Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Uma nova experiência em Jundiaí

Este relato pretende contribuir com o debate sobre experiências inovadoras na área de jornalismo, tendo por base a experiência desenvolvida por um grupo de alunos de Jornalismo de Jundiaí em torno da publicação da revista Griffe. Trata-se de uma publicação cultural, feita com o objetivo de propiciar a reflexão crítica por meio de textos que unem as linguagens jornalística e literária. Além de textos sobre o espaço urbano da cidade, a publicação inclui relatos e ensaios fotográficos sobre São Paulo, Londres e outras cidades, procurando articular o local com o universal e, desta forma, distanciando-se de uma abordagem provinciana de temas culturais. Esta experiência marca uma relação singular entre alunos e professores, na medida em que ambos se apresentam na condição de parceiros em prol de uma publicação feita com total autonomia.

A área de atuação do jornalista tornou-se mais ampla e, ao mesmo tempo, mais complexa e competitiva diante de mudanças ocorridas especialmente pelas novas tecnologias. O jornalismo se transformou a partir de uma tradição em que o registro jornalístico desenvolveu técnicas de reprodução da realidade e ‘de apropriação da temporalidade da vida cotidiana, expressa nas notícias, e instituindo uma nova forma de percepção e vivências temporais’ (SAID, Gustavo Fortes, 2005). Com isto, surgiu, segundo Said, um tipo de percepção histórica dos acontecimentos em conseqüência da cronologia das narrativas jornalísticas e da noção de tempo desenvolvida pelos jornais.

Outras possibilidades

As transformações que têm alterado a profissão jornalística são freqüentemente tratadas em debates em faculdades, em sindicatos e em outros fóruns afins. Quando estes temas são tratados em sala de aulas para os jovens estudantes, algumas questões são recorrentes na discussão. Entre elas destaco: a) Como fortalecer a tradição quase perdida do jornalista enquanto agente envolvido diretamente nas grandes questões sociais e políticas de seu tempo? b) Como resgatar a habilidade do jornalista de contar boas e pertinentes histórias? c) Como garantir uma formação humanista e, ao mesmo tempo, técnica, para atuar em um mercado de trabalho cada vez mais desumano?

Estes tipos de questionamentos revelam a demanda nos cursos de Jornalismo pela ampliação dos espaços de debate e reflexão que possam ir além das últimas tendências do mercado de trabalho, muitas vezes mencionado sem a devida reflexão crítica, como é usual. Trata-se de sincronizar ideais e propostas com os quais os alunos sintonizam a partir da história da imprensa e da vida social e política da sociedade. A ênfase excessiva no mercado leva à desconsideração de outras possibilidades de atuação jornalística. Quando tratadas, estas ficam limitadas a disciplinas de menor ênfase no currículo, até por não estarem afinadas com as tendências do mercado.

‘Muitas batalhas e pedras’

Com isso, corre-se o risco de deixar de lado possibilidades criativas dos alunos e também reforçar uma imagem limitada e distorcida de jornalismo que muitos deles, em muitos casos, a maioria, já trazem consigo ao ingressarem nos cursos.

Paradoxalmente, e a despeito da predominância de discursos em prol do mercado, há iniciativas criativas sendo realizadas por alunos e que apontam para outros caminhos. Caminhos que resultam de uma positiva articulação entre reflexão crítica e experiência prática. Desta forma, revelam a importância de disciplinas taxadas de teóricas – e mal vistas por muitos –, no sentido de servirem de base para a realização de projetos inovadores. É possível, inclusive, a realização de projetos sob a iniciativa dos próprios alunos, e não do quadro docente ou da política da instituição educacional.

É o caso da publicação da revista Griffe, de Jundiaí. Com três anos de circulação, a revista foi criada em março de 2004 por um grupo de alunos do curso de Jornalismo da Universidade Paulista (Unip), em Jundiaí. Tendo a frente Flavio Andrade, na condição de editor e diretor, a revista logo de início foi apresentada como um projeto de divulgação cultural, sem fins lucrativos, tendo parte dos custos bancada por meio de anúncios de pequenos comerciantes da cidade. Quando a publicação completou um ano, o editorial enfatizou o seguinte: ‘Chegamos a um ano de vida com muitas batalhas e pedras por desviar e colocar nas ruas um material de qualidade, que tivesse realmente algo a dizer e fazer as pessoas pensarem.’

