Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Veja

MÍDIA & POLÍTICA
Thaís Oyama

‘Prefiro cães a ladrões’ – Entrevista: João Doria Jr.

‘O empresário, jornalista e publicitário João Doria Jr. não bebe, não fuma, não fala palavrão e, graças ao apreço que tem pelos detalhes – e ao gel, que usa desde os 9 anos de idade -, jamais foi visto em público com um fio de cabelo fora do lugar. João Doria Jr. é um perfeccionista, um trabalhador obcecado e um dínamo do meio empresarial. Começou a trabalhar aos 13 anos, depois de ver o pai, o deputado federal João Doria, cassado em 1964, perder todo o patrimônio no exílio. Aos 18 anos, já era diretor de uma rede de TV e, aos 38, fundou um grupo de lideranças empresariais, o Lide, que reúne quase metade do PIB brasileiro. Hoje, aos 49 anos, é um dos líderes do Movimento Cívico pelo Direito dos Brasileiros, mais conhecido como ‘Cansei’. Criado a partir do acidente com o Airbus da TAM, inicialmente para protestar contra o caos aéreo e a corrupção, o ‘Cansei’ já foi acusado de golpista, ‘elitista’ e ilegítimo. Nesta entrevista a VEJA, Doria Jr. fala sobre as críticas que ele e seu movimento receberam, afirma que o brasileiro não perdoa quem faz sucesso e diz que os ricos têm, sim, o direito de protestar. ‘Ou agora é preciso apresentar atestado de pobreza e de filiação partidária para isso?’

Veja – O movimento que o senhor ajudou a criar já foi chamado de ‘coisa de dondocas enfadadas’, ‘conspiração da elite branca de Campos do Jordão’ e ‘movimento dos cansados de andar de helicóptero’. Qual é o motivo dessa reação, na sua opinião?

Doria Jr. – Eu creditaria parte dessa reação à falta do exercício democrático. Nós vivemos um hiato, nestes últimos seis anos, em que não houve nenhum movimento novo na sociedade civil. Esse hiato provocou uma certa letargia no país. Então, quando há um movimento da sociedade civil, algumas pessoas – seja por incompreensão, seja porque não aceitam críticas – procuram desqualificá-lo. Eu entendo que o Brasil continua sendo uma democracia e, nesse contexto, todos os movimentos da sociedade civil, desde que pautados dentro da lei e da ordem, são importantes para a afirmação democrática do país, venham eles de onde vierem.

Veja – E por que, no caso do ‘Cansei’, a origem do movimento tornou-se um ponto tão criticado?

Doria Jr. – Acho que por incompreensão, em primeiro lugar; por intolerância, em segundo lugar; e, em terceiro, um pouco porque o exercício da intelectualidade, muitas vezes, não admite que aqueles que não são intelectuais exerçam o direito ao protesto, ao diálogo, à dúvida. O movimento tem pessoas que, vamos dizer, alcançaram posições elevadas nas suas empresas e, no Brasil, há um certo hábito de criticar quem faz sucesso. Tom Jobim foi o primeiro a observar isso quando disse que, no Brasil, o sucesso é ofensa pessoal. Penso que há um pouco esse comportamento atávico por parte da sociedade brasileira: o de achar que uma pessoa que faz sucesso não merece esse sucesso e tentar explicá-lo por meio de outras razões que não aquelas fundamentadas no trabalho, na dedicação e no esforço. No caso do ‘Cansei’, parece que se é duplamente culpado. A pessoa é culpada por fazer sucesso e culpada porque, além de fazer sucesso, ainda quer se manifestar. Agora, eu pergunto: desde quando, para ter o direito de se expressar, você precisa ter atestado de pobreza? Quer dizer que se você é pobre pode se manifestar, mas se pertence à classe média ou usufrui um padrão alto de vida não tem o direito de se expressar? Isso é um equívoco, é antidemocrático.

Veja – O senhor ficou surpreso com essa reação?

