Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Prós e contras do Tratado de Bolonha

O artigo do ex-reitor da Universidade Federal da Bahia, Naomar de Almeida Filho, ‘Pós-Graduação Nova no Brasil’, publicado na Folha de S.Paulo (12/11/2010) e reproduzido pelo Jornal da Ciência da SBPC, em que defende a necessidade de reinventar o sistema de pós-graduação brasileiro, vem suscitando debates acalorados em diversas listas de discussão no país ao longo das últimas semanas. Entre os comentadores da proposta feita pelo ex-reitor da UFBA, está o professor Marcos Palacios, atualmente em estágio pós-doutoral na Universidade da Beira Interior, Portugal, que publicou o artigo ‘Pós-Graduação Nova no Brasil: uma resposta a Naomar de Almeida Filho’, primeiro na lista de docentes da Associação de Docentes da UFBA e depois na lista da Associação Brasileira de Pesquisadores em Jornalismo (SBPJor) – ver ambos artigos abaixo. Na condição de ex-aluno de programas de pós-graduação brasileiros e europeus, uma vez que fiz mestrado na UFRJ, e conclui mestrado e doutorado na Espanha, entre 1996-2000, antes da entrada em vigor do Tratado de Bolonha, gostaria de acrescentar algumas questões a este debate.

Como sempre, se deve ter cuidado ao copiar sistemas adotados em outros países sem uma prévia avaliação crítica. A pós-graduação no Brasil e na Europa tem histórias diferentes. O modelo brasileiro emula o dos Estados Unidos, com mestrado e doutorado, como ritos de passagem bem claros, se considerarmos o MPhil e não o Master of Arts dos Estados Unidos e do Reino Unido. Na Europa pré-Bolonha, não existia a tradição de mestrados acadêmicos. Logo depois da graduação entrava-se direto no doutorado que, em geral, sequer existia como um programa formal. Bastava o aluno estar vinculado a um orientador que o acompanhava até a defesa da tese. Em certo sentido, a exceção era a França que exigia o DEA – Diploma de Estudos Aprofundados para se matricular no doutorado, embora todos saibamos que o DEA não chegava a ser um mestrado nos termos brasileiros. Na Espanha, até 2007, a matrícula ao programa de doutorado era direta, mas, formalmente, havia a necessidade depois da conclusão de 24 créditos em disciplinas, da defesa da chamada Tesina, uma monografia nos moldes de uma dissertação de mestrado brasileira, que dava direito ao título de mestre e habilitava à matrícula em pesquisa tese de doutorado.

No caso de Bolonha, um tratado aprovado em 1999 e que culminou com a unificação do espaço único para a educação superior agora em 2010, após um longo e tumultuado processo, devemos, em primeiro lugar, com bem frisou o professor Jorge Pedro Sousa, da Universidade Fernando Pessoa, de Portugal, distinguir o que existe de bom e que deve ser emulado como a mobilidade docente e de alunos, padronização de créditos e títulos, ensino orientado para pequenas turmas etc., do que deve ser avaliado criticamente, a redução dos prazos de conclusão da titulação, a criação dos mestrados híbridos, separação entre centros de excelência (com pesquisa e ensino) e centros de ensino (para formação voltada mais para o ensino profissionalizante) e a redução dos prazos de conclusão do doutorado, sem uma prévia formação para a pesquisa na graduação e no mestrado.

Cada sistema atende a contextos específicos

Creio que não se pode desconhecer o contexto político, acadêmico e social em que a reforma de Bolonha está se desenvolvendo. Como disse antes, na Europa como um todo, até Bolonha não existia o mestrado acadêmico e havia a necessidade de melhorar o nível de entrada no doutorado – não esqueçamos que se podia ingressar direto no doutorado –, reduzir o tempo de conclusão das teses, que em países como Alemanha, Espanha e França poderia em média chegar a sete anos e, ainda, em um cenário de desemprego massivo, acima de 10% quando se pensou o modelo (com picos de 12% na Alemanha, 14% na França e 20% na Espanha), aumentar as matrículas na universidade, melhorar as estatísticas e reduzir o déficit público. Para Bruxelas, mesmo que tenha 50 anos e família com três a quatro filhos, se estiver matriculado na universidade, não aparece como desempregado, mas como estudante e perde o direito de receber seguro desemprego.

