Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

‘Quanto pior, melhor’

‘Quanto pior, melhor’ era a expressão amplamente difundida pela imprensa tucana na época em que o PT era oposição e o PSDB, governo. A imprensa toda repercutia o tempo todo a afirmação de que o PT fazia denúncias de corrupção contra o governo FHC por achar que quanto pior ficasse o país, melhor seria para a oposição, e a forma de conseguir que piorasse seria gerar crises políticas, que, àquele tempo, faziam a bolsa cair e o dólar disparar.

Veículos de comunicação como os jornais O Estado de S.Paulo, O Globo ou revistas como a Veja, ou tevês como a Globo, além de reproduzirem a teoria tucana sobre Lula ser partidário do ‘quanto pior, melhor’, endossavam essa crítica do governo à oposição. Esses veículos faziam isso inclusive em editoriais e em opiniões manifestadas por ‘analistas políticos’. Outros veículos, tais como a Folha de S.Paulo, repercutiam sistematicamente a teoria da oposição, mas evitavam endossá-la, sem, no entanto, divergir dela como o jornal diverge hoje – porém, eventualmente, a própria Folha endossava a teoria, inclusive em editoriais. 

Não tenho acesso aos arquivos do Estadão ou da Veja ou do Globo para garimpar textos deles que mostrariam quanto esses veículos manifestaram opinião própria endossando a teoria que hoje tanto combatem, de que as denúncias de corrupção da oposição têm ‘objetivos políticos’, descredenciando tais denúncias in limine. Tenho acesso aos arquivos da Folha, por ser assinante do UOL, e repasso aqui notícias que mostram durante quanto tempo – e com que intensidade – aquele jornal deu espaço para os partidários de FHC e para o próprio no sentido de que se fixasse a teoria do ‘quanto pior, melhor’ na cabeça do público, e que mostram que o jornal não defendia a tese que defende hoje com tanto ardor, de que o denuncismo das oposições é correto, e que, por isso, o jornal o adota, sendo autor de um número de denúncias contra o governo Lula que, apesar de serem feitas em mesmo volume pela oposição petista na época em que FHC governava, eram sempre tratadas, no mínimo, com reserva pelo veículo.

A teoria de que fazer denúncias de corrupção contra o governo era apostar no ‘quanto pior, melhor’ começou a ser difundida pela mídia tucana em 1994 e atravessou os anos sendo martelada por ela. A Folha, então, quase sempre repercutia, repercutia, mas sem se comprometer muito, porém cometendo deslizes como em artigo de opinião de Gilberto Dimenstein naquele ano, que dava razão a tal teoria, ou em artigo de Clóvis Rossi, que ficava em cima do muro mas repercutia e repercutia que a imagem do oposicionista e então candidato a presidente Luiz Inácio Lula da Silva era a de apostar no ‘quanto pior, melhor’.

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Folha de S.Paulo, 18/05/94
FHC desafia Lula para debater Plano Real
Editoria: BRASIL Página: 1-9
Edição: Nacional MAY 18, 1994
Primeira: Chamada
Arte: CHARGE
Chapéu: ESTRATÉGIA DE CAMPANHA
Selo: ELEIÇÕES GERAIS
Assuntos Principais: ELEIÇÕES 94; CANDIDATO

‘(…) FHC pretende se firmar como o candidato que aposta no otimismo, na derrubada da inflação, enquanto Lula, segundo a tese dos tucanos, seria o do ‘quanto pior, melhor’. Mostrando uma sintonia de discurso, a expressão ‘quanto pior, melhor’ foi usada ontem pelo presidente do PFL, Jorge Bornhausen, para definir Lula (…)’.

Folha de S.Paulo, 06/07/94
Petistas vão defender estabilização da economia
Autor: CARLOS EDUARDO ALVES
Editoria: BRASIL Página: 1-5
Edição: Nacional JUL 6, 1994
Da Reportagem Local

‘O PT decidiu que continuará com o discurso crítico em relação ao Plano Real, mas a partir de agora ressalvará que não é contra a estabilização econômica do país. A ênfase para negar que aposta no ´quanto pior, melhor` foi adotada depois que a cúpula do partido examinou os últimos movimentos da campanha de Fernando Henrique Cardoso (PSDB)’.

Folha de S.Paulo, 16/07/94
Fernando Henrique virou favorito
Autor: GILBERTO DIMENSTEIN
Editoria: OPINIÃO Página: 1-2
Edição: Nacional JUL 16, 1994
Seção: BRASÍLIA

‘(…) Se o PT bate no plano [Real], abre espaço para ser acusado de optar pela tática do ´quanto pior, melhor` – o que é péssimo ao eleitor, que não suporta mais tanta instabilidade’.

Folha de S.Paulo, 05/09/94
PT usa imagens de Ricupero na TV
Autor: CARLOS MAGNO DE NARDI
Editoria: CADERNO ESPECIAL Página: ESPECIAL-5
Edição: São Paulo SEP 5, 1994
Partido veicula no horário gratuito eleitoral trechos da conversa entre ex-ministro e jornalista da Globo
CARLOS MAGNO DE NARDI
Da Reportagem Local

‘O candidato Fernando Henrique Cardoso usou o horário eleitoral gratuito de ontem para rebater críticas de que o governo federal estaria favorecendo sua candidatura. Segundo o candidato tucano, seus adversários continuam apostando no ´quanto pior, melhor` ‘.

