Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Para consolidar um centro de referência de pesquisa em Jornalismo

No dia 6 de agosto, o primeiro curso de mestrado específico em Jornalismo do Brasil inicia efetivamente suas atividades. Qual o caminho percorrido até torná-lo realidade? Por que construir e viabilizar este mestrado? Quais suas linhas de pesquisa? Quais seus desafios? Para responder a estas e outras questões, convidamos o coordenador do Programa de Pós-Graduação em Jornalismo da UFSC, pesquisador do CNPq e um dos principais batalhadores por este mestrado, o professor Eduardo Meditsch.

Jornalista formado pela UFRGS, Meditsch tem 33 anos de profissão, ao longo dos quais colecionou um currículo invejável. Trabalhou nas rádios Continental, Gaúcha e Guaíba, na TV Guaíba e no jornal Folha da Tarde, todos de Porto Alegre, e também na Rádio Jornal do Brasil e na TV Educativa, do Rio de Janeiro. Foi crítico de rádio no jornal Público, em Lisboa. Escreveu as normas de redação das rádios Gaúcha e Jornal do Brasil, na década de 1980, e recebeu vários prêmios no jornalismo.

Eduardo Meditsch foi membro da Comissão Nacional de Ética da Fenaj. Publicou os livros O Conhecimento do Jornalismo; Rádio e Pânico: A Guerra dos Mundos 60 anos depois, Rádio na Era da Informação e Teorias do Rádio: textos e contextos. Tem trabalhos acadêmicos publicados em vários países e participa do conselho editorial de revistas científicas de comunicação do Brasil, América Latina, Portugal e Espanha. Em 2003, recebeu o Prêmio Luis Beltrão de Ciências da Comunicação, da Intercom, na categoria Liderança Emergente.

Na área acadêmica, sua experiência também o credencia para o diálogo com os participantes desta entrevista. Com mestrado na USP e doutorado na Universidade Nova de Lisboa, Meditsch coordenou o Núcleo de Pesquisa em Rádio e Mídia Sonora da Intercom e foi fundador e primeiro diretor-científico da Sociedade Brasileira dos Pesquisadores de Jornalismo (SBPJor). Atualmente, é também coordenador do Grupo de Estudos em Jornalismo da Associação Latino-americana dos Pesquisadores da Comunicação (Alaic).

Feita a devida apresentação, vamos à entrevista.

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Professor, antes de passarmos às perguntas de nossos participantes, poderia nos contar quais as premissas que sustentaram a necessidade de criação deste primeiro curso de mestrado em Jornalismo no Brasil?

Eduardo Meditsch – Em primeiro lugar, é preciso lembrar que já houve um mestrado (e doutorado) em jornalismo na Universidade de São Paulo, no período em que a pós-graduação da ECA esteve sob a liderança do professor José Marques de Melo, que procurou reforçar esta identidade nos anos 80. Com a aposentadoria dele, o grupo que sustentava a proposta começou a perder hegemonia internamente e, nas sucessivas reformas por que passou a pós, o jornalismo foi perdendo terreno, deixando de ser uma área de concentração e, mais recentemente, até de ter linhas de pesquisa específicas. Com isso, só restou identidade para esta área de interesse acadêmico na experiência da Universidade de Brasília, que criou e mantém há vários anos no seu mestrado e doutorado em comunicação uma linha de pesquisa chamada ‘Jornalismo e Sociedade’. O que é muito pouco para um país no tamanho do Brasil, com dezenas de milhares de jornalistas atuando na área, mais de seiscentos cursos de comunicação, grande parte deles com habilitação em jornalismo, e agora com trinta programas de pós-graduação stricto sensu (mestrado e doutorado) na área de comunicação.

O principal objetivo de um mestrado é a formação acadêmica: formar professores que vão atuar na graduação e pesquisadores que vão atuar ali e também na pós, produzindo conhecimento novo sobre seu campo de especialidade. O que se observa no Brasil é que, pela ausência de programas e linhas de pesquisa específicas, muitos jornalistas que buscam formação acadêmica têm que se desviar de seu foco de interesse para obter a titulação necessária à carreira na universidade. Vários se afastam tanto de seu objeto de estudo neste processo e, quando voltam a atuar como docentes, principalmente nas disciplinas chamadas técnicas, se tornaram mais desinformados e desatualizados sobre aquilo em que deveriam ter se aperfeiçoado na pós. É um desvio muito grande, provocado pela maneira como se desenvolveu historicamente a área de comunicação, marcada pela ruptura da teoria com a prática e por um mergulho nas ciências humanas puras que a afasta cada vez mais da sua função de ciência aplicada.

