Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

RBS padroniza formato e noticiário de seus jornais

A mudança no formato do Jornal de Santa Catarina – que passou a ser tablóide como seus companheiros de Grupo RBS Diário Catarinense e Zero Hora –, levou este Monitor de Mídia a comparar os três jornais para verificar até que ponto a unificação do formato tem feito com que os conteúdos dos diferentes títulos sejam também padronizados.

Os irmãos viram gêmeos

O Jornal de Santa Catarina circula no Vale do Itajaí. O Diário Catarinense, embora tenha sede em Florianópolis, se espalha por toda Santa Catarina. E Zero Hora é o maior dos títulos do grupo RBS, a partir de Porto Alegre. Mesmo editados em realidades e geografias distintas, os três jornais podem ser considerados irmãos, já que seguem uma mesma linha editorial, ditada pela família Sirotsky, que controla o conglomerado. O que vem se percebendo, no entanto, é que num esforço de unificar procedimentos, agilizar processos e otimizar custos, o grupo vem não apenas padronizando os formatos de seus jornais – e são seis em dois estados! –, mas também assemelhando os conteúdos jornalísticos veiculados.

As semelhanças entre os irmãos, do ponto de vista visual, são mais claras entre o Diário Catarinense e o Jornal de Santa Catarina devido à distinção da tipologia usada por Zero Hora. Os jornais são, basicamente, constituídos pelas mesmas editorias, com exceção do Santa que não conta com espaço reservado e definido para polícia.

A distribuição das seções é o que mais os difere. Na p.2, por exemplo, o DC publica a coluna de Luiz Carlos Prates e a previsão do tempo; o Santa traz editorial, cartas e charge; e o ZH tem a página ocupada pela ‘Palavra do leitor’, ‘O Rio Grande pergunta’ e ‘Sobre ZH’. Apesar da descrição denotar diferença, ela não se refere ao conjunto. As seções citadas em um jornal podem ser encontradas em outro com facilidade. É o caso das cartas e do ‘Sobre DC’ que foram publicadas na edição do dia 13 do Diário Catarinense na p. 30.

Os editoriais de cada jornal – ‘Opinião DC’, ‘Opinião do Santa‘ e ‘Opinião ZH’ – são encontrados na p.3. Já o texto que apresenta a opinião do Grupo RBS não é o mesmo publicado nos três jornais. No dia 13, o DC trouxe ‘Recuperação econômica’ e ‘A pressão da criminalidade’. ZH, também com dois editoriais do grupo, veio com ‘As perdas não compensadas’ e ‘A pressão da criminalidade’ – mesmo publicado pelo DC. O outro editorial do jornal editado em Florianópolis – ‘Recuperação econômica’ – foi o texto publicado pelo Santa. No dia 14, os editoriais foram: ‘Qualificação da Universidade’ e ‘investimentos externos’ no DC; ‘As reformas atropeladas’ e ‘Qualificação da Universidade’ no ZH; e ‘Investimentos externos’ no Santa.

Os três jornais reservam as páginas 4 e 5 para uma matéria de destaque da edição – o ZH chega a nomear estas páginas como ‘Reportagem especial’, para o DC é apenas a ‘Quatro’ e o Santa não apresenta nenhuma denominação específica. A grande maioria das seções de um dos jornais possui correspondência em outro. Espaços destinados a memória, frases e imagens são alguns exemplos. Mas o maior deles é eu diz respeito ao ‘Almanaque do Vale’ e ao ‘Almanaque Gaúcho’. As semelhanças vão além do nome. A coluna, em SC assinada por Jaime Avendano e no RS por Olyr Favaschi, traz uma foto antiga e seu contexto, o que ocorreu na data da edição em outros anos e mais algumas poucas notas. O padrão é que fecha a edição, reduzindo a quase zero a invenção, a criação, a ousadia.

Valendo-se do pretexto da Agência RBS, o grupo transforma todas as produções de seus funcionários em produtos que circulam internamente entre os títulos. Assim, a RBS redistribui fotos, reedita textos, recicla material, reaproveita pautas, produzindo um efeito de eco entre as suas publicações. Para o leitor desavisado, fica a impressão de que o Santa tem correspondentes no Rio Grande do sul ou que O Pioneiro, de Caxias do Sul, conta com repórteres em Santa Catarina. Ledo Engano. Mas uma pergunta se faz necessário: além de auxiliar a empresa a otimizar custos, a quem a padronização do noticiário beneficia? O leitor?