Doria Jr. – Da parte do governo, nós não esperávamos que ela viesse com tanta força, mesmo porque o ‘Cansei’ não foi feito para ser um movimento de oposição ao governo Lula. É um movimento pelo Brasil. Mas essa reação do governo acabou permeando parte da mídia, mesmo aquela formada por jornalistas competentes, ilustres e com DNA democrático – e que, talvez pela falta do exercício da crítica, acabaram também incorporando o movimento como algo golpista: ‘Ah, vocês são contra o Lula, contra o pobre imigrante que veio para o Sul na carroceria de um caminhão…’.

Veja – O senhor reconhece a existência de preconceito contra o presidente Lula pelo fato de ele ser nordestino, iletrado e de origem pobre?

Doria Jr. – Eu não concordo com isso e não desqualifico o presidente Lula por sua origem humilde, assim como não concordo que se desqualifique uma pessoa que, por ter estudado e trabalhado, hoje ocupa uma posição de destaque na sociedade.

Veja – O senhor não só ocupa uma posição de destaque na sociedade como, por causa de sua profissão, de seus hábitos e até de sua maneira de vestir-se, sempre esteve associado a um segmento muito restrito da elite brasileira, que muitas vezes é mostrada de forma caricata. Isso não teria contribuído para estigmatizar o ‘Cansei’?

Doria Jr. – Talvez, talvez. Mas, mesmo assim, nós temos de vencer essa discriminação. Alguém que é pobre, anda descalço e nasceu no sertão de Pernambuco está, por acaso, desqualificado para liderar algum movimento? A atitude de quem tenta me desqualificar por causa de minha situação socioeconômica é a mesma daqueles que desqualificam o sujeito de pé descalço. Ela é injusta nos dois extremos. Mas isso não me inibe. Isso não me arrefece. Eu sou um brasileiro como qualquer outro. Meu pai foi cassado no golpe de 64, eu fui exilado com ele…

Veja – Mas o que vem à cabeça das pessoas é que o senhor promoveu um desfile de cachorros em Campos do Jordão.

Doria Jr. – Eu prefiro caminhar com cães a caminhar com ladrões.

Veja – De qualquer forma, do ponto de vista publicitário, o uso de sua imagem como líder do ‘Cansei’ não teria sido um marketing equivocado?

Doria Jr. – Não. Primeiro, porque o movimento não é de João Doria Jr. Depois, porque trabalho desde os 13 anos de idade. Não recebi nada de mão beijada. Meu pai, que foi cassado no golpe de 64 porque denunciou na Câmara Federal que o Brasil estava sendo vítima de um golpe, perdeu praticamente tudo no exílio, a começar pelos amigos. Minha mãe, que era dona-de-casa e nunca havia trabalhado antes, teve de começar a trabalhar. E eu comecei a trabalhar não por esporte, mas para ajudá-la, porque via o sofrimento dela. Saí de um colégio particular e fui estudar em uma escola pública – curso noturno, para poder trabalhar de dia em uma agência de publicidade. Deixei de andar com motorista particular para andar de ônibus – tomava seis conduções por dia. Do meu salário, ficava com 20%. Os outros 80% entregava a minha mãe. Comecei do zero. Do zero. E até hoje trabalho dezessete horas por dia – todos os dias. Pergunte a quem você quiser. Até quem não é meu amigo sabe que trabalho dezessete horas por dia.

Veja – O senhor acha que o fato de o ‘Cansei’ ter sido caracterizado como um movimento elitista afastou muita gente dele?

Doria Jr. – Não senti que houve um temor das pessoas em relação ao juízo que outras poderiam fazer. ‘Será que minha empregada ou meu funcionário me avaliariam mal por isso?’ Não, isso não senti. Agora, pelo temor de uma retaliação por parte do governo ou mesmo de uma patrulha por parte da imprensa, isso, sim. Esse temor eu senti. O Paulo Zottolo (presidente da Philips e um dos líderes do ‘Cansei’, que afirmou que, se o estado do Piauí acabasse, ‘ninguém iria sentir falta’), por exemplo, que é um homem de bem, cometeu um descuido, pediu desculpas, e, mesmo assim, só falta quererem que ele seja imolado em praça pública.

