Tuesday, 23 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Parâmetros de crítica de mídia

Quando se produz crítica de mídia com o objetivo de apontar insuficiências do jornalismo comercial, geralmente são adotados, como referências, padrões normativos advindos dos campos da ética e da deontologia profissional. Com frequência, se indicam problemas próprios da investigação necessária a uma matéria: ausência de fontes, falta de exatidão, de pluralidade e equilíbrio entre as diferentes perspectivas ali em jogo são fatores indicados a fim de sustentar determinada avaliação. No entanto, nem sempre estão claras as exigências feitas a uma abordagem jornalística, ou seja, pouco se explicita a respeito de qual é sua contribuição esperada para o público, em termos de formação para o exercício da cidadania [uma versão inicial deste texto está nos anais do VI Encontro Nacional de Pesquisadores em Jornalismo, São Bernardo do Campo, SP, 2008. Aspectos das relações entre informação de diagnóstico e política foram desenvolvidos em ‘Informação de diagnóstico, democracia e inclusão digital’, Liinc em Revista, v. 5, n. 1, p. 4-18, 2009].

Como contribuição para a definição de um conceito de qualidade da notícia a ser tomado como parâmetro pelos críticos de mídia, este texto revisa aspectos do jornalismo enquanto atividade comprometida com o aprofundamento da democracia, aponta os obstáculos à plena realização dessa função pelas mídias comerciais e caracteriza o desempenho ideal da informação jornalística no contexto enfocado.

Democracia, jornalismo e enquadramento

Enquanto a literatura sobre modelos de democracia é clara ao sugerir a existência de diferentes graus de informação requeridos ao sujeito político, um aspecto que merece ser problematizado com mais profundidade é, justamente, o objetivo do jornalismo no estágio de amadurecimento democrático atual, tanto no Brasil quanto nas democracias mais antigas (Held, 1996; Habermas, 1995; Miguel, 2004; Strömbäck, 2005; Rothberg, 2005; Hallin e Mancini, 2004; Gentilli, 2002). No contexto atual, exige-se dada formação do indivíduo de maneira que supera em muito o que antes se precisava para apenas votar periodicamente. O momento atual é o da democracia que admite, acolhe e incentiva variadas formas de participação nos processos de definição de políticas públicas (em conselhos municipais, conselhos de orçamento participativo, consultas públicas online e assim por diante). E isto fundamenta a percepção de que o conceito de notícia hoje praticado por editorias de política está cada vez mais distante das exigências do que tem sido chamado de cidadania informada. As demandas cognitivas para o exercício dos direitos civis e políticos não têm sido atendidas pelo jornalismo comercial.

A insuficiência da notícia pode ser vista de diferentes maneiras, alicerçadas em distintos aportes teóricos, que ligam causas e consequências. Entre eles, destaca-se a literatura sobre o paradigma do enquadramento, que tem sido pródiga na tarefa de contribuir com explicações sobre as decorrências do conceito de notícia praticado pelo jornalismo comercial. De certa forma, a noção de enquadramento fornece aspectos para a produção de uma teoria unificada que pode ser tida como resposta parcial ao dilema colocado por Schudson (2000) a respeito da origem da informação jornalística.

Na revisão do autor, são identificadas três ordens de fatores que agrupam as teorias da notícia (Traquina, 1999 e 2004; Souza, 2002; Wolf, 1999). A primeira é a perspectiva da economia política da propriedade dos meios de comunicação: uma dada feição assumida por uma matéria deve ser decorrência do alinhamento automático entre empresas de comunicação e elites entrincheiradas na política e na economia. A segunda aponta que os valores de noticiabilidade (news values), próprios à rotina de trabalho na área, vão influenciar o que será e como será noticiado; distorções ou tendências devem ser fruto de apropriações de sentido guiadas por valores profissionais, geralmente aplicados de maneira involuntária. A terceira deposita sobre visões culturais consolidadas a responsabilidade por forma e conteúdo de uma notícia. As crenças sobre como certos acontecimentos devem ser noticiados virão de um repertório de concepções que moldam a experiência cotidiana de um país.