O segundo objetivo de uma pós-graduação é a produção de conhecimento propriamente dita, e nunca a atividade jornalística precisou tanto da ciência como neste momento de profunda e acelerada transformação, incerteza e abertura de novas possibilidades. A pós pode e deve funcionar como centro de pesquisa, produzindo conhecimento novo que responda às questões suscitadas pela prática. É certo que temos excelentes pesquisadores do jornalismo atuando na maioria dos programas de pós em comunicação no Brasil, mas eles também são obrigados a um certo desvio para se adequarem às linhas de pesquisa de suas instituições – quando não são específicas de jornalismo – e isso é um obstáculo não desprezível para o desenvolvimento da nossa área.

Há muito tempo a UFSC tem uma posição crítica em relação a este processo e por isso optou por criar um mestrado especializado em jornalismo. Não foi um processo fácil. Inicialmente, recebeu resistência dentro do próprio departamento, que se dividiu sobre o tema, e enfrentou forte campanha contrária de lideranças nacionais importantes da área acadêmica: por tudo isso demorou para sair. Mas se viabilizou pela persistência e pela coerência da proposta, que é fiel ao jornalismo e ao mesmo tempo atende a todos os requisitos formais exigidos pela Capes, o órgão do Ministério da Educação que regulamenta e avalia a pós-graduação, e que é cada vez mais exigente.

É de se ressaltar, no entanto, que a aprovação do curso foi feita, em primeira instância, pelo comitê da Área de Comunicação na Capes, o que mostra uma evolução da própria área, no sentido de admitir a diversidade de perspectivas em seu interior. E abre caminho para que outros mestrados e doutorados em jornalismo surjam nos próximos anos, atendendo à mesma demanda que, certamente, só a UFSC não conseguirá atender. Na nossa primeira seleção, conseguimos abrir apenas dez vagas, e já recebemos 56 candidatos vindos de nove estados brasileiros e dois de outros países latino-americanos, mesmo com uma divulgação bastante restrita do curso.

Há quanto tempo vinha se gestando a proposta de criação do mestrado e por que só agora ele está sendo viabilizado, uma vez que a criação dos cursos de graduação em Jornalismo, ou Comunicação Social com habilitação em Jornalismo, já ocorre no país há muito tempo?

E. M. – Quase desde o seu início, nos primórdios dos anos 1980, o grupo que fundou a área de Jornalismo na UFSC já pensava em ‘criar uma Escola, mais do que um Curso’, no sentido de uma escola de pensamento, como propunha Daniel Herz, com uma visão ao mesmo tempo crítica em relação ao modelo dominante de ensino de comunicação e empreendedora, capaz de transformar utopia e realidade. Com esse projeto, ele conseguiu atrair gente como Adelmo Genro Filho, que foi para lá semear as bases de uma teoria do jornalismo que afirmava a sua especificidade e que serviu de alicerce para um projeto pedagógico na graduação que, pelo sucesso alcançado, e pelo reconhecimento nacional que obteve, colocou mesmo em tensão o modelo tradicional que se propunha a criticar.

Não sei se a UFSC segue ainda sendo o único curso ‘100% de jornalismo’ no Brasil, mas é provável que sim, pois são vários os motivos que levam os outros a se acomodarem no formato de ‘habilitação’. Mas o padrão que criou serve de referência tanto para a Fenaj quanto para o Fórum Nacional de Professores de Jornalismo, que em congressos recentes apontaram este modelo como o mais indicado para a formação profissional.

Daniel Herz e Adelmo infelizmente já se foram, mas este reconhecimento nacional, que se mantém já há vários anos, sustentado pelo suor e o talento de uma equipe que reúne mais gente de valor, identificada com os valores da profissão, conseguiu atrair outros grandes nomes da pesquisa em jornalismo para a UFSC, como o professor Nilson Lage, na década de 1990, e o presidente da SBPJor, Elias Machado, mais recentemente, que vieram ajudar a construir a nossa pós.

A viabilização do mestrado, no entanto, requeria mais do que a presença dessas pessoas, devido às dificuldades políticas internas e externas, ao estrangulamento da universidade pública – principalmente no governo FHC, que por oito anos nos impediu de fazer qualquer contratação, até para repor as perdas de pessoal – e às crescentes exigências acadêmicas da Capes para aprovar novos cursos de pós.

