Tuesday, 19 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1279

Um diagnóstico preciso

Na edição nº 1.990 de Veja (10/01/2007), o economista Cláudio de Moura Castro assina o artigo ‘Autópsia de um fiasco’, que, a meu juízo, constitui um belo diagnóstico de uma das causas do fracasso de nosso sistema educacional.

Inicia o autor lembrando que tiramos os últimos lugares no Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa), um teste que afere compreensão de leitura e ‘outras competências vitais em uma economia moderna’. Moura e Castro lembra, também, o retumbante fracasso de nossos alunos no Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (Saeb).

Parte, então, o articulista para a autópsia do fracasso, para o qual, segundo ele, não se encontra justificativa na pobreza de nossos alunos ou de nossas escolas, pois os alunos das famílias mais ricas brasileiras apresentam um nível de compreensão de texto inferior aos filhos de operários da Europa e de outros países que valorizam a educação.

A causa estaria, então, nos aportes teóricos de que se vale a educação brasileira. Estudiosos como B. Charlot, para quem ‘os saberes científicos podem ser medidos em falsos ou verdadeiros, mas não os conteúdos de filosofia, pedagogia e história’, ou E. Morin, segundo o qual ‘em lugar de especialização, da fragmentação de saberes, devemos introduzir o conceito de complexidade’, estão fazendo a cabeça de nossos educadores. Nesses textos, segundo Moura Castro, ‘há asneiras irremediáveis e assuntos que coroariam um processo de amadurecimento intelectual’. Nas séries iniciais, embasamento filosófico desse tipo cria uma grande confusão mental, e o reflexo são os pífios resultados de nossos alunos. Vale dizer que os posicionamentos de Charlot e Morin harmonizam-se com estudos mais avançados.

‘Certo’ e ‘errado’

Sempre percebi a dificuldade que têm nossas crianças de ensino fundamental para opinarem sobre tudo, numa época em que não dominam os rudimentos da língua e dos cálculos. Os livros de Língua Portuguesa, por exemplo, estão a solicitar comparações entre textos, levantamento de contradições, detecção de ambigüidades etc., etc. Ufa!

Não menos espinhosas são as tarefas em História, em Geografia, em Ciências. Muitas e muitas vezes, eu, que sou admirador da contribuição de nossos livros didáticos, abandonei-os no meio do caminho (entenda-se aqui caminho como a aula, parte do curso ou mesmo o curso) porque os achava muito acima do nível de minhas crianças. Eram livros para professores, escritos por notáveis especialistas, que o Brasil os têm de sobra.

Emerge do artigo de Moura e Castro a idéia de que não podemos mergulhar nossos alunos na ‘indisciplina do relativismo, do subjetivismo’, a que eles chegarão, certamente, depois de vivenciar um tipo de educação cartesiana, que se prima por ‘dividir o problema em tantas partes quantas sejam necessárias para sua compreensão’. É preciso colocar um pouco de ordem, de estabelecer o ‘certo’ e o ‘errado’, para que esses conceitos a posteriori sejam relativizados.

Apatia, evasão

Já não se ensina mais a velha tabuada, e as crianças – quero crer – não fazem mais ditado. Se o objetivo é aprimorar nossa complexa ortografia, talvez não haja atividade mais eficiente. Certa feita disse isso para um lingüista de renome, que não esboçou contradição.

Em Língua Portuguesa, área a que tenho me dedicado por alguns anos, penso que, se conseguirmos, ao final do ensino fundamental, levar nossas crianças à compreensão de textos e à escrita razoavelmente concatenada, teremos dado um salto qualitativo.

Uma das causas de não estarmos ainda conseguindo esse objetivo é a apontada por Moura e Castro: a dissintonia entre aporte teórico e nível de ensino; exige-se tudo numa fase em que se pode dar um pouco; o resultado é a apatia, a evasão ou, muitas vezes, a certificação meramente burocrática, que maquia estatísticas.

Certamente que há outras causas, mas o ensaísta abordou um ponto de considerável relevância.

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Professor