Saturday, 20 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Queremos um jornal

O ensino do jornalismo no Brasil ressente-se de algo essencial à formação dos novos profissionais: laboratórios de jornalismo impresso. Quando existem, conseguem publicar a duras penas jornais aperiódicos que mais resultam da competência, dedicação e criatividade de professores, alunos e alunas, que da existência de instalações que venham efetivamente a contribuir para tal fim.

Trata-se de incoerência histórica grave, uma vez que não se pode formar o profissional pleno a partir unicamente de aulas expositivas e da produção ocasional de jornais-laboratório. Isso, além de desalentador, pois passa a ideia de improviso e até amadorismo e contribui para a manutenção da cultura de que ‘jornalismo é fácil’ e ‘qualquer um pode fazer’. Conduz também a supor que somente nas empresas os jovens profissionais serão qualificados. Lamentavelmente isso termina por aparentemente ser verdade, pois os efeitos fenomênicos de tais práticas parecem confirmar tal quadro. Isso desabona os cursos, especialmente os públicos, em favor da iniciativa privada, encastelada na imprensa do cotidiano. E serve também de respaldo ao discurso que afirma a preponderância, a hegemonia e a competência do privado sobre o público.

Pensando em sentido contrário, um grupo de estudantes de jornalismo da Universidade Federal do Rio Grande do Norte resolveu pôr em prática a campanha ‘Queremos um jornal!’, cobrando da instituição que assuma seu papel histórico de levar adiante a formação de profissionais capacitados humanística e tecnicamente, reunindo-se à prática atitude de práxis, sentido de inserção do ator jornalista na sociedade civil, resgate da autoestima e fortalecimento da categoria.

Parque gráfico é essencial

A campanha tem enorme repercussão no Twitter e ganhou apoio de professores de outros estados que comigo entraram em contato oferecendo incentivo e louvando a iniciativa. Quem quiser apoiar a campanha no Twitter pode digitar #QUEREMOSUMJORNAL. Na segunda-feira (25/10) começou a campanha ‘Queremos um jornal!’ no campus central da UFRN.

A proposta é ousada: a construção de laboratório onde haja sala de redação e parque gráfico, o que garante a priori o desempenho do fazer jornalístico pleno junto aos discentes. O Labpress, como já é chamado pelos estudantes, terá a possibilidade de nos levar a um passo de qualidade na formação do profissional. Estamos em processo eleitoral para a reitoria e as duas chapas concorrentes serão chamadas a se posicionar publicamente a respeito da institucionalização da proposta.

A UFRN mantém a TV Universitária, veículo público de qualidade que capacita estudantes a essa área. Assim, nada impede que venhamos a reivindicar o Jornal Universitário. Agregado ao Departamento de Comunicação Social e, portanto, parte do instrumental prático do nosso curso. Um jornal assim, livre das injunções de partidos políticos – que, como se sabe têm lobbies fortes na imprensa profissional – e liberto das pressões do mercado, pode e deverá funcionar como entidade legítima de sociedade civil, abordando não apenas a vida acadêmica, mas, especialmente, nosso entorno social, sobre este exercitando atitude interpretativa credível.

Os professores ligados às disciplinas pertinentes terão oportunidade de trabalhar de forma plena e integral: o exercício das rotinas, o cumprimento dos deadlines, a capacitação para perscrutar e simbolizar o entorno, o despertar de talentos, a atitude ética, a vivência prática do que a teoria propõe, tudo isso forma o arcabouço do Labpress. Para tanto, a exigência de parque gráfico é essencial. Isso garante o funcionamento e a periodicidade do Jornal Universitário que, como a TV Universitária, terá participação importante no cotidiano da Universidade e da sociedade para a qual nos voltamos.

Combatamos o bom combate

Sei que os custos para a realização desta ideia são altos, uma vez que envolve a construção de sede para o jornal e aquisição de rotativa. Mas, mesmo não tendo números a respeito, sei também que não é impossível, desde que a reitoria assuma o compromisso histórico de dotar o curso de Jornalismo de condições otimizadas de funcionamento.

Recebi do professor Alfredo Vizeu instigante apoio à proposta. Diz ele: ‘Relembro que é dever do Jornalismo a busca da verdade e a ética como singularidade. Uma utopia a ser perseguida diariamente. Um Jornalismo de frontes levantadas. Utópico, sim, utópico como defendia Paulo Freire: `…o utópico não é o irreliazável; a utopia não é o idealismo, é a dialetização dos atos de denunciar a estrutura desumanizante e anunciar a estrutura humanizante. Por esta razão, a utopia é também um compromisso histórico´. O Jornalismo é utopia realizável de um compromisso histórico com a verdade, a ética, a liberdade e a democracia. Por isso, enfatizo, ações como esta dos colegas, alunos e alunas de Jornalismo do Rio Grande do Norte têm tudo para virar uma grande campanha nacional em defesa do Jornalismo que mobilize toda a sociedade. Precisamos ainda reforçar o trabalho que vem desenvolvido de uma forma incansável pelas entidades do campo, respeitadas as suas singularidades, Federação Nacional de Jornalistas, Fórum Nacional de Professores de Jornalismo e Associação Brasileira de Pesquisadores em Jornalismo. Concluo apropriando das reflexões de Paulo Freire para o campo jornalístico. A eficácia da atividade jornalística e o conhecimento do Jornalismo estão intimamente ligados ao que Freire colocava como a capacidade de abrir a `alma´ da cultura, de aprender a racionalidade da experiência por meio de caminhos múltiplos, deixando-se `molhar, ensopar´ das águas culturais e históricas dos indivíduos envolvidos na experiência. É dimensão crítica do conhecimento jornalístico, num imbricamento entre teoria e prática. Mais uma vez parabéns ao `povo´ do Jornalismo do Rio Grande do Norte. Um abraço fraterno, Alfredo’.

Uma utopia, sim. Mas utopia com denso sentido de realidade a ser realizada; passo seguinte a ser conquistado; ação e atitude de alunos que, já com a sensibilidade aguçada pelo saber de procedimento aplicado a desvendar a realidade circunstancial, descobre nela a realidade a ser transformada para que, transformada, se torne transformadora em regime de metassocialidade. Da prática à práxis, do pensamento à ação política de conscientização do jornalista como categoria e ator histórico.

Manifesto minha gratidão ao Observatório da Imprensa ao abrir espaço para a divulgação desta luta, que em suma alcança fronteiras maiores: propõe um limiar, uma fronteira de ingresso, um desbravamento, uma espécie de epifania cidadã em nosso campo de atuação.

Espero obter de meus pares apoio à luta que já estou apoiando. Espero que combatamos o bom combate. Espero que venhamos a vir – vir para ver, ver para entender, ver para vencer.

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Professor de jornalismo impresso, Universidade Federal do Rio Grande do Norte