Wednesday, 17 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1283

Por um jornalismo com qualidade e qualificação

Um calouro abre a porta quase sem ar e diz para a turma: ‘Caiu o diploma para Jornalismo.’ Segundos de silêncio e espanto. Seguidos de longos minutos de discussões acaloradas e revolta. Foi impossível terminar a aula. Também nem fazia muita questão. O mais interessante era o debate espontâneo que ali surgiu.

Foi assim que eu soube do fim da obrigatoriedade do diploma para exercer a profissão. Estava em sala de aula. Por conta disso já vale um posicionamento inicial. Exerço uma função dupla nas discussões sobre essa questão. Sou jornalista (diplomado) e professor do curso de Jornalismo de uma instituição de ensino superior.

Posiciono-me, sim, a favor da obrigatoriedade do diploma para exercer a profissão. Isso não quer dizer que eu considere o diploma como uma credencial, como único instrumento que atesta que sou jornalista. Não defendo só o diploma. Defendo a qualidade da educação. Defendo o aprendizado. Defendo a busca pelo conhecimento e essas defesas perpassam por um conhecimento adquirido, sim, na academia e, portanto, valorizado pelo diploma.

A academia ajuda a fomentar o pensamento crítico, a repensarmos a profissão, a revermos a lógica do mercado, e não apenas a segui-la. Claro que não é a única fonte para isso. Mas em um contexto em que a cada ano, em todas as áreas do conhecimento, mais pessoas chegam ao ensino superior, que mais se fala em uma busca por educação com qualidade, é muito difícil defender a idéia de que uma profissão (como a de jornalista) possa ser exercida sem conhecimento teórico sobre a área, que o campo possa existir apenas a partir de seus, muitas vezes, tolos saberes práticos. Não que na faculdade você vá só teorizar. Existe a mescla entre teoria e prática.

Mas com o fim da obrigatoriedade do diploma é justamente o pensamento de senso comum, da técnica, que sai fortalecido, e não o que vem da academia. Para entender a importância do diploma é importante repensar alguns mitos que estão surgindo na tônica da discussão.

1. Fere a liberdade de expressão

É comum ouvirmos depoimentos inflamados do tipo ‘o direito à informação não pode ser exclusividade de uma elite de diplomados. Muito menos de diplomados num único curso’. Esse foi, inclusive, o argumento de Gilmar Mendes, relator do processo, que derrubou a obrigatoriedade do diploma.

Mas quem em sã consciência consegue defender a idéia de que na mídia só aparecem jornalistas? Concordo com a opinião do professor Rogério Christofoletti. Ele diz que ‘os ministros demonstraram não conhecer a profissão e acabaram confundindo um direito amplo com o direito de exercício profissional. Como quem confunde direito à Justiça e direito de atuar como advogado’.

Vale ainda uma estatística de Alberto Dines. ‘Na quarta-feira em que a decisão foi tomada, nas edições dos três jornalões, dos 29 artigos regulares e assinados, apenas 18 eram de autoria de jornalistas profissionais; os 11 restantes eram de autoria de não-jornalistas. Esta proporção 60% a 40% é bastante razoável e revela que o sistema vigente de obrigatoriedade do diploma de jornalismo não discrimina colaboradores oriundos de outras profissões.’

Existe espaço para o comentarista, para a opinião de alguém que não é necessariamente um jornalista. Mas esse primeiro mito ganha espaço porque muitos pensam que para exercer a profissão basta escrever bem.

2. O simples ato de escrever textos

Francamente. Comunicar-se minimamente bem através de texto é algo que todo brasileiro alfabetizado deveria saber. Isso não é uma exclusividade do jornalismo. Não é o simples fato de fazer um texto com introdução, desenvolvimento e conclusão que me credencia a ser jornalista.

Se fosse assim, qualquer blogueiro estaria credenciado para ser jornalista. Não é o caso. Ele está muito mais atrelado ao espaço do comentarista, da discussão, que é apenas uma das possíveis funções do jornalismo, do que qualquer a informação jornalística propriamente dita. Escrever é apenas um dos requisitos. O redator ou repórter também é apenas um dos cargos que um jornalista pode exercer. Existem outras funções, como a de pauteiro, editor etc. Ou seja, existe todo um trabalho para pensar um veículo, pensar editorias, cadernos, abordagens, assuntos etc.