A criação deste mestrado foi um projeto de longo prazo que consumiu pelo menos dez anos, passando pelo investimento na titulação de nossos professores, no convencimento para que pesquisassem mais e na área específica, na criação de um grupo de pesquisa registrado no CNPq em 2000, na realização de quatro edições de um curso de especialização, na criação da revista Estudos em Jornalismo e Mídia, em 2004, na publicação da produção dos docentes, na parceria com o Sindicato, a Fenaj e as empresas jornalísticas da região, no início de intercâmbios internacionais, principalmente com Portugal, e também na participação da construção do FNPJ e da SBPJor, que representam hoje um forte respaldo nacional para a área acadêmica do Jornalismo, antes inexistente.

Criadas essas condições, estamos podendo começar agora o mestrado em Jornalismo e esperamos estar abrindo caminho para outras instituições criarem projetos semelhantes. De nossa parte, iniciamos também agora a caminhada em direção à criação do doutorado – o que pode levar mais uns bons anos, pois as exigências acadêmicas são ainda maiores – com o objetivo de realizar o sonho de Daniel, de criar ‘uma verdadeira escola’, consolidando em Florianópolis um centro de referência importante pesquisa em jornalismo.

Antônio José de Oliveira quer saber que enfoque será dado neste primeiro curso de mestrado em jornalismo? O investigativo? O científico? O factual? Você poderia, também, nos falar um pouco sobre qual a estrutura do mestrado e a qualificação de seu corpo docente?

E. M. – O curso da UFSC não é exatamente um mestrado profissional, modalidade já admitida pela Capes que teria por objetivo aperfeiçoar a formação de graduados para atuarem no mercado de trabalho. É um mestrado acadêmico, voltado para formar docentes e pesquisadores. Por isso, não tem foco específico nessas especializações do jornalismo que você cita, embora possa eventualmente pesquisá-las, dependendo dos projetos dos professores e alunos envolvidos com o curso.

O foco do mestrado da UFSC segue lógica diferente. Sua área de concentração é o estudo do jornalismo numa perspectiva bem ampla e plural, o que pode parecer muito aberto para quem lida com a atividade, mas ainda assim é um progresso, por ser fechada no jornalismo, já que as perspectivas das outras pós em comunicação em geral são muito mais abertas. Estamos iniciando o curso com duas linhas de pesquisa, que representam a capacidade de pesquisa docente no momento de criação do mestrado. A primeira, ‘Fundamentos do Jornalismo’, se preocupa em localizá-lo no mundo, numa perspectiva conceitual e histórica, e na de suas interfaces com outras instituições sociais e criações culturais. A segunda, ‘Processos e Produtos Jornalísticos’, se ocupa da análise dos mesmos, de seu funcionamento interno, com ênfase nas transformações em curso provocadas pela mutação tecnológica.

Quanto à estrutura, cada uma dessas linhas está organizada em torno de um grupo de pesquisa que tem a participação de um núcleo de pesquisadores e dos alunos que esses orientam. O mestrado pode ser feito no prazo de um a dois anos, no primeiro dos quais é aconselhado ao aluno cursar as disciplinas, gerais e da sua linha, e no segundo realizar a sua pesquisa, escrever e defender a dissertação. As informações mais detalhadas sobre a estrutura do curso e o seu corpo docente estão disponíveis neste endereço.

Quanto aos docentes, temos representantes de três gerações de professores, desde nosso titular, Nilson Lage, que se aposentou mas segue atuando no mestrado, passando pelos professores associados, como eu, que representam o ‘grupo histórico’ da UFSC, e chegando às contratações mais recentes, que incluem pesquisadores já bastante conhecidos nacionalmente, como o Elias Machado, entre outros que se doutoraram há menos tempo, mas já têm produção científica expressiva. Todos são jornalistas que se doutoraram em várias áreas e instituições e todos possuem produção relevante sobre jornalismo, anterior à criação do mestrado. Além dos oito professores que compõem o corpo docente inicial do mestrado, o Departamento de Jornalismo da UFSC já tem mais seis outros doutores formados e igual número de doutorandos em seus quadros, que se preparam para se incorporar à pós num futuro próximo.

Roseane Arcanjo Pinheiro, pesquisadora da Associação Maranhense de Imprensa e mestre em Comunicação Social pela Universidade Metodista de SP, pergunta de que forma o mestrado em Jornalismo fará a articulação entre a produção científica na área, as transformações no mundo do trabalho e as demandas da sociedade, que exigem um profissional em permanente formação para que possa lidar com a velocidade crescente no processo de produção da notícia, com o papel de interlocutor em um cenário de desigualdades e com as tecnologias cada vez mais sofisticadas?