Se cada uma das três conceituações apresenta vantagens e desvantagens, o autor aponta a necessidade de se buscar uma explicação combinada para a origem da notícia. Ora, o conceito de enquadramento pode ser aqui posto como uma resposta adequada, à medida que embasa certo entendimento das maneiras pelas quais uma notícia, ao mesmo tempo, repercute concepções de seu criador e pode contribuir para desencadear preferências políticas.

Os enquadramentos são ‘marcos interpretativos mais gerais construídos socialmente que permitem as pessoas fazer sentido dos eventos e das situações sociais’, indica Porto (2004, p. 78). Um enquadramento (framing) é construído por meio de operações como seleção, exclusão ou ênfase de determinados aspectos e informações, compondo perspectivas gerais para a compreensão de acontecimentos e situações cotidianas. É uma idéia central que organiza a realidade a partir de certos eixos de apreciação. Gamson e Modigliani (1989, p. 3) vêem os enquadramentos como ‘pacotes interpretativos’ que conferem sentido a um assunto. Eles podem materializar-se tanto na ótica dos próprios produtores de informação, que assim os repassam implicitamente na organização de uma matéria jornalística, quanto na própria notícia. Desta maneira, podem tanto ser fruto de manipulação deliberada (o que vai ao encontro da perspectiva da economia política da comunicação como fator de origem da notícia), de valores profissionais de newsmaking ou de componentes culturais.

Ou seja, a noção de framing dispensa, de certa forma, elaborações dispendiosas sobre as razões pelas quais uma dada notícia vem a assumir determinada feição, e sugere que os esforços de pesquisa devem se concentrar no rastreamento das concepções simbólicas contidas em uma dada apropriação de sentido construída pelas mídias. Os significados veiculados por uma matéria são então entendidos como um complexo resultante de uma cultura hegemônica moldada por news values próprios de veículos em competição no mercado de notícias.

Enquadramentos podem ser categorizados de muitas formas. Muitas vezes, a classificação se ajusta a circunstâncias empíricas, ou seja, os parâmetros emergem de um estudo exploratório da amostra pesquisada (Aldé e Lattman-Weltman, 2005; Azevedo, 2000 e 2004; Medeiros, 2005). Mas genericamente podem ser classificados, no âmbito das editorias de política, como quadros de conflito (quando retratam os políticos como eternos personagens em disputa, sem mais considerações às políticas públicas envolvidas em determinado arranjo de forças); jogo (os personagens são retratados como agentes movidos unicamente por estratégias competitivas em busca de vantagens particulares); e episódicos (quando fatos e conjunturas de grandes repercussões recebem tratamento superficial e são enfocados somente a partir de seus traços mais extravagantes ou pitorescos).

Enquadramentos temáticos são, em oposição aos quadros de conflito, jogo e episódicos, abordagens contextualizadas, plurais e abrangentes, que relacionam antecedentes e pressupostos de políticas públicas, avaliam implicações e consequências, examinam alternativas e critérios de comparação etc.

Estudos empíricos indicam que a exposição a quadros de conflito, jogo e episódicos tende a dificultar a produção de uma resposta mais consistente das pessoas às mensagens, como a atribuição de responsabilidades por problemas sociais a fatores objetivos das políticas públicas empregadas em dado momento. Uma vez expostos majoritariamente a quadros superficiais, os indivíduos tendem a enxergar soluções individuais para a pobreza, por exemplo, que ofuscam o papel de políticas sociais orientadas ao desenvolvimento humano. Já os enquadramentos temáticos foram associados a uma percepção mais abrangente dos diversos fatores que concorrem para o desempenho de uma sociedade nacional na promoção do bem-estar coletivo (Iyengar, 1990 e 1991).

Quadros temáticos e informação de diagnóstico

A formação do sujeito político no sistema democrático requer quadros temáticos. E, do ponto de vista cognitivo, o enquadramento temático ideal deve possuir certas características, se seu objetivo for o atendimento de exigências políticas de emancipação da cidadania. A formulação de Kuklinski et al (2001) é útil para esclarecer a questão.