Veja – O Brasil viveu uma série de escândalos de corrupção nos últimos anos e nenhum deles foi suficiente para mobilizar um grupo a ponto de ele criar um movimento organizado de protesto. Por que o senhor acha que isso só ocorreu agora?

Doria Jr. – Esses escândalos podem não ter mobilizado o suficiente, mas mobilizaram, sim. Tanto que o combate à corrupção, com punição aos corruptos e corruptores, é o ponto número 1 da proposta do movimento ‘Cansei’. O segundo é a reforma tributária. O Brasil tem excesso de impostos – e os impostos, ao contrário do que alguns dizem erroneamente, penalizam o trabalhador, o cidadão que tem carteira assinada, paga impostos e não tem retribuição. O caos aéreo pode ter sido o ponto de partida do ‘Cansei’, mas isso só aconteceu porque ele catalisou uma série de insatisfações que vinham crescendo. Dez meses de caos aéreo provocaram uma sensibilização enorme na sociedade – e principalmente na classe média, que se sentiu desassistida e pouco respeitada nos seus direitos. O fato de a classe mais pobre não viajar de avião – ou melhor, mal viajar – não deve ser suficiente para desqualificar o direito de milhares de pessoas que usam o transporte aéreo para trabalhar, para fazer um tratamento de saúde, para estudar ou mesmo para usufruir lazer, que também é um direito legítimo. E a indignação foi ainda maior porque revelou a falta de eficiência do governo na gestão de um problema grave. O governo levou dez meses para trocar um ministro! Eu não contrato pessoas para trabalhar na minha empresa porque são minhas amigas ou porque comungam das minhas opiniões. Contrato porque elas são eficientes para cumprir o seu papel. E, se eu errar, convido a pessoa a deixar a empresa. O Lula levou dez meses para trocar o Waldir Pires, que é um homem de bem. Mas não basta ser um homem de bem para ser ministro.

Veja – O senhor disse que o ‘Cansei’ agora deverá passar para uma segunda fase, propositiva. No que consistirá essa fase?

Doria Jr. – O movimento tem cinco propostas, que são: combate à corrupção, com punição aos corruptos e corruptores, reforma tributária, prioridade à educação, melhoria da eficiência da gestão pública e a da segurança pública. Nós vamos apresentar propostas que possam melhorar esses cinco pontos – que estão longe de ser as únicas deficiências do país ou dos estados e municípios, mas são ao menos as mais urgentes, na nossa visão. No que diz respeito ao combate à corrupção, por exemplo, trataremos dos leilões eletrônicos, algo que o governo Mario Covas começou a fazer com resultados fantásticos. A economia que o sistema proporciona e a capacidade de ele neutralizar a corrupção são quase absolutas.

Veja – O senhor disse que trabalha dezessete horas por dia. Quantas horas dorme por noite?

Doria Jr. – Muito pouco: quatro horas. Se você tem paz de espírito, pode dormir pouco porque descansa bem. Eu descanso muito bem e não tomo barbitúricos para dormir, nunca tomei. Assim como nunca bebi e nunca fumei. E olha que vou para a cama tarde. Saio do escritório, todos os dias, à 1 e meia da manhã. Até esse horário, pode ligar aqui que você me encontra. Mesmo quando tenho um compromisso à noite, vou cedo, fico o suficiente para que a pessoa perceba a minha presença como um gesto positivo, simpático, e volto para cá.

Veja – Não sobra muito tempo para a família, então?

Doria Jr. – Eu levo meus filhos à escola todos os dias, exceto nas terças e quintas, quando faço fisioterapia. Amo meus filhos, amo minha mulher, amo minha família. Tenho três filhos, uma esposa e um único casamento – há catorze anos. E amo todos, inclusive porque eles compreendem meu ritmo de vida. Mas eu convivo com meus filhos, converso com eles. Tenho o hábito de estabelecer um tema por dia para conversar com eles a caminho da escola, o tema do diálogo que teremos.

Veja – Qual foi o tema de hoje?