E. M. – Mais do que uma pergunta, a questão propõe um desafio à altura da importância do jornalismo num país com a complexidade do Brasil. Certamente, articular a produção científica com o mundo do trabalho e as demandas da sociedade é um programa não apenas para o nosso mestrado, mas para toda a Universidade brasileira. Nessa perspectiva, pretendemos, sem dúvida, contribuir para ele, mas temos consciência de nossas limitações, que são muitas, pois começamos como um curso pequeno. Um primeiro passo é procurar se manter a par do que ocorre nestes três mundos (o da produção científica, o profissional e o social), e não se deixar fechar dentro dos muros da universidade, alheios ao resto, como infelizmente ocorre tanto. Ainda neste semestre, marcando a criação do mestrado, estamos programando o I Simpósio de Pesquisa Avançada em Jornalismo na Região Sul, que pretende enfrentar essas questões não apenas no debate, mas também no encaminhamento de parcerias que possibilitem ações concretas para o seu enfrentamento. Mas, certamente, resultados deste quilate são difíceis de apurar a curto prazo, e estamos apenas começando.

Iran Rosa de Moraes, que trabalha na Assessoria de Imprensa da Prefeitura de Lages (SC), considera que expandir o ensino de qualidade é uma premissa para o desenvolvimento do Brasil. E faz alguns questionamentos: há possibilidade de se oferecer um curso de mestrado em jornalismo através de curso via satélite, de tele-aulas? O que impede a implantação de tais cursos, já que a tecnologia hoje em dia permite isto? Ele acredita que esta seria uma forma de democratizar o sistema de ensino e eliminar pré-requisitos tais como ‘proficiência em língua inglesa’.

E. M. – A UFSC vem multiplicando o seu raio de atuação através de pólos de ensino à distância espalhados por todo o estado de Santa Catarina. Essa infra-estrutura e o domínio da tecnologia e do know-how do ensino à distância, cada vez mais fortes em nossa universidade, abrem muitas perspectivas para a atuação da área de jornalismo, principalmente na formação permanente, que se torna cada vez mais necessária, em especial para os profissionais que optam pela vida mais saudável, mas ao mesmo tempo mais isolada do interior.

Desde o anúncio da criação do curso, temos recebido consultas sobre a possibilidade de sua realização à distância, que chegaram aos colegas do Observatório da Imprensa e nos foram repassadas, e que também têm chegado diretamente a nós, vindas, por exemplo, do Rio de Janeiro, do Maranhão e do Amapá. A possibilidade de um mestrado à distância está dada pela tecnologia, mas, por enquanto, não pela legislação. A Capes não permite ainda esta modalidade de mestrado que, no entanto, já é aceita para graduação e pós-graduação lato sensu, como MBA e Especialização.

A única possibilidade para a realização do mestrado em Jornalismo da UFSC em outra cidade ou estado, no momento, seria a de um mestrado interinstitucional, que já é regulamentado pela Capes. Para que se concretizasse, no entanto, seria necessário o interesse de uma instituição do local onde se daria o curso, que atendesse às exigências da Capes, para realizá-lo em parceria com a UFSC. Além disso, precisaríamos ter pernas para realizar o curso em dois lugares ao mesmo tempo, o que por enquanto, neste início, com uma equipe reduzida, nos é ainda impossível.

Quanto à exigência de proficiência em inglês, é uma norma de toda a UFSC para os seus mestrados que se deve ao fato de grande parte da literatura científica mais importante ser publicada atualmente nessa língua (nós mesmos, da SBPJor, estamos publicando nossos trabalhos em inglês na Brazilian Journalism Research para participar deste diálogo internacional). Como o mestrado se destina a formar professores e pesquisadores, se isso de fato não democratiza o seu ingresso, por outro lado democratiza a disseminação deste conhecimento, restrito ainda pela questão da língua, através da atuação profissional futura dos seus egressos.

Ari Junior, também de Lages, quer saber se com a realização ou promoção do primeiro mestrado em jornalismo no Brasil há uma idéia ou meta de ampliar os mestrados oferecidos na área em outros lugares. É possível tê-lo em algumas cidades do interior?