Lembram os autores que, no ambiente das democracias contemporâneas, intervêm fontes de informação nas quais os cidadãos devem confiar a fim de fazer julgamentos acerca de instituições, agentes e linhas de ação política. Os cânones tradicionais vão fundamentar a ideia de que a liberdade de expressão é fator fundamental e suficiente para haver provisão irrestrita de informações. Pensa-se então na quantidade de dados, com a suposição de que a qualidade será uma decorrência natural da abundância. ‘É natural pensar apenas em termos de volume bruto de informação – fatos, argumentos, detalhes sobre políticas e assim por diante – que o ambiente provê, com a crença de que mais informação é melhor que menos informação’, ponderam Kuklinski et al (2001, p. 412). Mas essa suposição erra o alvo: afinal, alguns dados relevantes podem ser mais significativos para a formação do cidadão que muitas informações acessórias.

‘Assim, ao invés do volume, é o valor de diagnóstico da informação que influencia a habilidade de os cidadãos fazerem escolhas referentes às políticas’, salientam os autores (p. 412). Os subsídios adequados às decisões em questão devem abranger com clareza e amplitude as questões centrais envolvidas, prestando-se tanto à tarefa de proporcionar a identificação dos assuntos sobre os quais é preciso possuir perspectivas embasadas, quanto ao próprio processo de construção de posicionamentos, com dados integrais, balizas, comparações, prognósticos etc.

Um conjunto de informações suficientemente claro para se avaliar determinado assunto político deve abranger referências sobre o que o autor chama de ‘compensação’ entre consequências de políticas públicas. Esta proposição é engenhosa e deve ser detalhada.

Implícita no raciocínio do autor está a ideia de que a própria política, como negociação de diretrizes e soluções, deve ser assimilada como algo muito além do mero composto de animosidades, histórias de lutas por privilégios e solução de conflitos privados, traços geralmente presentes na caracterização oferecida rotineiramente pelo jornalismo comercial. Ou seja, no contexto, se considera que a adoção de certa linha de ação política não pode ser caracterizada meramente como efeito de uma escolha que atende a um arranjo circunstancial de poder entre ministros, deputados, empresários, industriais e assim por diante. Para ser assimilada em sua natureza de mediação democrática entre interesses diversos, efetuada segundo critérios transparentes a fim de otimizar e socializar ganhos à sociedade como um todo, a política deve ser enquadrada de maneira a estimular linhas de raciocínio claras, a partir das quais se torne possível avaliar as possibilidades de equilíbrio entre os diversos resultados esperados de uma dada opção.

Como exemplo, se pode citar a política de abolição de barreiras tarifárias à importação de produtos de certo setor de mercado. De um lado, a competição dali resultante forçaria os preços para baixo, beneficiando os consumidores em geral. De outro lado, setores industriais despreparados para enfrentar o novo cenário de competitividade poderiam sofrer falências, o que geraria rupturas de cadeias de negócios e desemprego. Se o quadro é assim posto, as escolhas necessárias podem ser depuradas através de um processo de negociação nas instituições políticas, com o escrutínio esclarecido dos eleitores. As políticas devem se tornar melhores nesse processo. A sociedade pode vir a decidir, afinal, que a liberalização de certos mercados é bem-vinda, mas não sem a prévia implementação de salvaguardas para se prevenir o surgimento de consequências sociais indesejáveis.

Estudos indicam que as preferências políticas de um indivíduo se manifestam essencialmente através da percepção positiva ou negativa de certos níveis de equilíbrio entre compensações de políticas públicas. Skitka e Tetlock (1993), por exemplo, indicam como as diferenças entre liberais e conservadores nos Estados Unidos são, basicamente, distinções entre ponderações sobre o que se acredita serem benefícios e malefícios em uma dada conjuntura. Os liberais (o que no país representa a esquerda no espectro político) defendem a ampliação de políticas sociais de promoção da igualdade, mas não porque sejam igualitários a qualquer preço, e sim porque se recusam a pensar a questão como mera atribuição de preços à manutenção da dignidade da vida humana. Ou seja, mesmo que uma política muito generosa possa, teoricamente, trazer efeitos indesejáveis como o desestímulo ao trabalho e a adesão de aproveitadores (free riders), esse é tido como um problema menor diante dos benefícios da redução da pobreza para o desenvolvimento de uma sociedade como um todo, incluindo facetas da economia e da administração pública. Já os conservadores estão interessados em meios de punir os desvios do comportamento tradicionalmente aceito, portanto a menor possibilidade de que aproveitadores venham a se beneficiar de uma política social generosa os faz defender sua redução ou eliminação.

