Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Signos, comunicação e realidade

Vários autores defendem a tese de que uma das grandes virtudes do ser humano, que antes de mais nada e acima de tudo o distingue, é a sua capacidade de abstração. Não foi por acaso que a humanidade se libertou da escravidão ao mundo material, a que vivem presos todos os outros animais. Cientificamente, comprovam que é na abstração que encontramos a fonte de todo o desenvolvimento espiritual do homem. Antropólogos, por exemplo, afirmam que o homem pré-histórico possuía a mesma inteligência reduzida dos animais de grande porte –talvez menor ainda que a deles – e que se diferenciaram espiritualmente no momento em que vitalizaram essa fagulha no primeiro fulgor abstrativo que a fez multiplicar-se infinitamente sobre si mesma. Nascia, assim, a qualidade mais alta e nobre do ser humano, a que verdadeiramente o define e o desvenda, a linguagem.

A linguagem é, portanto, do ponto de vista psicológico, como a definia Vendryès, a atribuição de um valor simbólico ao sinal – processo que se funda, antes de mais nada, na abstração e que, por isso mesmo, se distingue da ‘linguagem’ de todos os outros animais. Esta última seria uma linguagem ‘natural’, enquanto a linguagem do homem é ‘artificial’ e ‘convencional’ (MARTINS, 2001). Na prática, o homem percebe os objetos exteriores através dos sentidos e a impressão envolvida é que se reflete na linguagem. Mistura-se o simbólico e o expressivo, interferindo-os simultaneamente para então chegar à perfeição atual da linguagem, que é o veículo da comunicação.

A comunicação é intrínseca à condição humana e existe desde o aparecimento do ser humano no mundo. Portanto, mais do que um fato, a comunicação é uma necessidade do social. Um evento no qual os indivíduos intercambiam práticas e reflexões comuns a determinada atividade, construindo, por conseguinte, um processo de humanização (BERLO, 1997). As pessoas se esquecem que a interação social e cultural da humanidade só é possível pela existência de diversos mecanismos de comunicação, como a fala, a escrita, a difusão de símbolos universalizantes etc., e não somente pela existência de veículos de comunicação de massa.

Sofistas modernos

Como e em que momento a linguagem se diversificou em idiomas, como e em que momento a linguagem auditiva se transformou em linguagem visual, com a invenção dos primeiros sistemas de escrita, são problemas até agora não resolvidos e que, segundo toda probabilidade, continuarão para sempre insolúveis. De acordo com Edward Sapir, a história da escrita é, em essência, uma longa tentativa para desenvolver um simbolismo independente com base na representação gráfica, seguida da lenta e amargurada constatação de que a linguagem falada é de um simbolismo mais poderoso do que qualquer espécie de gráfico e que o verdadeiro progresso na arte da escrita repousa no abandono virtual do princípio de que originalmente partiu.

Segundo o fundador da lingüística moderna, Ferdinand de Saussure, a escrita em nada modifica o regime da produção e troca das idéias. Para este midiólogo, a escrita não aparece apenas como uma forma de representar a língua. Uma comunicação visual possuirá, sim, modificações de uma comunicação auditiva (BOUGNOX, 1994). Toda nossa cultura gira em volta dessa passagem e talvez esse seja um fator preocupante. As pessoas escolhem o meio de comunicação mais conveniente e mais acessível e também selecionam os conteúdos a serem comunicados, caso esses tenham algo que venha de encontro a seus princípios ou às suas crenças eles serão, com certeza, abolidos, censurados e mesmo esquecidos (GOMES, 1997).

Com o uso e aperfeiçoamento da técnica comunicacional e o conseqüente monopólio da mídia pela elite, é ela que faz com que haja a expansão do que foi visto, escutado ou lido. As pessoas leigas em determinados assuntos seguem a opinião daqueles que são mais informados e inteirados dos principais acontecimentos. Por exemplo, havendo uma eleição para presidente, essas pessoas menos inteiradas das propostas dos candidatos irão recorrer àquelas que estão mais por dentro, sendo esses os chamados líderes de opinião. São eles que detêm o poder de manipulação da grande massa, depois, é claro, dos meios de comunicação. Revelam-se como os sofistas modernos.

Percepção da imagem

Observando a realidade, percebe-se que os hábitos das pessoas estão cada vez mais comuns, elas estão interligadas, interagindo o tempo todo no que podemos chamar de Aldeia Global. É um acontecimento simultâneo em que o tempo e o espaço desaparecem. Todos são envolvidos pelos meios eletrônicos – afinal, atualmente, o cotidiano se torna complicado para aquelas pessoas que ainda não foram inseridas nesse ambiente cibernético.

Devemos ter a consciência que todo o conhecimento de nossa realidade é através de signos, imagens, símbolos etc. E tal conhecimento se dá sempre através de um dos nossos sentidos. Um sapato, por exemplo, somente é conhecido por ser visto, sentido e eventualmente ouvido se arrastando aos passos de alguém. Diretamente, não temos condições de conhecê-lo. Conhecemos a sua imagem, visível e táctil, e o ouvimos às vezes. Construímos essa imagem, vivemos e procedemos de acordo com ela. Tal imagem é percebida através de um canal, que é um de nossos sentidos. Um nítido processo de comunicação é que permite que tomemos conhecimento do sapato que estamos calçando.

‘Ferramentas da razão’

Assim também ocorre com tudo mais que nos rodeia: parentes, amigos, partes de nós mesmos, de nosso corpo etc. As experiências anteriores e conscientes do indivíduo são de imensa importância para a informação. No degrau da assimilação, imediato à percepção propriamente dita, as experiências anteriores são fundamentais na construção da realidade por parte de quem recebe a mensagem. Não vemos mesmo como poder imaginar as respostas de julgamento dadas pelo indivíduo sem o efeito da experiência anterior, inevitável na forma de assimilação, estágio por que necessariamente passa o indivíduo antes de estabelecer a resposta, completando o processo comunicativo (D’AZEVEDO, 1971).

Da mesma maneira, não temos como prever as conseqüências advindas dos novos processos de comunicação. Ora, se o universo está em constante transformação, não será diferente também com a linguagem que há séculos e séculos evolui em si mesma e transforma o mundo cultural em que está inserida. Cabe a nós, profissionais e alunos de Comunicação, o estudo e a responsabilidade do uso das ‘ferramentas da razão’ para alcançar a maior neguentropia – as informações e conhecimentos completam-se, permitem combinações cada vez mais variadas e cada vez mais firmes, dando acesso a horizontes cada vez mais elevados, ou seja, máximo progresso intelectual ou espiritual – e a conseqüente formação de uma sociedade melhor estruturada, pensante.

MELO, José Marques de. Teoria da comunicação: paradigmas latino-americanos. Petrópolis, RJ. Editora Vozes, 1998.

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Estudante de Jornalismo em Multimeios na Universidade do Estado da Bahia (UNEB), Juazeiro, BA