Cinco ensaios fotográficos

Quando tive contato com o grupo de alunos e a sua revista, na condição de professora, chamou a minha atenção o fato de o grupo desenvolver o seu projeto de forma inteiramente independente da universidade e dos seus professores. Minha primeira medida foi valorizar o projeto e, a partir do olhar de minhas disciplinas, contribuir com os alunos. Logo fui convidada a escrever para a publicação e, desde então, mantenho uma seção de crônicas. Em seguida, outros colegas passaram a publicar seus textos.

A revista cresceu e adquiriu destaque na cidade. A sua versão online tem grande número de acessos via Google.

A princípio, era uma publicação em preto e branco, com trinta páginas, com todos os textos feitos pelos próprios alunos, mantida com parcos recursos. O grupo inicial era formado por oito colaboradores. Os temas giravam em torno de aspectos culturais de Jundiaí, havia crônicas e notas sobre filmes e livros. Aos poucos, a revista ampliou a sua abordagem e passou a investir de forma mais eficiente no jornalismo cultural, dando visibilidade para a cidade e também procurando tratar de temas mais gerais. Recentemente, manteve o formato A4 dobrado, mas passou a ser impressa em papel couché.

Em março passado, o grupo lançou o livro Griffensaios para comemorar os três anos da publicação. Trata-se do primeiro livro de debates sobre comunicação, responsabilidade social e comportamento, como explica Flavio Andrade, em artigo publicado no portal do Observatório da Imprensa. O livro reúne 95 fotografias, distribuídas em cinco ensaios fotográficos que tratam de moradores de rua, do espaço urbano de Jundiaí, de São Paulo e de Londres, além de temas como arquitetura, literatura e mídia. O lançamento contou com a cobertura da imprensa local e com o reconhecimento de instituições culturais de Jundiaí.

Humanismo e reflexão crítica

Com uma tiragem de dois mil exemplares, a revista tem crescido e recebido elogios de jornalistas por sua abordagem crítica e procura firmar-se enquanto um veículo de debates sociais e culturais. O editor classifica a publicação como jornalismo alternativo. Alternativo à noção predominante de mercado – e que tem engessado o fazer jornalístico. Experiências como estas podem ser estimuladas a partir dos próprios projetos pedagógicos dos cursos de comunicação, se estes cursos passarem a preocupar-se não apenas com o mercado, mas sobretudo em ampliar os horizontes do seu corpo discente. Nas palavras de Flavio Andrade: ‘Ganhar dinheiro é indispensável, mas quando apenas esta filosofia é praticada, rever o conceito da profissão é preciso e urgente.’

Outro aspecto a ser considerado diz respeito às contribuições que estes tipos de experiências proporcionam à relação professor-aluno. Quando o professor se coloca lado a lado com o aluno, na condição de parceiro, uma nova dinâmica marca esta complexa relação. De um lado está o professor, aquele que, muitas vezes, recebe as queixas, as frustrações, as irritações e também os relatos sobre as dificuldades cotidianas enfrentadas pelos alunos. De outro, o aluno em busca de realizar o sonho de fazer um curso superior, mesmo considerando que muitos querem apenas um diploma a qualquer custo. Mas, no primeiro caso, o aluno demonstra interesse em crescer intelectualmente e o curso acaba sendo o único caminho para muitos que não tiveram condições de desenvolverem antes uma sólida formação cultural e educacional, especialmente no caso de alunos de instituições particulares. Estes, em grande parte, enfrentam maior grau de dificuldade a começar pela necessidade que a maioria tem de trabalhar para pagar as mensalidades.

Diante deste cenário, a experiência da revista Griffe tem sido frutífera para os alunos e, a meu ver, para os professores envolvidos no projeto. Trata-se de uma empreitada que ajuda a instituir um novo tipo de parceria entre professor e aluno, ao mesmo tempo em que se alinha ao fazer jornalístico marcado pelo humanismo e pelo compromisso com a reflexão crítica.

******

Professora de disciplinas teóricas e práticas do curso de jornalismo da Universidade Paulista (Unip/Campinas). Foi docente da PUC-Campinas, Universidade de Brasília e Universidade Católica de Brasília