A ocorrência generalizada de tal mecanismo de avaliação da política é também suportada pela literatura que se centra em explicar como as pessoas fazem julgamentos políticos. Feldman (1988) indica que valores e crenças são elementos essenciais de análise de consequências de políticas. Como componentes culturais, eles orientam a formação de mapas através dos quais as pessoas se guiam para responder às demandas do ambiente e formular posicionamentos.

Assim, existem evidências para sustentar a tese de que o ambiente informacional de uma democracia precisa, nos termos de Kuklinski et al (2001), oferecer dados para dar suporte às operações mentais capazes de operar tal análise de compensações entre os efeitos das políticas públicas em discussão. Uma linha de ação política deve ser enquadrada nos aspectos de benefícios esperados e contrapartidas necessárias. Se, com a complexidade das democracias contemporâneas, praticamente qualquer opção política vai envolver cálculos referentes a tais aspectos, as consequências para as fontes de informação são claras. Será preciso oferecer balizas e parâmetros para a avaliação do equilíbrio de compensações entre resultados. É o que os autores consideram como incentivo mais adequado à inserção séria e responsável no sistema democrático.

Quando as pessoas não percebem as políticas como consequências de escolhas e de compensações entre efeitos previsíveis, tendem a se relacionar de maneira superficial e difusa com o sistema político. E, se elas não dão sinais de que compreendem as opções envolvidas em cada conjuntura, isso apenas desestimula a responsividade (accountability) dos mandatários, que passam a apresentar suas bandeiras como panaceias, através de estratégias de marketing. Ao perceberem que as pessoas não estão motivadas a avaliar meios de se atingir equilíbrio entre efeitos de linhas de ação em uma dada circunstância, ‘os formuladores de políticas poderiam empregar uma retórica enganadora ou adotar desenhos vagos de políticas a fim de manter a imagem de que dão aos cidadãos tudo o que eles quiserem’, indicam Kuklinski et al (2001, p. 415).

Logicamente, depreende-se disto que a quantidade de informação não é suficiente para fundamentar o exercício dos direitos civis e políticos. É necessário haver qualidade. E, por qualidade de informação, entende-se neste contexto algo bastante preciso. É a informação abrangente em nível suficiente para permitir avaliações embasadas sobre as consequências da adoção de determinadas políticas, de modo a fundamentar cálculos sobre ganhos, perdas e formas de se obter equilíbrio entre eles.

Um ambiente que não incentiva tal performance é aquele, segundo Kuklinski et al (2001), que não apenas deixa de oferecer dados para aqueles cálculos, mas simplesmente falha até em apresentar o cenário da definição das políticas públicas em uma democracia. A insuficiência ocorre quando as fontes de informação não caracterizam as políticas como escolhas que envolvem a antecipação de efeitos e a ponderação sobre compensações sobre eles. Se as pessoas não forem levadas a perceber as opções implícitas na adoção de políticas e não receberem dados abrangentes e articulados sobre os efeitos das escolhas pertinentes, não terão incentivo para desempenhar o elevado papel que as democracias contemporâneas delas esperam. Se as pessoas não receberem, conforme frisam os autores, justamente o que eles qualificam de informação de diagnóstico, então haverá fracos incentivos à inserção democrática com responsabilidade. E isto vale, inclusive, a despeito das variações de níveis de educação formal e renda. Ou seja, mesmo se as pessoas tiverem um alto nível de escolaridade e renda, elas ainda assim poderão não fazer avaliações embasadas caso não tenham informação de diagnóstico, tida como o incentivo necessário ao raciocínio de avaliação dos efeitos de políticas.