E não se pode desconsiderar ainda um aspecto muito importante. A universidade européia começou a vivenciar desde meados dos anos 1980 as consequências de um processo de massificação em decorrência das políticas públicas implantadas pela Social Democracia no pós-guerra. Antes de Bolonha havia casos, principalmente na França e na Espanha, de turmas para mais de 200 alunos sem qualquer possibilidade de cursos práticos ou de orientação individual. A Faculdade de Comunicação da Complutense chegou a ter mais 25 mil alunos e a Autônoma de Barcelona, mais de dez mil. Com Bolonha se estimula a massificação das matrículas universitárias, com destaque nos cursos profissionais de curta duração, mas não necessariamente a massificação das turmas, uma vez que se estimula a orientação e a criação de dois tipos de universidades: os chamados centros de excelência, voltados para a pesquisa e o ensino das elites, e as universidades grandes e massificadas, destinadas à titulação em larga escala, com ênfase nos cursos superiores de curta duração, até três anos e nos mestrados profissionalizantes. Se observarmos o caso espanhol, que conheço bem, teríamos os modelos da Complutense massificada e a Carlos III, quase totalmente voltada para a pesquisa, ambas em Madri; assim como em Barcelona, a Autônoma em contraponto com a Pompeu Fabra.

Ocupar novos espaços

Se tivermos este contexto bem claro, poderemos analisar melhor o modelo de Bolonha, sem pré-conceitos, vendo o que tem de bom e o que tem de ruim. Pela experiência dos professores Marcos Palacios, na Universidade da Beira Interior e Jorge Pedro Sousa, da Universidade Fernando Pessoa, ambos em Portugal, e Liriam Sponholz, da Universidade de Leipzig, na Alemanha, parece que os resultados em certos aspectos são ruins do ponto de vista acadêmico. Mas do ponto de vista de um tecnocrata de Bruxelas, que está mais preocupado em constituir um espaço comum de ensino, melhorar as estatísticas e reduzir o déficit público, os resultados podem ser ótimos! Se não vejamos: se antes cada país tinha seu próprio modelo, sem qualquer unificação com os demais e se entrava sem nenhuma experiência de pesquisa no doutorado, agora se pode argumentar que, dez anos depois, existe uma área comum de educação superior. Por pior que seja o mestrado, mesmo híbrido, o aluno tem alguma experiência em pesquisa antes de postular o doutorado, apesar de não existirem regras claras para esta passagem.

Outro aspecto que o tecnocrata de Bruxelas pode chamar em causa própria para defender o Processo de Bolonha é a redução média dos tempos de titulação de alunos de graduação, mestres e doutores. De minha turma de 40 doutorandos, por exemplo, apenas três defenderam as teses em quatro anos e os três eram sul-americanos: dois brasileiros, ambos com títulos de mestrado defendidos no Brasil, e um argentino. Os três eram docentes, com experiência prévia em pesquisa e orientação. E a turma tinha colegas espanhóis, portugueses, franceses e alemães, nenhum deles com mestrado ou com experiência docente. Paradoxalmente, embora fosse oferecido pela Universidade Autônoma de Barcelona, apenas três catalães estavam matriculados.

Ademais da criação de uma área comum de educação superior e da redução dos índices de desemprego, o Tratado de Bolonha pode ainda ser defendido pelos líderes de Bruxelas do ponto de vista da melhora das estatísticas de escolaridade e, em última instância, de satisfação social da população devido ao número maior de pessoas tituladas. Como sabemos bem, pela experiência da expansão do ensino universitário no Brasil, independentemente da qualidade do curso, ainda continua sendo uma questão de status ter ou não ter curso superior e, ao fim e ao cabo, mesmo que não exerça a profissão em que se formou, quem tem nível universitário, consegue melhor salário.