Para além de seções e da disposição gráfica semelhante, o que este Monitor de Mídia pôde perceber é que, muitas vezes, os textos publicados são os mesmos ou com pequenas adaptações. Em dois dias de comparação, as semelhanças são gritantes.

No dia 13/10, DC e Santa repetiram-se na pauta, trazendo em suas edições quase os mesmos assuntos e textos, com raras alterações: a entrevista com o ministro Sepúlveda Pertence, a presença dos turistas em Santa Catarina, a medida provisória dos transgênicos, a Oktoberfest… isso sem contar no noticiário internacional que parece ter sido editado num único lugar e xerocado na redação ao lado. No irmãos DC e Santa, as edições foram gêmeas, tratando das peripécias de Michael Schumacher, de explosões em Bagdá, do tufão no Japão. Será que as agências internacionais não ofereceram outras notícias naquele mesmo dia?

No dia seguinte, 14, a proximidade ficou ainda maior, com títulos e textos idênticos. Confira alguns exemplos:

** ‘Ataques e defesas dão tom da campanha’ – DC, p.7

** ‘Ataques e defesas dão tom da campanha’ – Santa, p.5

** ‘Assembléia retoma os trabalhos’ – DC, p.13

** ‘Assembléia retoma os trabalhos’ – Santa, p.8

** ‘STJ proíbe remédios em supermercado’ – DC, p. 18

** ‘STJ proíbe venda de remédios em supermercado’ – Santa, p. 10

** ‘Ações caem 2,77% na Bovespa’ – DC, p. 20

** ‘Ações caem 2,77% na bolsa paulista’ – Santa, p. 12

** ‘Ações caem 2,77% na bolsa paulista’ – ZH, p. 18

Encolher para crescer

O Grupo RBS já ocupa uma posição privilegiada no mercado de mídia na região Sul. Segundo o Portal Comunique-se ‘o Grupo opera 18 estações de tevê, 24 estações de rádio e seis jornais diários, líderes nos respectivos segmentos nos dois estados em que circulam. O faturamento, em 2003, atingiu R$ 750 milhões, 16,5% a mais do que em 2002. Para 2004 a estimativa é de que os números se aproximem dos sete dígitos: R$ 1 bilhão’.

E a estratégia atual é de expansão. O grupo pretende abocanhar outros mercados, como o interior paulista e os estados de Minas Gerais, Paraná e até mesmo Brasília. Para isso, contratou nomes de peso da gestão empresarial e promoveu uma sensível reestruturação interna.

As estatísticas e contratações impressionam. O planejamento estratégico da RBS já se mostrou eficiente na ‘ocupação’ do território catarinense. O grupo passa por uma transformação em busca de aperfeiçoamento e maior lucratividade. Para isso, adotou a tendência de uniformizar seus jornais, a exemplo do que já ocorre em seus produtos para as emissoras de TV do conglomerado. A receita é antiga – tendo sido usada por gigantes do setor, como a Rede Globo, o Grupo Folha e até mesmo a CNN.

Entre as mudanças que atingiram Santa Catarina, está a tabloidização do Jornal de Santa Catarina. Santa Catarina se mostrava, desde os primórdios do surgimento da imprensa no estado, diferenciado. As inovações tecnológicas e gráficas que acompanharam o surgimento dos primeiros jornais interioranos foram primordiais para que a atuação de um jornal estadual em sua amplitude não se concretizasse.

No livro Imprensa e Poder: A comunicação em Santa Catarina, Moacir Pereira revela os aspectos do Jornal de Santa Catarina, quando surgia em 1973, causando impacto na mídia da região: ‘A novidade da comunicação impressa passa a ser o ‘Jornal de Santa Catarina’, cuja venda é estimulada pela modernidade da proposta e pelo apoio de marketing da TV Coligadas, filiada da Rede Globo e emissora de maior abrangência e audiência do Estado’.