Folha de S.Paulo, 01/10/94
Beijos ou algo mais?
Autor: CLÓVIS ROSSI
Editoria: OPINIÃO Página: 1-2
Edição: Nacional OCT 1, 1994
Seção: SÃO PAULO

‘(…) No caso de Lula, um dos mais óbvios motivos de suas dificuldades é a imagem de ´quanto pior, melhor` que se associou [a ele], justa ou injustamente(…)’

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Viram a isenção de Rossi? Que diferença de hoje, não?

Vamos em frente. Agora estamos em 1997, ano anterior à reeleição de FHC, no qual foi aprovada a emenda, e no qual a Folha denunciou a compra de votos para a reeleição do tucano divulgando transcrição de gravações que mostravam deputados do PFL do Acre confessando que haviam vendido seus votos favoráveis à emenda da reeleição para Sergio Mota, então ministro das Comunicações de FHC. Contudo, o jornal abandonou o caso em tempo recorde: dois meses. Que diferença de hoje, quando as denúncias da Folha contra o governo Lula perduram por anos.

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Folha de S.Paulo, 29/11/97
FHC critica aposta no fracasso do Real
Origem do texto: Da Agência Folha em Belo Horizonte
Editoria: BRASIL Página: 1-8 11/13912
Edição: Nacional Nov 29, 1997

‘(…)’Não por acaso, a oposição se dividiu. Os partidos de maior expressão _PT, PPS e PSB_ parecem estar inclinados a colocar a estabilidade como valor essencial e prioritário. O PDT e o PC do B não se revelam dispostos a seguir o mesmo caminho. Cedo ou tarde, descobrirão o erro de apostar na velha teoria do ´´quanto pior, melhor´´. Contudo a atitude não deixa de preocupar(…)’.

Folha de S.Paulo, 04/11/97
Crash acaba em filme ´O Especulador do Futuro´
Autor: ARNALDO JABOR
Origem do texto: Da Equipe de Articulistas
Editoria: ILUSTRADA Página: 4-9 11/1594
Edição: Nacional Nov 4, 1997

‘(…) O crash pode ser bom para injetar no FHC mais militância e imaginação. O crash é bom também para vermos a escrotidão da oposição do ´quanto pior, melhor` (…)’.

Folha de S.Paulo, 24/07/97
AMEAÇA DE ANARQUIA
Editoria: OPINIÃO Página: 1-2 7/11642
Edição: Nacional Jul 24, 1997
Seção: EDITORIAL

‘(…) Esses segmentos da [oposição de] esquerda [encabeçada pelo PT] aumentam inadvertidamente o caldo da cultura da ilegalidade e apostam no ´´quanto pior, melhor´` como forma de ação política’.

Folha de S.Paulo, 16/06/97
Coalizão dos sem-barriga
Autor: JOSÉ SERRA (colunista da Folha)
Editoria: OPINIÃO Página: 1-2 6/7806
Edição: Nacional Jun 16, 1997

‘(…) A oposição [encabeçada pelo PT] permanece apegada à visão do mundo como ele era há três décadas; é prisioneira do corporativismo da área pública; tem ojeriza à política do mundo real e é pautada pelo comportamento do ´quanto pior, melhor` (…)’.

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1998, ano de eleição presidencial. Continua a lavagem cerebral da imprensa no sentido de fixar na mente do eleitorado a teoria do quanto pior melhor.

Folha de S.Paulo, 06/09/98
Empresários não vêem ameaça
Autor: ANTONIO CARLOS SEIDL
Origem do texto: Da Reportagem Local
Editoria: CADERNO ESPECIAL Página: Especial-2 9/2412
Edição: Nacional Sep 6, 1998

‘O presidente da Câmara de Comércio e Indústria Brasil-Alemanha de São Paulo, Ingo Ploger, disse que FHC ganha com a crise porque o PT está completamente equivocado em apostar no ´quanto pior, melhor` ‘.

Folha de S.Paulo, 24/08/98
Editoria: BRASIL Página: 1-4 8/10185
Edição: Nacional Aug 24, 1998
Seção: PAINEL

‘Quanto pior, melhor

Em reunião ontem no Alvorada, o conselho político de FHC concluiu que Lula cometerá um erro se usar a crise das bolsas contra o tucano. O efeito seria o oposto: se a crise se agravar, será mais fácil vender FHC como o único capaz de enfrentá-la’.

Folha de S.Paulo, 08/08/98
Mal secreto
Autor: MARIO AMATO
Editoria: DINHEIRO Página: 2-2 8/2964
Edição: Nacional Aug 8, 1998
Seção: ARTIGO

‘(…) O que a sociedade recusa é a oposição que somente perturba, que se escuda na falsa lógica do ‘quanto pior, melhor’, para alcançar os seus objetivos (…).