Além destes fatores por si só nada desprezíveis, a adoção do modelo de Bolonha tem um componente estratégico para a União Européia se reposicionar no mercado internacional da educação diante da realidade da mundialização das relações entre países e blocos econômicos. Se for aprovada a abertura de mercados na área de educação, como proposta pelos Estados Unidos há anos na Organização Mundial do Comércio, com o modelo de Bolonha a União Européia teria melhores condições de ocupar novos espaços no exterior em contraposição ao modelo dos Estados Unidos e do Reino Unido há muito exportado para alguns países da África como Egito, do mundo árabe, da Ásia e da Oceania e da própria França, com a American University of Paris, possibilitando que os recursos que faltam no mercado interno, agravados pela crise econômica – casos da França, Portugal e Reino Unido em que se aumentaram as taxas acadêmicas recentemente com violentos protestos dos estudantes – sejam obtidos no exterior, quer abrindo filiais em outros países, como acaba de ocorrer com a Universidade de Berlim, em São Paulo, quer através da conquista de alunos das Américas Central e do Sul, da África, da Ásia, do mundo árabe e da Oceania – como aliás já ocorre com muitas das universidades de elite dos Estados Unidos, da Inglaterra e da França, no caso da Espanha com a América Latina e de Portugal com os países africanos e em parte do Brasil.

A necessidade de uma resolução para revalidar títulos

Feito este balanço, penso que seja oportuna a discussão proposta pelo professor Marcos Palacios porque temos um sistema diferente de pós-graduação que, embora necessite ser aperfeiçoado, tem muitos pontos positivos e que não pode ser substituído por outro que atende, como vimos, aos interesses específicos internos e geoestratégicos da União Européia e que sequer foi suficientemente provado e testado. Não significa que Bolonha não tenha aspectos positivos e que devam ser emulados, mas apenas que devemos ir com calma e, mais do que isto, atuarmos no caso das organizações acadêmicas e científicas como SBPC, Intercom, Compós, SBPJor e Socicom para que a CAPES emita uma resolução sobre a revalidação dos diplomas de Mestrado defendidos nos termos do Tratado de Bolonha.

Atualmente, nem o Conselho Nacional de Educação nem a CAPES se pronunciaram sobre o assunto e o fato é que – falo porque já analisei dois casos de pedido de reconhecimento de Mestrado em Jornalismo defendidos na City University, de Londres – e a comissão designada pela universidade acaba tendo que atuar sem um marco regulatório próprio. No nosso caso rejeitamos os pedidos na Universidade Federal de Santa Catarina depois que a coordenação do curso da City University informou que, na verdade, não se tratava de um mestrado acadêmico, MPhil, mas de um Master of Arts, profissionalizante. No Reino Unido existe esta clara diferença e isto pode facilitar a atuação das comissões, mas em países como a Espanha não existe esta diferença nítida. Nos dois pedidos as ‘dissertações’ eram, na verdade, trabalhos de 40 a 70 páginas, sendo que constavam de duas reportagens e um artigo acadêmico de mais ou menos 15 laudas e não poderiam sequer ser comparadas a boas monografias de conclusão de cursos de graduação brasileiras.

Pode-se objetar que no caso da convalidação basta a análise das dissertações defendidas e que se forem similares às produzidas no Brasil, tudo estaria resolvido e se poderia dar o problema por solucionado sem a emissão de resolução do CNE ou da CAPES. Ocorre que, como sabemos, os mestrados integrados propostos pelo modelo Bolonha são todos mais ou menos deste tipo, sem a exigência de uma dissertação nos moldes brasileiros. Evidentemente, em pouco tempo teremos um problema político pela frente, uma vez que, se analisarmos os processos em comparação com os mestrados acadêmicos daqui, estaremos negando em bloco a revalidação destes diplomas obtidos na Comunidade Européia.

Muito provavelmente, poderíamos resolver ao menos em parte o problema se estes títulos fossem revalidados como similares aos de mestrados profissionalizantes. É verdade que não se soluciona totalmente a questão, que é muito complexa e porque em áreas como a de Comunicação inexistem mestrados profissionalizantes no Brasil, mas ao menos teríamos um marco legal para orientar quem analisa os processos e tampouco deixaríamos quem freqüentou estes cursos totalmente desamparado de reconhecimento de seus estudos.