E. M. – Creio que já respondi parcialmente à pergunta na anterior, no que diz respeito à possibilidade da equipe do mestrado da UFSC levá-lo ao interior do estado. Acrescentaria apenas que é bastante provável o surgimento de outros mestrados da área, em cidades de nosso estado ou no interior de outras unidades da federação. Entre os muitos cursos de graduação que estão sendo criados por todo o país, vários têm equipes docentes com qualidade para isso. Como nós, eles vão demorar um tempo para amadurecer os seus projetos e criar as condições necessárias para enfrentar a dura avaliação da Capes. Mas a aprovação do mestrado da UFSC está encorajando professores ligados à profissão a pensar e propor outros mestrados em Jornalismo, e tenho conhecimento de que já há processos em andamento pelo menos no interior de São Paulo.

Renata Mello, de Vitória, diz que gostaria muito de fazer mestrado em jornalismo. Qual procedimento?

E. M. – Renata, a tua pergunta me dá a possibilidade de falar de um tema importante, de que me dei conta nesta nossa primeira seleção para o mestrado que acabamos de realizar. Muitos candidatos, com excelente currículo profissional e retrospecto escolar brilhante, ficaram de fora, eliminados pela prova de inglês, pela prova de teoria do jornalismo ou pelo projeto de pesquisa, na competição com os outros. Nas instituições públicas como a UFSC, é quase um novo vestibular (foram 5,6 candidatos por vaga), uma concorrência muito grande, na medida em que a vida acadêmica vira uma opção de mercado, mais cedo ou mais tarde, para quase todo profissional de jornalismo. Muitos colegas jornalistas, que têm currículos invejáveis e estão há anos longe da universidade, na correria das assessorias e das redações, pensam então em fazer o mestrado para voltar a estudar e ingressar na vida acadêmica. Mas, no processo de seleção, descobrem que não estão preparados para o que os espera: na verdade, seria preciso voltar a estudar antes, para fazer o mestrado depois, ou vão ficar em desvantagem na seleção, muitas vezes em relação a recém-formados na graduação. Embora tenham um potencial excelente como pesquisadores, pela experiência profissional acumulada.

Certamente isso demanda um aperfeiçoamento dos nossos processos de seleção, mas a flexibilidade que os programas de pós podem ter em relação ao rigor acadêmico é pequena porque eles mesmos estão sob constante processo de vigilância pela Capes, cujos critérios são muito duros e valem tanto para um doutorado em física nuclear, matemática avançada, engenharia aeronáutica, filosofia clássica ou jornalismo.

Por isso, é importante a conscientização dos eventuais candidatos para a necessidade de uma preparação prévia: o mestrado não funciona como um curso de atualização para quem ficou fora da universidade por muito tempo (papel que cabe mais à pós-graduação lato sensu); é antes um curso avançado para quem está pronto para a pesquisa científica numa área da qual já tem domínio. E este ‘estar pronto’ passa, em primeiro lugar, por saber estruturar um projeto de pesquisa, com todos os seus elementos (definição do problema, justificativa, bases teóricas, metodologia etc.), o que é um planejamento essencial para que ele dê resultado.

Além da leitura em inglês, exigida por quase todas as universidades (principalmente as públicas, onde a concorrência é maior), é preciso se atualizar em relação à literatura técnica e científica da área. Há colegas que ainda pensam que, como dez ou vinte anos atrás, continua não havendo quase bibliografia disponível sobre muitos aspectos do jornalismo, especialmente sobre o que pretendem pesquisar. E aí, em seus projetos, se propõem muitas vezes a ‘inventar a roda’. Mas o problema, hoje, é exatamente o inverso: há excesso de bibliografia sobre quase tudo, tanto no Brasil quanto no exterior. É preciso acessar esta bibliografia, conhecer e selecionar.

Um bom atalho, para quem pretende começar, quando já tem um curso, uma linha de pesquisa e um possível orientador em mente, quaisquer que sejam eles, é ir atrás da bibliografia produzida por essa pessoa, referenciada por ela e usada nos seus cursos, o que é fácil de averiguar com um mínimo de leitura e consulta na internet. Como este possível orientador, por obrigação profissional, já aferiu a bibliografia existente, partir de suas referências pode ser um diferencial importante.