Os que são antenados com as novas tecnologias poderiam dizer que o diploma briga com a estrutura colaborativa da internet. Pelo contrário, o jornalista pode trabalhar com estratégias de jornalismo cidadão, jornalismo colaborativo, pensar nas melhores maneiras de trabalhar em redes sociais e a fazer a troca de informações fluir melhor. Estará dando espaço para um debate de idéias e ainda assim não deixa de ser jornalista.

3. Não se aprende nada na faculdade

Outro mito que aparece muito é a de que a faculdade não serve para nada. Se você passou pela universidade ou está nela e realmente acredita que aprendeu pouco ou acha que a academia está descolada do mercado de trabalho, eu lhe faço uma pergunta. Qual foi seu grau de empenho em relação ao ensino? Quantos livros você realmente leu? Quantos filmes viu? Quantas reportagens produziu com afinco?

Deixando o politicamente correto de lado, esse é o tipo de discurso de alguém que não acompanhou de fato a academia e o debate acadêmico. Não se debruçou literalmente para estudar. Descredenciar a academia é rebaixar o jornalismo a uma profissão meramente tecnicista. É também menosprezar o espaço para a educação (especialmente de ensino superior) do Brasil. Francamente, se já dentro das universidades cada vez mais estamos lidando com um público que lê pouco e estuda pouco, é uma visão muito romântica e tola acreditar que alguém que entre agora na área, sem nenhuma formação, vá ter um pensamento constituído elaborado sobre a profissão. Claro que existem exceções. Mas na média, temos muitos jornalistas ruins e temos muitas pessoas que sem critério algum se intitulam jornalistas. Por sinal, isso deve voltar a virar moda.

Se você está na academia só para aprender técnicas, nem perca tempo. Você não precisa de quatro anos para isso. A técnica é apenas uma pequena parte do processo, que o ideal é que quando você as aprenda, já tente repensá-la, mudá-la. E, ainda é na academia que se repensa criticamente o jornalismo, que saem estudos sobre o campo, que se pode fazer ciência. Estudar, avaliar e repensar o que é produzido.

4. Os melhores estarão empregados

É importante desmitificar um senso comum. O de que ‘quem é bom encontra seu lugar no mercado’. A realidade não é bem assim. Conheço jornalistas brilhantes que, por pressões políticas e/ou econômicas, perderam seus cargos e depois encontraram grandes dificuldades para se reposicionar. Existem no mercado interesses e critérios que vão além da simples busca pela qualidade. Com a queda do diploma, a grande brecha que se abre é para uma desmobilização da categoria.

Concordo com o jornalista Victor Folquening quando diz que ‘hoje, no Paraná, nenhum jornalista pode ganhar menos do que aproximadamente 2 mil reais por cinco horas diárias de trabalho. Mudar isso não é ruim só para os profissionais. Muita gente sem qualificação se submete a trabalhar oito horas por 500 reais. Tipo, digamos, o sobrinho dependente de tóxicos do deputado. Talvez os cidadãos recusem o evidente mau trabalho que esse infeliz vai fazer. Mas se é a Assembléia que paga, quem se importa?’

5. E o meu diploma?

Sempre encarei a educação como algo que me motiva a crescer, a questionar, a aprender, a buscar coisas novas, a buscar aprendizado. Defendo a obrigatoriedade do diploma, mas não a busca simples e desenfreada pelo canudo. Quando estive na faculdade, o que menos me interessava era a formalização, o título em si. Estive lá porque queria saber tudo sobre a profissão, queria estudá-la, entendê-la, repensá-la. E, acredite, a academia foi o melhor local que encontrei para isso.

Não ficava em sala para não levar falta. Estava ali porque queria aprender algo. Por isso, meu diploma representa muito estudo. Sim, acredite, era aplicado. Representa reflexões sobre teorias, livros e mais livros lidos, produções e muito mais. Sem dúvida, não seria a pessoa que sou hoje, o jornalista, o professor que sou atualmente, sem o embasamento e leituras que tive na universidade, na pós-graduação e que tenho agora no mestrado.

Fazer Jornalismo faz diferença. Talvez em meio a tudo que li sobre essa questão, diante de muitos pensamentos de senso comum e de frases feitas, foi justamente uma fala bem despretensiosa que li no Twitter, do usuário ‘Buchecha’, que mais me marcou. Era algo do tipo ‘Diploma: você não vale nada, mas eu gosto de você.’

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Jornalista e professor universitário, com pós-graduação em Comunicação e Semiótica e mestrando em Ciências Sociais Aplicadas, Curitiba, PR