Em resumo, necessitamos, como estamos fazendo em listas como as da APUB e da SBPJor, discutir melhor a questão em vez de simplesmente emular este ou aquele modelo, como se fosse a solução para todas as falhas existentes no sistema brasileiro de pós-graduação.

A defesa do debate público dos sistemas de pós-graduação

Por fim, gostaria de chamar a atenção para dois aspectos que considero importantes e que perpassam as preocupações de textos como os dos professores Naomar de Almeida Filho, Marcos Palacios e dos formuladores do Tratado de Bolonha: a necessidade de redução dos tempos de titulação e da massificação de matriculados no ensino superior.

No Brasil, nos últimos dez anos se reduziu muito o tempo médio de titulação, com o mestrado tendo o prazo de dois anos e o doutorado, de três anos, completando a formação pós-graduada em cinco anos, a metade do tempo médio nos anos 1980 e 90. E, é bom que se diga, no Brasil não se exige em todos os casos uma formação prévia de mestrado para entrar no doutorado, ainda que a entrada direta seja um mecanismo excepcional adotada somente no caso de jovens talentos e que pode ser utilizado devido a existência de programas muito bem sucedidos como o PIBIC/CNPq, que forma pesquisadores na graduação e que não tem similar nem na Europa, nem nos Estados Unidos; ou então ser aplicado nos casos de profissionais brilhantes, com formação autodidata, que por terem idade mais avançada e uma sólida produção científica não teriam porque se submeter a um mestrado antes de um doutorado.

Quanto ao aumento do número de matriculados no ensino superior em todos os níveis (graduação, mestrado e doutorado) no caso brasileiro, em que pouco mais de 10% da população possui curso superior completo, é muito bem vindo, cabendo apenas uma discussão mais sistemática sobre o nível da formação e a diversidade da oferta dos cursos de pós-graduação, muito similares e regionalmente muito mal distribuídos. Na área de Comunicação, nos últimos dez anos, aumentou a oferta de programas de pós-graduação e com a recente abertura dos Programas da UFAM e da UFPA, todas as regiões possuem ao menos um curso de mestrado em Comunicação, mas a maioria dos programas continua concentrada no Sul-Sudeste, sem falar no fato de que não existe nenhum programa de pós-graduação (mestrado e doutorado) profissionalizante.

No atual processo de reconfiguração dos sistemas de educação superior no mundo, ao lado dos aspectos positivos como a criação de espaços comuns de ensino, a redução dos prazos de defesas de dissertações e teses, a unificação dos títulos e programas de ensino, a mobilidade de docentes e de estudantes, verifica-se a crescente mercantilização e precarização destas atividades. Se, por um lado, o número de titulados aumenta em todos os níveis (graduação, mestrado e doutorado), por outro, nem sempre se discute o que mais interessa, como a que propósitos serve cada um destes modelos adotados como o de Bolonha ou propostos, como o da Pós-Graduação Nova, defendido por Naomar de Almeida Filho, a diversidade da oferta de cursos, a qualidade dos novos titulados e a competência que terão ou não para prestar os serviços demandados pela sociedade.

A opção pela melhor alternativa pressupõe o amplo debate e a avaliação crítica das melhores experiências existentes no Brasil e no mundo. Devemos estar atentos para evitar dois tipos de equívocos muito comuns: o encantamento com modelos estranhos à nossa cultura e o desprezo pelos modelos locais bem sucedidos. Textos como os publicados pelos professores Naomar de Almeida Filho e Marcos Palacios e os comentários feitos nas listas de discussão de associações de docentes como a APUB e de associações de pesquisadores como a SBPJor são excelente exemplo de que todos temos a ganhar quando temas desta relevância são submetidos ao debate de alto nível antes de qualquer decisão apressada seja tomada.

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Pós-Graduação Nova no Brasil

Naomar de Almeida Filho

A universidade brasileira vive raro momento de inovação e expansão, propício para rever práticas e repensar estruturas. Nesse contexto, vale destacar a criação de novas modalidades de graduação, compatíveis com o college norte-americano e o bachelor de Bolonha, na Europa.

A UFABC (Universidade Federal do ABC) foi inaugurada em 2005 com o bacharelado em Ciência e Tecnologia, um primeiro ciclo de três anos com onze opções de segundo ciclo.