Um segundo aspecto a considerar, relacionado a este, é que um curso de pós se organiza sobre linhas de pesquisa, isto é, se prepara para atuar em algumas áreas bem determinadas, sobre alguns temas, com algumas referências teóricas e com algumas metodologias que domina. Um projeto que considere o que já é feito pelo grupo e pelo possível orientador, que parta disso, acrescentando alguma coisa – principalmente baseada na reflexão e na experiência do candidato – será sempre bem recebido. Por outro lado, podem aparecer projetos brilhantes que uma determinada pós tenha dificuldade em assumir porque não trabalha com aquele objeto, com aquelas referências ou com aquele enfoque. A pressão que a pós recebe por parte da avaliação da Capes, que tem mais a ver com a lógica de outras ciências mais tradicionais, que caminham no sentido de uma extrema especialização, obriga a que se especialize também, e muitas vezes tenha que descartar o que foge à sua especialidade para não ser prejudicada, por falta de coerência, nesta avaliação.

Outro aspecto é que muitos candidatos deixam de fazer valer a sua experiência profissional – por exemplo, com quinze anos de reportagem política em jornal, na hora de fazer o projeto, a pessoa se propõe a estudar jornalismo cultural, ou a interatividade no jornalismo online. Aí, se arriscam também a inventar a roda numa área que não dominam, ou se equiparam com candidatos recém-formados, talvez mais atualizados nestes temas, enquanto poderiam trazer uma contribuição importante para a ciência jornalística com o conhecimento acumulado da vida real em sua especialidade. Ou, num outro extremo, conta apenas com essa experiência vivida para fazer o projeto, ignorando as dezenas de artigos e livros já publicados no meio acadêmico sobre o mesmo tema. Certamente, nesta literatura acadêmica, há muita coisa séria e também muitos equívocos – escritos por quem, às vezes, está longe da realidade, e quem tem a experiência prática pode apontar isso com autoridade, desde que se dedique a ler e fazer a crítica.

A observação destes aspectos já é um grande começo para um projeto sólido, que pode se tornar competitivo numa seleção.

Diogo Honorato, estudante de Jornalismo da UFSC, pergunta que medidas os professores do mestrado em Jornalismo estão tomando para que as atividades do mestrado não afetem a qualidade de ensino de graduação, uma vez que, segundo ele, é comum entre os cursos de pós-graduação que os professores acabem se sobrecarregando.

E. M. – Caro Diogo, a tua preocupação é legítima, como aluno de uma graduação que a partir de agora vai dividir seus recursos humanos e materiais com o novo mestrado. Mas, para atenuar este choque, que sem dúvida mexe com nossa rotina, tivemos a precaução de experimentar este compartilhamento, por alguns anos, oferecendo as quatro edições do curso de especialização que preparou o mestrado. E a graduação da UFSC não só sobreviveu à experiência neste período (desde 2000), como continua cotada como uma das melhores do país.

A partir da observação da experiência de outras instituições, e de outras áreas acadêmicas na nossa própria instituição, os professores do mestrado em Jornalismo têm claro que a criação de uma pós stricto sensu pode contribuir muito para a elevação do nível da graduação, mas que isso não acontece automaticamente. Por outro lado, a criação do mestrado pode mesmo atrapalhar a formação profissional da graduação, se não houver um planejamento racional que acentue a simbiose dos projetos, em vez de estabelecer uma simples competição pelos recursos. Por isso, há mais de dois anos temos discutido a atualização e a adaptação à nova realidade de nosso projeto pedagógico no colegiado do curso de graduação, e esse trabalho precisa avançar e ser concluído o mais rápido possível.

De qualquer forma, há uma mudança de rotina em nossa instituição que, como toda mudança, gera alguma tensão até uma nova acomodação, o que você expressa bem. Sem dúvida, o sucesso nessa travessia depende dos professores do mestrado, que são todos também professores da graduação; depende também dos professores da graduação que ainda não participam do mestrado; depende ainda da articulação entre as coordenações dos dois cursos; do diálogo entre seus corpos docentes e discentes; e, sobretudo, depende da gestão do Departamento de Jornalismo, a que estamos todos subordinados e que tem a missão de articular isso conforme os compromissos maiores e os objetivos da instituição. De minha parte, acredito que o profissionalismo da equipe que fez o Jornalismo da UFSC se tornar o que é, e que já foi demonstrado tantas vezes, tende a prevalecer novamente.

Valeu, Eduardo, obrigado por sua participação. A próxima edição da Coletiva da Federação será com Antônio Pereira da Silva, diretor do Sindicato dos Jornalistas de Alagoas. Ele abordará a experiência da ocupação do jornal Tribuna de Alagoas, após o não pagamento de salários e direitos dos trabalhadores pelos diretores da empresa, e a alternativa de construção de uma cooperativa por jornalistas, gráficos e administrativos.