Naturalmente, são conhecidos numerosos estudos que sustentam a impossibilidade ontológica de a maioria das pessoas atingirem tal grau de exigência. Alguns deles combinam aquisições da psicologia cognitiva, comportamental e da ciência política e vão, já no terreno da comunicação, servir à defesa do jornalismo comercial. Mas os contornos dessa controvérsia não cabem na dimensão deste trabalho, centrado apenas em propor que as exigências de qualidade da informação jornalística devem ser apreciadas em um contexto específico (para uma discussão em torno do embate entre tais posições, ver Rothberg, 2008).

No Brasil, os problemas da cobertura jornalística de temáticas ligadas ao desenvolvimento social e humano já têm sido considerados por especialistas em crítica de mídia como algo a ser superado por um jornalismo que abranja ‘características institucionais e conceituais’ das políticas públicas, indica Canela (2008, p. 17). Porque os indivíduos muitas vezes não são capazes de ‘identificar os eixos de atuação do Estado como políticas públicas’, sofrem limitações na tarefa de avaliar o desempenho de indivíduos e grupos políticos, segundo o autor (p. 17-18).

‘Quando essa falha informacional passa a atingir não só o cidadão mediano, mas também os diferentes atores organizados que potencialmente podem exercer um nível mais contundente sobre os representantes eleitos’, salienta Canela (2008, p. 18), ‘a possibilidade de as políticas públicas formuladas atenderem às reais necessidades da população decresce de maneira diretamente proporcional ao déficit informacional.’

Porto (2008, p. 188) apresenta outras indicações para um jornalismo comprometido com a democracia, referentes ao pluralismo de informações e interpretações a serem fornecidas em enquadramentos temáticos. ‘Os jornalistas devem considerar não só a condição da realidade social, mas também as visões relevantes na sociedade e sobre as políticas sociais e sua implementação’, salienta. ‘A mídia deve reconhecer a diversidade de interpretações e interesses que caracterizam qualquer sociedade plural e democrática. Por esse motivo, os jornalistas devem ir além dos enquadramentos das fontes oficiais, incorporando as perspectivas da sociedade civil’ (p. 188).

Neste contexto, o foco dos profissionais da área deve ser fixado. ‘Ao ficarem atentos aos desdobramentos de uma determinada política, os jornalistas podem colaborar de forma efetiva para fortalecer o processo de prestação de contas e o controle das políticas governamentais pela cidadania’, indica Porto (2008, p. 189).

Cabe ainda lembrar que as pesquisas desenvolvidas com metodologia quanti-qualitativa pela Andi (Agência de Notícias dos Direitos da Infância) envolvem variáveis de análise que captam a qualidade de uma matéria jornalística em relação à pluralidade de informações, especialmente quando implicam a verificação da presença ou ausência de discussões específicas relacionadas e referências a causas e consequências de violações dos direitos de crianças e adolescentes (Vivarta, 2001, 2003 e 2005). Ou seja, pode-se perceber que o valor da informação de diagnóstico já é avaliado de alguma maneira pelas pesquisas da área. Mas acredita-se aqui que a explicitação de tal conceito poderia contribuir para clarear o terreno das investigações.

Informação de diagnóstico e apatia

Inclusive, à medida que o ambiente informacional não apresenta as políticas como resultado de escolhas e compensação entre efeitos, oferece um poderoso incentivo à apatia, à renúncia de uma inserção positiva no sistema democrático. Tal parece ser o caso do cenário composto pelo jornalismo comercial. Enquanto a política é ali caracterizada como um eterno enredo novelesco movido por animosidades entre agentes unicamente empenhados em uma busca particular por poder e vantagens, se torna mais difícil visualizar o espectro das opções implícitas em dada linha de ação política. Quando enquadramentos episódicos, de conflito e de jogo se tornam formatos usuais condicionados por valores profissionais e visões culturais, a substância da política se perde, e o ambiente oferece incentivos no sentido contrário ao do engajamento desejável à vivência democrática.

