Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Quero meu diploma de volta!

Este ano, quando completaria 20 de jornalismo, acordei no dia 18 de junho de 2009 sem profissão. No dia 17 de junho, o Supremo Tribunal Federal, por oito votos a um, cassou o meu diploma e os de outros milhões de profissionais brasileiros. Tudo, supostamente, em nome da Liberdade de Imprensa. Será?

O ministro Gilmar Mendes comparou jornalistas a cozinheiros. Outro ministro disse que jornalismo é literatura. Caímos, então, mais uma vez, no engodo de que para ser bom jornalista basta saber escrever. Para estas pessoas, o jornalismo é uma espécie de ‘dom’, identificado através do simples ato de se ‘escrever bem’ – um critério bastante subjetivo onde o ‘escrever bem’ pode estar apenas intrinsecamente ligado ao ato de escrever corretamente, de acordo com as regras gramaticais. Limitar a profissão de jornalista a algo tão óbvio é uma atitude simplória e reducionista.

Também há de se questionar se em outras profissões que realmente exigem um dom, como Dança, Pintura, Música, Teatro, Artes plásticas, há de se passar por um ensino formal, acadêmico, por que em se tratando de Jornalismo deveria ser diferente? O exercício do jornalismo é muito mais do que a simples ‘arte de escrever bem’. A profissão também envolve técnicas próprias, conhecimentos específicos, estudos aprofundados e, principalmente, um compromisso com a sociedade.

Concessões para políticos

Mas o diploma, por si só, é suficiente para garantir a formação de um bom profissional? Claro que não. Aprendi muito mais fazendo matéria de rua do que sentada no banco da faculdade. Mas a prática, além de complementar a um bom embasamento teórico, é também necessária em qualquer profissão e não apenas na de jornalista.

No site do Observatório de Imprensa, Carlos Castilho publicou um artigo em que diz: ‘As escolas de Jornalismo no país dão aos seus alunos a capacitação necessária para ingressar num mercado de trabalho caracterizado por transformações radicais na área da comunicação e do processamento da informação? Com raras exceções, a resposta será não.’ Concordo plenamente, mas então a luta deve ser pela melhoria da qualidade do ensino oferecido nas faculdades, e não simplesmente extingui-las.

Os ministros tomaram como parâmetro do seu julgamento o fato de vários outros países do mundo não exigirem o diploma para o exercício da profissão de jornalismo. Mas vamos levar em conta a realidade do Brasil. Não vamos limitar esta discussão às redações dos grandes veículos de comunicação das capitais brasileiras. Quem já andou pelo interior deste país sabe que em muitas cidades a única rádio ou TV local pertence a algum político.

Uma outra questão é igualmente crucial quando se trata de discutir a extinção do diploma de jornalista e o controle da mídia por políticos e famílias de políticos. Entendendo-se aqui, controle como propriedade, como dono de veículos de comunicação.

Segundo reportagem de Elvira Lobato, publicada no jornal Folha de S.Paulo do dia 18 de junho de 2006, o presidente Luís Inácio Lula da Silva distribuiu, em três anos de governo, 110 emissoras educativas, sendo 29 televisões e 81 rádios. Uma em cada três rádios foi parar, direta ou indiretamente, nas mãos de políticos. O governo de Fernando Henrique Cardoso autorizou, em oito anos, a abertura de 239 rádios FM e de 118 TVs educativas.

‘Coronelismo eletrônico’

No governo do general João Baptista Figueiredo (1978 a 1985), foram distribuídas 634 concessões, entre rádios e televisões, mas não se sabe quantas foram para políticos. No governo Sarney (1985-90), houve recorde de 958 concessões de rádio e TV distribuídas. Muitos políticos construíram patrimônios de radiodifusão naquele período em nome de ‘laranjas’.

As concessões de TV são dadas por decreto do presidente, enquanto as de rádio são aprovadas pelo ministro, por portaria. As concessões de TV são por 15 anos, renováveis, e as de rádio, por 10 anos, também renováveis.

No dia 23 de outubro de 2006, aproveitando as eleições realizadas naquele ano, o jornalista Alceu Luis Castilho publicou no site Agência Repórter Social (www.reportersocial.com.br) um levantamento inédito sobre a quantidade de rádios e TVs que estão nas mãos de parlamentares. Ele utilizou como base os dados entregues pelos próprios políticos aos Tribunais Regionais Eleitorais (TREs), a maior parte disponível no site do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Castilho ainda usou mais duas fontes de informações: o Instituto de Estudos e Pesquisas em Comunicação (Epcom), do Rio Grande do Sul, que divulgou em 2005 uma lista que incluía os senadores que têm parentes com concessão de rádio ou/e televisão; e uma lista feita em 2005 pelo professor Venício de Lima, da Universidade de Brasília, com o nome dos deputados beneficiados com concessões de rádios e TVs e que constam na lista do Ministério das Comunicações. Venício de Lima e James Görgen, do Epcom, definem o fenômeno das concessões de rádio e TVs a parlamentares como ‘coronelismo eletrônico’.

Antes que seja tarde…

A compilação dos dados mostra que um terço dos senadores e mais de 10% dos deputados eleitos para o quadriênio 2007-2010 controlam rádios ou televisões. No Nordeste, 44 parlamentares têm controle de rádio e TV; no Norte, sete parlamentares; no Centro-Oeste, três parlamentares; no Sudeste, 18 parlamentares; e na região Sul, oito parlamentares.

Estas informações foram compiladas por mim em 2006 para monografia do meu curso de pós-graduação, intitulada ‘A necessidade da exigência do diploma para o exercício do Jornalismo’. Tenho quase certeza que a atualização destes dados seria tão preocupante quando antes.

Diante de uma realidade absurda como esta, o que deveria estar sendo discutido por todo o país é a brecha existente na legislação brasileira que permite que políticos sejam detentores de vários veículos de comunicação. Esta permissividade, sim, compromete a liberdade de expressão e coloca em risco a própria democracia. Afinal, que tipo de informação atende aos interesses políticos dos donos destes veículos? E que tipo de informação não deve ser divulgada para não ferir esses mesmos interesses? Que tipo de informação vai ser repassada para a população? Será permitido às pessoas ter acesso aos dados negativos dos governos, às opiniões divergentes, às denúncias de corrupção, de improbidade etc.? Ter acesso, enfim, ao mundo real? Será que o interesse eleitoral dos políticos que são donos de veículos de comunicação não irá suplantar a busca pela verdade, o compromisso com a sociedade, algo que é intrínseco à formação dos jornalistas?

Se acabaram com a exigência do diploma, temo por uma demissão em massa – principalmente nos veículos de comunicação que não estão nos grande centros urbanos – para que as redações sejam ocupadas por parentes, amigos e apadrinhados dos donos dos jornais. E se eles escrevem bem ou não será apenas um detalhe.

Por isso, acho que nós, jornalistas, ABI, Fenaj, a sociedade como um todo, devemos iniciar, imediatamente, a campanha ‘Quero meu diploma de volta’ antes que seja tarde demais.

******

Jornalista, Salvador, BA