Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Quem quer ser jornalista ambiental?

Não é fácil fazer ciência num país que não incentiva nem valoriza a produção científica. É difícil não só para os pesquisadores (na questão do apoio financeiro), mas também para o jornalismo ambiental, pois a maioria dos veículos de comunicação locais não dá atenção. Enquanto isso, a maioria da população desconhece totalmente as descobertas científicas, o que coopera para que as pessoas ainda tenham aquela imagem estereotipada do cientista descabelado e trancafiado num laboratório cheio de frascos com líquidos coloridos.

Para piorar, são poucos os estudantes de Jornalismo dispostos a contribuir com a aproximação ciência-sociedade. ‘É difícil achar alguém que se interesse em se especializar em Jornalismo Ambiental’, disse Grace Soares, coordenadora editorial da revista Amazonas faz Ciência, da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (Fapeam), em entrevista coletiva para estudantes do 5° período de Jornalismo do Centro Universitário do Norte (Uninorte).

Distribuição gratuita

A Amazônia é uma região rica em todos os sentidos, principalmente no que diz respeito ao meio ambiente. ‘O que é feito aqui cientificamente interessa ao mundo todo’, afirma a bióloga e estudante de Jornalismo Joanne Régis. Só do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), a produção de pesquisas científicas é intensa. E poucas ganham espaço na grande mídia, exceto as sensacionais. ‘O Diário do Amazonas é o único jornal que não reserva espaço considerável para a ciência e tecnologia, a não ser que a notícia seja exótica’, afirmou Grace, citando o caso do filhote de gato que nasceu só com um olho e foi destaque em todos os jornais, TVs e rádios locais.

Apenas o jornal Amazonas Em Tempo dedica um caderno diário ao meio ambiente. Na internet, o espaço para assuntos científicos ou ambientais é maior. O portal Amazônia, por exemplo, tem na sua página de notícias uma editoria só para o meio ambiente, mas a produção de notícias é escassa. Durante a realização desta reportagem, havia apenas quatro notícias publicadas.

O que a ciência produz no Amazonas raramente chega ao conhecimento do grande público. A revista Amazonas faz Ciência, da Fapeam, traz reportagens sobre o que tem acontecido na região em termos científicos numa linguagem simples, com exemplos do dia-a-dia. Porém, a tiragem da revista é de apenas 10 mil exemplares que são distribuídos gratuitamente às bibliotecas públicas e centros de pesquisa – a população fica de fora. De acordo com Grace Soares, trabalham na produção da revista bimestral oito jornalistas e três bolsistas.

Relação nem sempre amistosa

Mas, como disse Grace no início da reportagem, poucos são os aspirantes a jornalista que desejam especializar-se em Jornalismo Ambiental. De fato, é mais fácil achar alunos que querem fazer carreira no jornalismo político, cultural e até no esportivo. Joanne Régis é uma exceção. Formada em Ciências Biológicas pela Universidade Federal do Amazonas (Ufam) e pesquisadora da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), ela já entrou no curso de Jornalismo pensando em seguir carreira no jornalismo ambiental e, assim, contribuir para aproximar a sociedade da ciência. ‘O público quer saber sobre ciência e meio ambiente, mas a mídia cobre pouco o assunto’, diz.

E não é apenas o pouco espaço na mídia a maior dificuldade de se fazer jornalismo ambiental no Amazonas. Às vezes, o empecilho são os próprios pesquisadores. Alguns detestam que suas pesquisas sejam ‘simplificadas’ para o povo ler; e também há cientistas que não fazem questão de ver suas pesquisas estampadas nas páginas de um jornal, pois isso não conta absolutamente nada para o seu currículo acadêmico. A relação cientista-jornalista nem sempre é amistosa. E isso não é de hoje.

O desafio de explorar a Amazônia

Outra polêmica nessa relação é o fato de alguns cientistas pedirem para ler o material feito pelo repórter antes da publicação. Entretanto, o que é visto com ‘olhos tortos’ por alguns jornalistas, pode ser uma oportunidade de evitar a veiculação de informações erradas, o que, sem dúvida, tiraria do sério o pesquisador que concedeu a entrevista. ‘O teu trabalho não é desmerecido quando é submetido ao cientista para uma avaliação prévia. No entanto, ele pode até mexer no texto para corrigir algumas informações cientificas, mas o estilo jornalístico ele jamais pode alterar’, afirma Grace. Outra: também não é tarefa nada fácil veicular uma informação sobre ciência, segundo os padrões jornalísticos, e muito menos trazer temas científicos complexos para o dia-a-dia das pessoas. Talvez por isso não seja tão atraente quanto as outras editorias.

O jornal A Crítica já tentou criar um espaço só para jornalismo ambiental, mas, segundo Grace, apesar de não ter dado certo, o jornal se interessa pelo assunto. Por isso, manda seus repórteres cobrirem eventos científicos e sempre publica notícias ambientais no seu caderno de notícias locais (‘Cidades’).

No último dia 7 de abril, em comemoração ao Dia Do Jornalista, houve uma palestra no Teatro Uninorte (Avenida Joaquim Nabuco, Centro) sobre jornalismo ambiental. A correspondente da Rede Globo no Amazonas, Daniela Assayag, disse que raramente matérias sobre meio ambiente são recusadas pelas grandes emissoras. Pudera, afinal vivemos na Amazônia, o chamado ‘pulmão do mundo’, que para a sociedade brasileira e mundial ainda é um lugar misterioso. O que falta é os futuros jornalistas do Amazonas toparem o desafio de explorá-la. Jornalisticamente, é claro.

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Estudante de Jornalismo, Manaus, AM