Assim, a motivação à inserção política competente advém, no contexto de Kuklinski et al (2001), da oferta de informação de diagnóstico capaz de fundamentar a avaliação sobre o equilíbrio entre as compensações necessárias à equalização dos efeitos das políticas públicas. Admite-se que o nível de instrução é um potencial motivador, mas nem sempre suficiente. ‘Considere a situação de um ambiente que não provê informações sobre a necessidade de compensações. Mesmo se estiver fortemente motivada, a maioria das pessoas pode não perceber que tomar uma decisão responsável requer o equilíbrio entre objetivos desejáveis’, indicam os autores (p. 414). Se as pessoas nem sabem ao que devem prestar atenção ou o sobre o que devem deliberar, não são motivadas a participar da vida democrática, mesmo que seu nível educacional tenha, inicialmente, as incentivado a estarem atentas à política. Mas se o ambiente coloca com clareza quais são as opções disponíveis e esclarece os meios de transitar entre elas a fim de se avaliar a melhor maneira de se obter equilíbrio entre os variados efeitos possíveis das políticas em questão, haverá um forte incentivo à participação.

Um estudo empírico realizado por Kuklinski et al (2001) indica que, em um ambiente rico em informação de diagnóstico, a escolaridade faz pouca diferença para o nível de engajamento nas avaliações de compensação. Quando há abundância de informações tanto sobre a necessidade de tais ponderações quanto sobre as próprias opções envolvidas, até mesmo aqueles com menor instrução formal se aplicam à tarefa de fazer julgamentos políticos com a mesma dedicação daqueles mais instruídos.

Esta, inclusive, é uma descoberta de muitas implicações para o jornalismo, com seus valores profissionais consolidados e refratários a mudança. Ainda que tenha uma importância circunscrita pelas condições nas quais foi realizado o experimento, é uma lição que confronta o senso comum contido nas especulações sobre a capacidade de assimilação de informações do público em geral. Se muitas vezes a justificativa de um jornalista para oferecer um nível raso de informações em uma matéria está ligada à crença de que seu destinatário não tem interesse ou não será capaz de compreender mais que certa carga de dados e interpretações, o estudo empírico de Kuklinski et al (2001) é mais uma referência contrária a essa assunção. Um ambiente rico em informação de diagnóstico é capaz de reverter o efeito de fatores como baixa escolaridade e escasso interesse na política sobre o engajamento na vida democrática. Quando as pessoas têm os incentivos adequados, tendem a acolher e desempenhar as tarefas intelectuais requeridas para fazer julgamentos políticos.

Conclusões

A fim de trazer contribuições para aguçar o alvo da crítica de mídia, este texto sustentou uma visão específica das insuficiências do jornalismo comercial. Aqui, foi proposto que, se muitas vezes a falta de ética, os erros técnicos e a ausência de diversidade são apontados como problemas centrais da notícia, é preciso avançar e verificar o papel da informação jornalística para o aprofundamento da democracia.

No contexto aqui brevemente construído, a função do jornalismo para o fortalecimento do sistema democrático reside na provisão da chamada informação de diagnóstico, que pode fundamentar ponderações sobre as diversas implicações das políticas públicas e embasar a formação de julgamentos sobre os meios de compensar desequilíbrios previsíveis entre os efeitos de determinada linha de ação. Mas a predileção dos valores atuais de noticiabilidade por enquadramento episódicos, de conflito e jogo prejudica a oferta de enquadramentos temáticos com informações de diagnóstico.

E, se a ausência de informações assim entendidas é notável no jornalismo das mídias comerciais, cabe indicar que a superação de tais deficiências é mais plausível no jornalismo como serviço público, no sistema público de radiodifusão. Espera-se, portanto, que as emissoras de TV do sistema público brasileiro de radiodifusão busquem referências para sua atuação em defesa da cidadania.

******

Jornalista, professor da Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação da Unesp, coordenador do site Plural – Observatório de Comunicação e Cidadania