Folha de S.Paulo, 01/08/98
Lula comete gafe e defende desemprego
Autor: PATRÍCIA ANDRADE
Origem do texto: Da Reportagem Local
Editoria: BRASIL Página: 1-6 8/205
Edição: Nacional Aug 1, 1998

‘Depois da gafe, Lula esforçou-se para explicar sua declaração, numa tentativa de fugir do estereótipo do político que abraça a tese do ‘quanto pior, melhor’.

Folha de S.Paulo, 01/07/98
Editoria: BRASIL Página: 1-6 7/128
Edição: São Paulo Jul 1, 1998

‘Mario Amato, 79, ex-presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo – ´´Tínhamos uma inflação galopante, não temos mais bandalheira, temos pessoas do melhor coturno administrando o Brasil. Isso tudo se deve ao Plano Real. É verdade que os empresários estão passando dificuldades, mas isso é no mundo inteiro. Os negócios aumentaram, mas os lucros diminuíram. É preciso ter espírito de brasilidade e não pensar que quanto pior, melhor’

Folha de S.Paulo, 25/02/98
Autor: CAIO LUIZ DE CARVALHO
Editoria: OPINIÃO Página: 1-3 2/12984
Edição: Nacional Feb 25, 1998

‘(…) Queiram ou não os que apostam na tese do ‘quanto pior, melhor’ [os petistas], amargurados diante dos primeiros resultados das ações implementadas a partir de 1994, a captação de turistas estrangeiros expandiu-se 70% entre 1993 e 1996 (…)’

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Em 1999, o país havia quebrado depois de FHC vencer a eleição do ano anterior negando as acusações de seu oponente Lula, de que o país quebraria no ano seguinte e que o tucano teria que fazer uma maxidesvalorização do real, o que de fato ocorreu dois meses depois da eleição. Apesar disso, a mídia continuava batendo forte na tecla do ‘Quanto pior, melhor’.

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Folha de S.Paulo, 23/10/1999
Autor: ALOYSIO NUNES FERREIRA
Editoria: OPINIÃO
Página: 1-3 10/8853
Edição: Nacional Tamanho: 4629 caracteres
Oct 23, 1999
Seção: TENDÊNCIAS/DEBATES

‘(…) Tem-se agido com muita leviandade, a partir de um discurso sem compromissos, na base do ´Quanto pior, melhor` ‘.

Folha de S.Paulo, 27/09/1999
Autor: FERNANDO CANZIAN
Origem do texto: Editor de Brasil
Da Reportagem Local
Editoria: BRASIL
Página: 1-6 9/10497
Edição: Nacional
Seção: ENTREVISTA DA 2ª

Pergunta da Folha a Ciro Gomes: ‘O sr. concorda com a tese de que quanto pior, melhor para sua candidatura?’

Folha de S.Paulo, 31/08/1999
Romper o sítio
Autor: ALBERTO GOLDMAN
Editoria: OPINIÃO 
Edição: Nacional
Seção: TENDÊNCIAS/DEBATES

‘(…) Junto com essas forças e, às vezes, como seus porta-vozes, os grupos de oposição política, jogando no quanto pior, melhor’.

Folha de S.Paulo, 28/05/1999
Origem do texto: Da Sucursal de Brasília
Editoria: BRASIL
Edição: Nacional 

‘Os que participam desses ataques, em vez de juros menores e, portanto, de mais consumo, de mais produção, de mais investimento e de mais empregos, parecem preferir justamente o contrário. Apostam no quanto pior, melhor´´

Folha de S.Paulo, 27/02/1999
Editoria: BRASIL Página: 1-4
Edição: Nacional
Seção: PAINEL; TIROTEIO

‘Lula e Zé Dirceu estão contrariados com Tarso Genro, que apresentará proposta formal ao Diretório Nacional do PT, neste fim-de-semana em SP, para o partido liderar campanha pela renúncia de FHC. Acham que Genro reforça o carimbo de uma sigla irresponsável e que aposta no quanto pior, melhor´´

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A partir do primeiro ano do segundo governo de FHC, com a quebra de milhares de empresas, perda de milhões de empregos, aumento da pobreza, da violência urbana, da desigualdade, efeitos deletérios gerados pelo colapso da fantasia do real ‘forte’, a direita tucana e a mídia, que em 1998 haviam endossado em uníssono a acusação de que Lula falava que o país ia quebrar e o real se desvalorizar depois das eleições porque era adepto do ‘Quanto pior, melhor’, tucanos e mídia entraram num processo acelerado de desmoralização que levaria à eleição de Lula três anos depois, ao fim do segundo mandato dos tucanos na Presidência da República.

Pessoas honestas e com um resquício de memória, diante de tudo o que acabo de demonstrar, deveriam se render ao fato de que mídia, na época em que os tucanos eram governo, fazia o oposto do que faz hoje, ou seja, criticava a oposição em benefício do governo, alegando que ela pedia CPIs (que dificilmente eram instaladas, até por pressão da própria mídia) porque queria que denúncias e investigações atrapalhassem o governo e desestabilizassem o país. Quanta diferença de hoje, não?

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Comerciante, São Paulo, SP; http://edu.guim.blo.uol.com.br