Em 2007, a UFBA (Universidade Federal da Bahia) aprovou a oferta de bacharelados interdisciplinares como primeiro ciclo para 81 opções de graduação. Dentro do Reuni, outras instituições seguem essa tendência inovadora: UFSC, UFRN, Ufersa, UFCG, UFRB, UFJF, Unifal, UFVJM, UFSJ, Unifei, UFV, UFRJ, Ufac e Ufopa.

A Unesp abre o bacharelado em Ciências Exatas, curso de três anos com opções de segundo ciclo, e a Unicamp inicia um programa interdisciplinar de dois anos, primeiro ciclo geral para formação profissional específica.

Em 2011, mais de 10 mil estudantes estarão matriculados em 26 cursos de graduação de primeiro ciclo em algumas das melhores universidades brasileiras. A graduação se renova, portanto. Não obstante, se quisermos avançar no desejado processo de internacionalização, precisamos agora recriar o modelo nacional de pós-graduação. Para isso, antes de tudo, o abismo entre graduação e pós-graduação, que trava a educação superior brasileira, herança do Parecer Sucupira de 1966 e da reforma universitária de 1968, deve ser removido.

Assim, poderemos integrar graduação e mestrado, diferenciando-os do doutorado. Mestrado é educação em métodos, conhecimentos e práticas enquanto doutorado implica formação em pesquisa e criação. Por isso, a matriz curricular do doutorado, efetivamente focada na produção orientada de conhecimento e inovação, terá o mínimo de cursos.

Em todos os níveis, componentes curriculares serão organizados não por titulação, mas por nível de profundidade. Flexíveis, estarão abertos a qualquer aluno, de graduação ou de pós, que demonstre estar habilitado a cursá-los.

Enfim, haverá relativa autonomia entre processos formativos e processos avaliativos (exames de qualificação, teses e dissertações), com bancas compostas por examinadores externos aos programas, que, excluindo o orientador, permitirão maior controle de qualidade acadêmica.

Essas propostas articulam soluções consagradas em países com tradição universitária consolidada. A estrutura curricular mínima define o modelo inglês de doutorado. A centralidade do trabalho de pesquisa, criação ou inovação inspira-se no modelo alemão. A sequência de exames de qualificação tem como referência o modelo norte-americano dos graduate studies. A avaliação da tese por examinador externo antes da defesa tem base no modelo francês, com a figura do rapporteur.

Renovada, a arquitetura curricular dos programas de pós-graduação será mais orgânica ao ciclo atual de crescimento da pesquisa nacional. Isso facilitará a inserção internacional da universidade brasileira, contribuindo para o desenvolvimento soberano do país. [Professor titular do Instituto de Saúde Coletiva e do Instituto Milton Santos de Humanidades, Artes e Ciências da Universidade Federal da Bahia, da qual foi reitor]

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Pós-Graduação Nova no Brasil: uma resposta a Naomar de Almeida Filho

Marcos Palacios

Li com interesse o seu artigo, intitulado ‘Pós-Graduação Nova no Brasil’, publicado na Folha de S.Paulo e reproduzido pelo Jornal da Ciência (12/11/2010). Estou, no momento, residindo em Portugal, em temporada como professor visitante na Universidade da Beira Interior (UBI), na cidade de Covilhã, desde fevereiro deste ano. Durante este período, tive oportunidade de conviver com colegas docentes e pesquisadores nesta Universidade – onde tive a melhor das acolhidas – e ministrar aulas para estudantes de graduação (aqui, licenciatura), mestrado e doutorado.

Lamento, mas minha impressão do chamado Mestrado Integrado é a pior possível. Na prática, não se trata em absoluto de Pós-Graduação stricto sensu, como temos hoje no Brasil, mas de uma continuidade da graduação, que foi encurtada aqui de quatro a cinco para três anos. Com isso, tem-se, na verdade e na prática, uma graduação de cinco anos e – como possível continuidade – o doutorado. Em termos comparativos, os Mestrados Integrados seriam equiparáveis, quando muito, a nossos Cursos de Especialização lato-sensu; com carga horária maior, é verdade, porém resultados equivalentes.

