial do governo americano e o no site para compartilhar vídeos.

Sob Bill Clinton (1993-2001), entrou no ar o primeiro site da Casa Branca, em outubro de 1994. George W. Bush (2001-2009) foi o primeiro presidente a ter de aposentar o e-mail pessoal ao chegar ao poder, em janeiro de 2001 (G94B@aol.com, suas iniciais e o ano em que se elegeu governador no Texas).

Em termos tecnológicos, Obama foi pioneiro em todo o resto. Não só por conta do pronunciamento no YouTube ou pelo fato de sua escolha de vice ter sido comunicada por mensagem de celular. Depois de muita luta, o democrata conseguiu levar seu celular multitarefa para a Casa Branca, feito inédito. O aparelho, um BlackBerry, está sendo adaptado para seguir as normas de segurança do governo, e as mensagens serão recebidas e enviadas para uma lista autorizada.

Quer dizer, mesmo que o endereço caia na rede, quem escrever ao presidente terá a mensagem recusada. Além disso, os e-mails serão projetados -uma cópia em imagem do original-, para evitar que sejam reencaminhados a destinatários não-autorizados. E a lista de remetentes tem de passar pelo crivo do departamento jurídico da Presidência.

De qualquer maneira, como disse o próprio Obama, será uma maneira de furar a ‘bolha’ em que o líder é colocado tão logo faz o juramento. A equipe que chega ao poder com ele também faz seus furos na redoma oficial. Mais da metade dos funcionários que Obama leva para a Casa Branca e o prédio executivo anexo são mais novos que o presidente, aos 47 o quarto mais jovem da história.

Esse time de ‘digitais’ quer continuar a frequentar sites como Facebook, LinkedIn, Twitter, MySpace, YouTube, todos proibidos pelo sistema de segurança do Executivo. Não é uma questão só de lazer, mas um hábito de trabalho. Essa mesma equipe, quando na campanha do então candidato democrata, arregimentou um exército digital de 13 milhões de nomes.

A lei proíbe que o presidente faça uso dessa cobiçada lista de e-mails, daí o então presidente eleito ter criado dias antes de assumir a organização ‘Obama 2.0’, para os abrigar. Esta será ligada ao comando do Partido Democrata e convocará a lista sempre que a agremiação julgar necessária uma mobilização -digamos, a favor de uma lei apoiada pelo presidente ou contra um grupo político que emperra no Congresso uma medida de seu interesse. (S.D.)

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Jornalista, correspondente da Folha de S.Paulo nos EUA