Doria Jr. – ‘Respeito aos mais velhos’. Expliquei por que eles têm de respeitar, ouvir e obedecer às pessoas que têm mais idade – sejam elas seus pais, seus tios, seus amigos ou seus professores. Uso a linguagem deles, evidentemente. Cada dia escolho um tópico e às vezes repito um que já usei, porque isso, você sabe, é dinâmica de ensino. Vou marcando os teminhas num caderno para retomar um pouco mais adiante.

Veja – É verdade que o senhor usa gel desde os 9 anos de idade?

Doria Jr. – É que papai usava. Eu o via usar – era Gumex que se chamava naquela época – e comecei a usar também. Uso até hoje.

Veja – Tendo começado a trabalhar tão cedo e passado por dificuldades como as que o senhor relatou, o fato de ter sua imagem associada à de um mauricinho deve incomodá-lo, não?

Doria Jr. – Eu sou uma pessoa muito tolerante. Tenho um bom espírito. Eu não brigo, eu não xingo, eu não falo palavrão nunca. E não falo mal nem de quem merece. Acho apenas que tenho uma trajetória que deve ser respeitada. Eu não recebi um pacote de Deus. Deus não me abençoou e disse: ‘Olha, tá aqui o escritório, a gravata, o carro, o paletó’. Então, acho que ninguém tem o direito de desqualificar aqueles que já não estão no estado de pobreza, que evoluíram e progrediram na vida, aqueles que geram riqueza, oportunidades de emprego e que pagam seus impostos. Assim como ninguém deveria tolher o direito de pessoas com um bom padrão de vida de se manifestar. Não vejo por que você precisa de autorização para realizar seu protesto e não vejo por que, para obter essa autorização, você tem de anexar à solicitação um atestado de pobreza ou de filiação partidária. Aliás, é muito mais fácil para o rico não fazer nada. Mas eu aprendi há muito tempo que não existe atitude pior do que a omissão.’

MAINARDI vs. LULA
Diogo Mainardi

Mais sobre a agenda de Dirceu

‘Passei a semana escarafunchando a agenda de telefones de José Dirceu. De novo? De novo. Pode mudar de assunto? Nem a pau. O que pretende com isso? Responder a uma ou duas perguntas. Quem ainda se importa com essa história? Eu. E o julgamento no STF? A imprensa tem de continuar a apurar os fatos, independentemente do Judiciário. Como José Dirceu reagiu ao aparecimento da agenda? Ele me acusou de ter usado o aparato do Estado Policial para consegui-la. Usou mesmo? Usei uma rede secreta de recepcionistas e secretárias. Ele está com medo? Espero que sim.

A agenda é de 2003. Cruzei seus dados sobre telefonemas com as planilhas elaboradas pela CPI dos Correios. O primeiro semestre daquele ano foi marcado pelos pagamentos de Marcos Valério a Duda Mendonça. Na agenda, há o registro de oito telefonemas entre José Dirceu e o publicitário que cuidou da campanha presidencial. Dois deles precederam o período em que ocorreram os pagamentos. Dos seis telefonemas restantes, quatro – repito: quatro – foram realizados nos dias em que se verificaram saques em favor de Duda Mendonça. Entendeu? Pelo que consta da agenda, José Dirceu e Duda Mendonça praticamente só tinham contato nas datas em que o valerioduto liberava o dinheiro para este último. Olhe só:

• Em 26 de março, David Rodrigues Alves, identificado pela CPI dos Correios como uma das mulas de Duda Mendonça, sacou 300 000 reais do valerioduto. Naquele mesmo dia, Duda Mendonça e José Dirceu trocaram uma chamada.

• Em 28 de abril, outro sacador de Duda Mendonça, Luis Carlos Costa Lara, retirou mais 300 000 do Banco Rural. A agenda mostra que, às 12h47, José Dirceu e Duda Mendonça se telefonaram.

