Tuesday, 23 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Um mundo de mistérios

Poderá faltar papel higiênico em Cuba, segundo noticiou a agência Reuters, atribuindo a informação a fontes de estatais. A notícia é triste, mas não misteriosa. Nem Cuba, apesar de ser uma economia pouco integrada nos mercados internacionais, ficou imune à crise global. A perda de recursos para a importação de papel higiênico e de matéria-prima para sua fabricação foi uma das consequências. Misterioso, mesmo, tem sido o noticiário econômico brasileiro, apesar do inegável esforço do reportariado. Para que e como a Agência Nacional do Petróleo (ANP) vai fazer buracos na área do pré-sal? Quanto podem custar os novos ataques ao Tesouro empreendidos por prefeitos, devedores do Fisco e fazendeiros endividados no Banco do Brasil?


Renegociar dívidas com o Tesouro já virou rotina. Quando não pode evitar, ou quando tem interesse político na renegociação, o governo emite papéis e aumenta a dívida pública. Um projeto de lei da bancada ruralista propõe a sétima renegociação geral das dívidas do setor, segundo informou o Valor no dia 4 de agosto, uma terça-feira. O relator do projeto, deputado Dilceu Sperafico (PP-PR), defende o alongamento até 2026 de dívidas no valor de R$ 36 bilhões. Muitos devedores na fila desse novo benefício já entraram noutros programas de rolagem e não pagaram seus compromissos.


Cobertura sem profundidade


Nenhum outro grande jornal do eixo Rio-São Paulo tentou aprofundar a história levantada pelo Valor. E nenhum tentou consolidar os vários esquemas de refinanciamento em discussão ou já acertados pelo Tesouro neste ano. No sábado (8/8), sábado, a Folha de S. Paulo informou num pé de página, quase no fim do caderno de Economia, o tamanho provável do novo benefício oferecido aos municípios: dívidas previdenciárias no valor de R$ 38 bilhões poderão ser parceladas, com carência de até seis meses para o pagamento da primeira prestação, redução de 50% nos juros e isenção de multas. Quase dois terços desse total, R$ 24 bilhões, já foram incluídos noutros acordos de refinanciamento.


Um quadro geral dos acordos impostos ao Tesouro por iniciativa de bancadas ou do próprio governo deveria incluir, naturalmente, a série de Refis. A renovação desses programas de refinanciamento de dívidas tributárias também já se converteu em rotina. A repetição dessas operações de socorro tem sido criticada como incentivo à sonegação, mas esse tipo de crítica tem pouca ou nenhuma consequência prática.


Custo dos esqueletos


A todos esses ataques ao Tesouro ainda é preciso somar o custo dos esqueletos. Um deles é o crédito-prêmio do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI). O assunto é complicadíssimo. Segundo o governo, o benefício foi extinto em 1983. Mas exportadores continuaram faturando esse crédito, por mais duas décadas, e para isso se valeram de uma confusão alimentada pelo Judiciário, por meio de uma série de sentenças desencontradas.


O Supremo Tribunal Federal (STF) marcou para o dia 13 de agosto a decisão final sobre o caso, mas a Câmara dos Deputados se adiantou, aprovando a extensão do benefício até 2002. Esse benefício foi pendurado, com participação da bancada governista, no texto da Medida Provisória 460, editada para regular o programa de subsídio à habitação.


Segundo os empresários interessados na vantagem, esse contrabando legislativo foi baseado num acordo com o Ministério da Fazenda. Esse acordo é negado pelo ministro e por seus assessores.


Se houve ou não o entendimento nenhuma reportagem mostrou de forma inequívoca pelo menos até o último fim de semana. Seja qual for o fim desse conflito, seria interessante saber se ocorreu mesmo aquele entendimento entre o Fisco e os empresários. A propósito: as estimativas do custo do esqueleto variaram entre R$ 70 bilhões (com custo final efetivo de R$ 20 bilhões, segundo os industriais) e R$ 288 bilhões, valor apontado pelo governo.


Os buracos da ANP


O plano de se envolver a ANP na perfuração de poços para sondagem de reservas na área do pré-sal foi revelado pela ministra-chefe da Casa Civil Dilma Rousseff em uma entrevista publicada pelo Valor na sexta-feira (7/8). A agência, segundo a ministra, tem em caixa R$ 1 bilhão para as primeiras perfurações. O objetivo, de acordo com Dilma Rousseff, é ajudar o governo a descobrir megacampos de petróleo e gás para possível exploração direta pela União.


A história é misteriosa. A agência é um órgão regulador e não parece capacitada material e tecnicamente para furar poços marítimos e demarcar novas áreas de exploração. Atualmente, segundo a matéria, a perfuração só é feita nas áreas já licitadas e pelos consórcios vencedores. A idéia do governo é usar a ANP para ampliar o conhecimento antes das novas licitações. Mas como isso será feito? E por que a Petrobrás não pode realizar essa tarefa? Há impedimento legal? Os quatro furos financiáveis com R$ 1 bilhão serão suficientes para produzir informações importantes?


O Estado de S.Paulo entrou na história e conseguiu do ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, uma resposta interessante. Quando lhe foi perguntado qual a vantagem de entregar a sondagem à ANP e não, por exemplo, à nova estatal planejada pelo governo, ele esclareceu: ‘Se você pudesse fazer o favor de não me perguntar isso’.


Este é apenas um dos pontos misteriosos da nova política do petróleo. O governo tem sido avaro na transmissão de informações articuladas e seria injusto atribuir à imprensa a confusão em torno do assunto. Feita essa ressalva, é preciso reconhecer: há algo intrigante na cobertura. Não houve consenso, no governo, a respeito dos planos para o pré-sal. Os jornais cobriram extensamente o assunto, mas a divergências foram descritas de forma diferente em cada reportagem. Na maioria dos casos, faltou, também, uma exposição clara das propostas apresentadas a Lula. A Folha de S.Paulo chegou perto disso, na edição de 5/8, ao apresentar um quadro resumo das propostas de regras para o pré-sal.


A cobertura do assunto é difícil e o governo tem feito o possível para transmitir o mínimo de informação relevante e organizada. Os jornais farão um belíssimo trabalho se conseguirem dar um mais de clareza ao assunto nas próximas semanas.

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Jornalista