Na minha avaliação as desvantagens do Modelo Integrado pós-Bolonha são muitas:

a) não se estabelece uma ruptura de níveis entre graduação e Pós-Graduação, como ocorre em nosso caso, com um processo de seleção, preparação de um projeto de pesquisa como condição de acesso à Pós, elementos geradores da consciência ou pelo menos ‘sensação’ de que se transitou para uma situação nova: a de pós-graduando. Com o modelo Bolonha, nada disso acontece. Os estudantes são quase automaticamente ‘promovidos’ ao Mestrado Integrado e continuam a agir e atuar academicamente como os de licenciatura, com a percepção de que estão apenas dando seguimento a dois anos mais dos estudos, no mesmo ritmo e espírito com que estiveram cursando os três anos anteriores, na licenciatura. Ritos de passagem continuam sendo importantes, especialmente em ambientes altamente simbólicos, como o Universitário;

b) nosso modelo de mestrado oferece uma via de preparação inicial de pesquisador (Mestrado Acadêmico) que tem por meta a culminação de sua formação científica básica e o início de sua efetiva contribuição ao conhecimento no estágio do doutorado; por outro lado, o Mestrado Profissionalizante oferece uma opção para aqueles que desejam uma continuidade de estudos, com vistas ao mercado de trabalho não-acadêmico. Com o modelo Bolonha, esta diferenciação entre Acadêmico/Profissionalizante na prática deixa de existir nos Mestrados Integrados, com todos os mestrandos fazendo um pouco de tudo, sem uma diferenciação clara para os que pretendem seguir caminhos mais marcadamente acadêmicos. Resultado: dissertações de mestrado que deixam muito a desejar e, principalmente, candidatos doutorais muito mais fracos e com menos experiência de uma real Pós-Graduação de cunho acadêmico. Aliás, antecipo problemas quando chegarem aos programas de Pós-Graduação brasileiros, para reconhecimento e revalidação, os diplomas obtidos na maioria dos cursos de Mestrado Integrado europeus pós-Bolonha.

Poderão, em alguns casos, obter reconhecimento como Mestrados Profissionalizantes, mas dificilmente como Mestrados Acadêmicos;

c) para completar, Bolonha reduziu o doutorado de quatro para três anos. Paradoxalmente, os estudantes chegam ao doutorado menos preparados do que na situação pré-Bolonha e têm um prazo menor para concluir essa etapa, quando de fato necessitariam de mais tempo, para garantir a consolidação do que não foi devidamente sedimentado no mestrado. Um doutorado de três anos é mais viável no modelo brasileiro, que garante uma formação prévia mais sólida via Mestrado Acadêmico, do que no modelo Bolonha.

Em suma, o quadro pós-Bolonha não me parece fornecer um panorama muito promissor, menos ainda uma situação a ser tomada como paradigma e emulada. Acredito que temos no Brasil um sistema consistente de pós-Graduação por mérito, que consumiu anos de aprimoramento, com implantação de processos sérios de avaliação pela Capes, montagem de programas de incentivos a projetos de cooperação nacional e internacional, criação dos mais variados tipos de bolsas e apoios, envolvimento da comunidade de pesquisadores no estabelecimento dos padrões de avaliação e – insisto – com clara demarcação entre etapas distintas de formação Graduação/Pós-Graduação. Essa clivagem e os ritos de passagem que a acompanham não são desvantagens nem anacronismos, mas pontos a nosso favor.

Temos poucas vagas na Pós-Graduação? O acesso é demasiadamente restritivo? Ampliemos o número de vagas, criemos mais cursos de Pós-Graduação. Tornar a Pós-Graduação mais ‘democrática’, através de sua dissolução em um banho ácido de graduação, não me parece, em absoluto, uma solução, mas pode representar o abandono de conquistas fundamentais, pelas quais temos trabalhado e lutado ao longo das três últimas décadas em nosso país. [Professor titular, Faculdade de Comunicação, Universidade Federal da Bahia]

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Professor e pesquisador do CNPq no Laboratório de Pesquisas Aplicadas em Jornalismo Digital na Universidade Federal de Santa Catarina