Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Trajetos da reportagem jornalística

A idéia de representar o mundo (tão cara à ciência, às artes, ao jornalismo…) está historicamente vinculada à capacidade humana de compreender, vivenciar e (por que não?) reinventar a própria realidade. O dilema da arte que imita a vida (ou da vida que imita a arte) é aí exemplar. Melhor transitar e agir no mundo envolve formas de representá-lo. Um recurso nada recente e muito usual é o mapa.

Ao mesmo tempo em que sintetiza o mundo, uma região ou situação (um continente desenhado em centímetros), o mapa auxilia na ação das pessoas sobre o mundo (movimento, identificação de lugares, rotas, marcos geográficos). É um artefato prático (esse o seu valor), volta-se à orientação. Em alguns casos, é através dessa representação que nos damos conta da existência de certos lugares. Assim como temos outra leitura do que já conhecemos a partir do contato com tal representação material (globo, cartas de navegação, esquemas),

Nesse sentido é que se pode falar que o jornalismo produz cotidianamente um mapa do mundo contemporâneo (com escalas e precisão variáveis, claro). Dada, no entanto, a diversidade de práticas e modalidades constituinte do fazer periodístico, torna-se também necessário uma mapa desse mapa… A revista Profissão jornalismo: a ousadia da reportagem, quinto volume do projeto de extensão ‘A Mídia em Livros’, do curso de Jornalismo da Universidade Estadual de Ponta Grossa (PR), possui alta relevância nesses termos. Ao reunir 22 resenhas de livros ligados à reportagem, funciona como um mapa de trajetos já desenvolvidos por tal modalidade jornalística de apreensão (e produção) do real. O lançamento é organizado pelos professores e jornalistas Karina Janz Woitowicz e Sérgio Luiz Gadini.

Os textos da revista (119 páginas) são de estudantes, profissionais e professores da UEPG. O material serve como guia mínimo de orientação sobre ofertas do mercado editorial e também como um mapa que revela opções, estratégias e disposições do fazer jornalístico – expõem caminhos da reportagem. A revista é de interesse para profissionais da comunicação, estudantes de Jornalismo e iniciantes no ramo, uma vez que configura também uma introdução (manuseável) ao mundo do jornalismo e seus estilos de fazer o mundo com palavras.

As resenhas estão organizadas em quatro partes: ‘O fazer jornalístico e outros olhares’, ‘A reportagem como denúncia social’, ‘Histórias em forma de reportagem’ e ‘Reportagens internacionais’. O primeiro capítulo reúne livros que tematizam, em alguma medida, o próprio fazer jornalístico. É o caso de Fábrica de mentiras, de Gunter Walraff, que expõe as vísceras de um popular periódico alemão. O segundo grupo de textos aprecia obras que passeiam por temas como narcotráfico, sistema penitenciário, exploração sexual, violência policial e ditadura militar. Em resenhas como a de Rota 66, importante obra do jornalista Caco Barcelos, pratica-se uma interessante mescla de apreciação dos elementos do livro, discussão do tema (violência policial) e apontamentos sobre a prática de reportagem. Uma possível saída ao resenhismo atualmente praticado em boa parte da imprensa…

Os livros resenhados no terceiro capítulo são os que ‘abordam acontecimentos históricos em forma de reportagem jornalística’, explicam os editores na apresentação. Destaca-se aí a obra Os Sertões (com mais de 50 edições, traduzida em pelo menos nove línguas), seminal à reportagem no Brasil e avaliada aqui pela jornalista Rúbia Pimenta. A última divisão reserva-se a livros-reportagem sobre fatos internacionais (passando por EUA, Japão, Coréia do Norte, Afeganistão e Alemanha). É apresentada, por exemplo, a obra Hiroshima (de extrema atualidade), de John Hersey, sob o título ‘O rosto da dor’, pela jornalista Camila Cardoso.

Profissão jornalismo… tem como mérito principal a seleção de livros imprescindíveis tanto ao estudo quanto ao exercício do jornalismo e realiza uma necessária triagem do (crescente) mercado editorial sobre a atividade periodística. As obras referenciadas revelam mais de um século de caminhos e tentativas da reportagem – abrangem desde fatos marcantes como Canudos, a Revolução Russa, a luta pela terra no Brasil, até momentos ainda frescos na memória do leitor, como o assassinato do jornalista Tim Lopes. O leitor leva de brinde, portanto, uma espiada em acontecimentos fundamentais que de certo modo (re)organizaram o modo de ver o mundo em momentos diversos.

O projeto de extensão, no caso, tem o mérito ainda de se pautar muito mais pela pertinência da obra, pela sua duração no tempo, do que por qualquer apelo do mercado editorial – o que marca um diferencial em relação à grande imprensa. É assim que se explica, por exemplo, a oportunidade de apresentar um livro como Assassinados pela ditadura, de Luis Fernando Assunção – que permite deslocar o olhar para os massacres ocorridos em Santa Catarina.

Mas não se espera que a trajetória da reportagem no Brasil e no mundo seja apenas composta por sucessos, como por vezes se faz acreditar na maioria dos livros. Nesse sentido é satisfatória a observação do jornalista Glaydson Angeli, sobre livro de Marcos Losekann – ‘o repórter se esquece que também se aprende com o erro’. Quase uma reivindicação para que se fale também dos caminhos que não deram certo, algo necessário a qualquer aprendizagem…

E como a produção se constitui em atividade de aprendizagem também, vale dizer que alguns textos embarcam no assunto em vez de ter por objeto o livro. Aí perde-se, em geral, o potencial crítico da resenha, por desconsiderar o livro como um produto (submetido então a processos, edição, recortes, estilos). ‘A mídia em livros’, que em edições anteriores já abordou teorias da comunicação e biografias, numa visão mais geral, pode também ser lida como um indicador das relações que um curso projeta na comunidade e de uma crescente produção acadêmica em jornalismo não mais localizada apenas nos chamados grandes centros urbanos.

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Jornalista