Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Um retrato da conivência

Não consigo me animar com a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) pela qual se busca restabelecer a obrigatoriedade do diploma de jornalismo para o exercício da profissão – algo que defendo, numa posição que já manifestei e expliquei em artigos anteriores neste Observatório.

A PEC 386/09, cujo substitutivo foi aprovado por uma comissão especial criada na Câmara dos Deputados, surgiu após cobrança da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj). Tem franco apoio do movimento sindical e de parte da categoria que entende ser necessária formação adequada aos futuros profissionais.

Mas, se aprovada pelo Congresso, a PEC não resolverá uma questão anterior à derrubada do diploma pelo Supremo Tribunal Federal (STF), no ano passado: a decadência dos cursos de Jornalismo. Uma das pragas, a proliferação de faculdades na área, foi combatida. Mas as que restaram parecem não estar preocupadas em melhorar o conteúdo que transmitem, a qualificação de quem leciona e a atualização para novas tecnologias na mídia.

Aí está um tema do qual não ouvi falar nas campanhas dos candidatos à presidência da Fenaj, para a qual haverá eleições nesta semana, entre os dias 27 e 29. Aliado à defesa do diploma, outro mote foi o da criação de um piso salarial nacional para os jornalistas. Mas com que base defender algo do tipo para profissionais cada vez menos preparados intelectual e moralmente para a atividade?

Para que conhecimento?

No final do primeiro semestre, a Universidade Católica de Santos (UniSantos), cujo curso de Jornalismo existe há quatro décadas, demitiu um de seus professores-doutores, Ouhydes Fonseca, de quem fui aluno nas disciplinas de Edição e no premiado jornal-laboratório Entrevista, nos meus dois últimos anos de faculdade (1999-2000). Se os professores com mestrado e doutorado têm melhores salários do que docentes com formação mais rasa, por que estudar tanto para a carreira acadêmica, sob risco de demissão e falta de mercado para se recolocar? Para que se dedicar à pesquisa e ao conhecimento, se o profissional é considerado um fardo para a folha de pagamento?

Ainda abordando o exemplo da UniSantos, um colega de profissão que tem contato com dirigentes da universidade me confidenciou, também no ano passado, que a instituição planejava iniciar um curso de mestrado em Comunicação Social. Porém, a ideia não vingou: segundo esse jornalista, a literatura acadêmica produzida pela Católica era insuficiente para se pleitear a criação do mestrado ao Ministério da Educação (MEC).

Apesar de casos como esse, não vejo entidades de classe brigando pelo aprimoramento dos cursos de Jornalismo. Concentram-se em restaurar a obrigatoriedade do diploma. Que não passará de um belo quadro na parede enquanto a capacitação profissional for deficiente – com nossa conivência.

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Jornalista, Santos, SP