Saturday, 27 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Testemunhos sobre ética relativista

Jornalismo é uma profissão que tem como base a confiança – entre jornalistas e fontes, editores e repórteres, escritores e leitores. A prática se fundamenta na ética e é preciso estabelecer o que é válido ou não na busca e na divulgação de informações. Na noite de quarta-feira, 13 de abril, o Instituto de Ensino Superior de Brasília promoveu para os alunos dos cursos de Jornalismo uma mesa-redonda sobre o tema Ética na Reportagem.

O debate contou com a presença dos jornalistas Carlos Chagas, Eliane Cantanhêde, Helena Chagas e Luiz Martins, que expuseram suas experiências e percepções – nem sempre comuns – acerca do tema.

Depois de o educador Carlos Chagas afirmar que não concorda com a existência de uma ética utilitarista – acredita em ética como algo universal, de todos os cidadãos, e não de cada profissão –, Eliane Cantanhêde, colunista do jornal Folha de S. Paulo, começou o discurso com a declaração de que, para ela, a ética é relativa. Pelo fato de terem a função de descobrir e divulgar informações de interesse público, os jornalistas podem passar por cima de regras sociais, e até da lei, para conseguir o que querem. ‘É antiético usar do artifício de uma mentira para conseguir uma informação ou é errado roubar um documento para levar uma informação para uma empresa? Para mim, não’. Eliane afirmou que ‘o que vale é deixar que o público saiba o que é de seu interesse’.

Não disse qual é o limite do jornalista. Se o argumento é a busca de um bem maior, será que vale tudo? Roubar documento público pode, ouvir atrás da porta e mentir também pode. Roubar um celular no qual você sabe que tem o telefone daquela fonte que seria fundamental na sua próxima grande reportagem, pode? Pode botar fogo no Congresso para ver se os bombeiros chegam rápido? A colunista não explicou.

Palmas instantâneas

Quando uma estudante questionou esse limite, Eliane afirmou que sua fala estava sendo levada ‘ao pé da letra’. Que tudo depende do contexto – apesar de não ter falado em contexto. Disse que o que interessava era o ‘povo’ receber a notícia. E completou: ‘Se você acha que isso é antiético, uma boa idéia é que você seja publicitária’.

Além de ser uma ofensa aos publicitários – como se esses não pudessem trabalhar pelo interesse público e com informações importantes e verdadeiras –, a afirmação leva a crer que não existe outra opção para quem quer trabalhar na imprensa brasileira. Para ter sucesso é preciso mentir, roubar e sabe-se lá mais o que, ‘pois a informação não cai do céu’.

Como se não existissem outras maneiras de conseguir dados, de descobrir verdades. Essa, sim, é a função dos jornalistas. ‘Se virar’ para conseguir a notícia. Mas o ‘se virar’ não precisa incluir nada que vá contra princípios éticos e morais.

Por mais incrível que pareça, diante da resposta as palmas foram instantâneas. Estudantes e professores apoiaram a opinião.

Dinheiro e sucesso

Luiz Martins da Silva, professor do Departamento de Jornalismo da Universidade de Brasília, contestou a idéia: ‘Se o fim for válido’ – obter informações – vale mentir e roubar. ‘Será que vale?’, perguntou. Segundo o professor, depende muito do contexto histórico e singular das situações julgar se faz sentido ou não, se é ou não legítimo agir de forma antiética em prol de um ‘bem maior’.

Roubar ou não roubar, mentir ou não mentir é uma escolha moral de cada profissional. Ninguém deve ser forçado a agir contra o que acredita ser certo. Não é correto que a pressão do mercado, que supervaloriza furos e notícias exclusivas, guie o comportamento dos jornalistas. Sabe-se que por trás de comportamentos antiéticos nem sempre está a vontade de mostrar a verdade aos leitores. Geralmente estão associados ao interesse comercial – jornais ganham legitimidade ao apresentar notícias novas – e à vaidade do profissional que escreve. Não é novidade que jornalistas ganhem prestígio ao conseguir informações que mais ninguém tem. E como conseguiram, pelo visto, não interessa.

‘Jornalismo também é empresa, também é negócio’, disse Eliane. ‘Meu patrão também é empresário.’ Ao que parece, a grande busca é dinheiro e sucesso, interesse público é só o caminho. Luiz deu uma boa contribuição à discussão quando contestou a afirmação de que essas práticas se explicam pela busca do bem público. Há muita coisa que é de interesse público e não é publicado. ‘Por que o governo precisa gastar milhões com prevenção de doenças, por exemplo?’

Ninguém é obrigado

A diretora da sucursal de Brasília do jornal O Globo, Helena Chagas, apoiou e defendeu a colega da Folha. ‘Eu também roubo documentos!’, afirmou. Disse que faz o que for preciso para obter informações que julga valiosas. ‘Se der bobeira, eu pego mesmo’, afirmou a jornalista. Disse acreditar que a melhor maneira de proteger o jornalista é que essas situações sejam discutidas com os editores, na redação. É preciso ter o respaldo dos chefes. Praticamente uma máfia!

Um estudante usou o discurso de Carlos Chagas para questionar a posição das jornalistas. Carlos disse que para saber se algum comportamento é ético basta pensar no que aconteceria se todos resolvessem agir daquela maneira. ‘O que aconteceria se todos os jornalistas assumissem o discurso de vocês, do roubo e da mentira? O que seria da prática?’ Não houve resposta. Mas a pergunta existe. O que aconteceria? Coisa boa não seria…

É na faculdade que se deve aprender que, antes de ser profissional de sucesso, é essencial buscar agir de forma justa e responsável. Que ninguém precisa aceitar passivamente os absurdos do mercado. Que ninguém é obrigado a se vender. Que é possível fazer notícias verdadeiras, de qualidade e que vendam. Que, com união, é possível construir uma imprensa mais isenta. Que a ética é fundamental. É até engraçado que, numa palestra em ambiente acadêmico, a ética não seja tratada com a devida importância.

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Estudante de Jornalismo