Com o passar do tempo, as adaptações tornam-se necessárias, dentre outros fatores, por estarem atreladas à concorrência que atinge o setor mercadológico em que estão inseridos os jornais. Assim, desde 22 de setembro, o Jornal de Santa Catarina assumiu o formato tablóide, assemelhando-se aos demais títulos do Grupo RBS. De acordo com informações oficiais, a mudança foi planejada logo após o retorno da diretoria do jornal do encontro anual da Associação Mundial de Jornais (WAN), em Istambul, na Turquia. No evento, a cúpula soube que jornais ingleses tradicionais, como The Independent e The Times, haviam modificado seu formato conquistando resultados significativos. Segundo o gerente de Planejamento e Comercialização Comercial do Santa, Atilio Daniel Borges, a partir deste conceito, a empresa solicitou uma pesquisa quantitativa e qualitativa para verificar a possibilidade de implantação de um novo formato para o jornal. Segundo a empresa, o público teria considerado a mudança necessária devido à facilidade do manuseio e à própria leitura do jornal.

Mas as mudanças também ocorreram no conteúdo do periódico. Criou-se uma página do leitor para o envio de fotos e cartas e um caderno temático sobre veículos. O espaço para os assuntos temáticos também foi aumentado de duas para quatro páginas. Além destes aspectos, o jornal modificou também a contracapa. Abriu um espaço para uma espécie de ‘novo jornalismo’. As matérias não têm a factualidade das demais notícias e procura envolver o leitor através das histórias de pessoas comuns.

No entanto, algumas modificações parecem ter diminuído os espaços para opinião. A do Jornal de Santa Catarina quase não aparece mais. O posicionamento da empresa RBS ocupa a primeira página. No dia 11 de outubro, a opinião da RBS com título ‘Recuperação econômica’ tinha 3 colunas e um total de 81 linhas. Já a opinião do Santa, – ‘Números expressivos’ – era expressa em apenas uma coluna de 15 linhas. Ainda em relação à página de opinião, o espaço para publicação de artigos também foi diminuído consideravelmente. No formato original, o jornal publicava dois artigos de colaboradores diariamente. Hoje, há espaço para apenas um.

As alterações gráficas, de conteúdo e operacionais, evidentemente, implicam em conseqüências de custos e de tempo no processo industrial. Tais mudanças se encaixam num projeto maior da RBS, de expansão e ganho de outros mercados. Uniformizar é a primeira etapa. No caso do Jornal de Santa Catarina, ficar menor é a chave para fazer a empresa crescer.

Boa notícia: um Conselho de Leitores

Ao mesmo tempo em que o jornal modificou o formato, outras transformações foram ocorrendo. Criou-se um conselho para avaliar a ‘atuação’ do jornal em diferentes aspectos. No Jornal de Santa Catarina, essa instância é composta por nove membros e sua atividade é voluntária, não remunerada. O entendimento do jornal é de que os conselheiros não contribuem apenas para o crescimento e amadurecimento da publicação, mas também com a sociedade. Afinal, pelo seu papel de agente social, o jornal tem compromissos com a comunidade onde circula.

O conselho de leitores surgiu após uma seleção de currículos e realização de entrevistas. ‘Buscou-se formar um grupo mais heterogêneo possível, para que represente melhor o grupo de leitores e promovam um debate rico de idéias para o jornal. Por isso, os conselheiros têm as mais diferentes idades (para se ter uma idéia, ou sou a mais jovem do grupo, com 21 anos, e o mais velho possui 68 anos). Todos atuam em áreas profissionais bastante distintas, o que garante pontos de vistas diferentes e idéias muito distintas’, explica a acadêmica de Jornalismo, Magali Moser, que compõe o grupo.

As reuniões do conselho são quinzenais e, a cada encontro, um editor de área ou caderno é convidado. Um resumo dos encontros é publicado no jornal de domingo seguinte à reunião. A medida é um avanço, pois está conectada com sistemas semelhantes em outros jornais no mundo, como o Asahi Shimbun, no Japão.

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Projeto da Univali para acompanhamento da imprensa catarinense (http://www.univali.br/monitor)