• Em 30 de abril, aconteceram dois saques. O primeiro, de 250.000 reais, foi feito pela sócia de Duda Mendonça, Zilmar Fernandes. O segundo, de 300 000, foi feito por outro homem do esquema, Francisco de Assis Novaes Santos. Duda Mendonça, como de costume, ligou para José Dirceu, às 13h34 daquele dia.

• Em 13 de maio, David Rodrigues Alves sacou mais 250 000 no Banco Rural. O ministro e o publicitário se falaram antes do almoço.

Mas há outra bizarrice envolvendo esse caso. Uma bizarrice que mereceria ser investigada pelo Ministério Público, só para eliminar qualquer dúvida. Nos quatro dias em que os saques do valerioduto foram acompanhados por telefonemas entre José Dirceu e Duda Mendonça, o advogado Kakay coincidentemente também ligou para o chefe da Casa Civil. Em alguns casos, os telefonemas aconteceram na seqüência um do outro. Em 30 de abril, José Dirceu e Kakay se falaram às 13h20. Poucos minutos depois, às 13h34, quem ligou para o ministro foi Duda Mendonça. O mesmo padrão se repetiu em 13 de maio. José Dirceu e Kakay conversaram às 10h30. Às 11h04, foi a vez de Duda Mendonça. O que Duda Mendonça, Kakay e Marcos Valério têm em comum? Os três foram contratados por Daniel Dantas.

Em seu blog, José Dirceu declarou que quero me vingar dele. Nada disso. Fui um dos poucos colunistas que sempre atribuíram a responsabilidade pelo valerioduto ao seu chefe, Lula. O cruzamento da agenda de José Dirceu com os pagamentos no Banco Rural parece indicar que o esquema foi utilizado, em primeiro lugar, para pagar a campanha presidencial, e só depois contaminou todo o resto.’

STF / SIGILO VIOLADO
Alexandre Oltramari

Confidências virtuais

‘Enquanto o procurador-geral da República sustentava suas acusações contra os mensaleiros, no primeiro dia do julgamento, dois dos dez ministros do STF não tiravam os olhos e os dedos do teclado de seus computadores portáteis. A distração, incomum em meio ao formalismo da mais alta corte do país, chamou a atenção dos fotógrafos. Um deles, do jornal O Globo, apontou sua lente para os monitores da dupla. Com a ajuda da lente, descobriu e acompanhou a distância a causa de tanta distração. O resultado foi um constrangimento geral. Os ministros Ricardo Lewandowski e Cármen Lúcia, os dois mais jovens juízes do STF, passaram boa parte do julgamento trocando e-mails pela intranet, a rede interna de computadores do tribunal. Pela tela, eles dividiram impressões sobre a atuação do procurador, revelaram parte dos próprios votos, discutiram questões internas e fizeram futricas sobre colegas da corte. A conversa lateral ganhou alguma seriedade quando os magistrados comentaram o voto de um colega e insinuaram que o ministro Eros Grau, apelidado de ‘Cupido’, poderia rejeitar a denúncia em troca da indicação de um amigo para a vaga do ministro Sepúlveda Pertence, que se aposentou há duas semanas.

É inimaginável que um ministro da mais alta corte do país vá orientar seu voto em função de interesses domésticos. Mas a insinuação só não ficou delimitada ao terreno do mexerico porque de fato existe uma luta subterrânea pela indicação do substituto do ministro Sepúlveda Pertence. Um dos principais candidatos à vaga é o ministro do Superior Tribunal de Justiça Carlos Alberto Direito, que teria o ministro Eros Grau como um dos padrinhos. Por isso, a revelação dos diálogos de Cármen Lúcia e Ricardo Lewandowski provocou um tremendo desconforto entre os magistrados da corte. A pressão do ministro Eros Grau subiu e ele teve de ser atendido pelo serviço médico do STF. Eros Graus ainda queria tomar satisfações com a colega, mas foi demovido por seus assessores. Cármen Lúcia e Ricardo Lewandowski também cogitaram a possibilidade de abandonar o julgamento, declarando-se impedidos por estar discutindo votos, um comportamento que não é ilegal, mas também não é usual. Foram igualmente demovidos por assessores e colegas. O ministro Carlos Ayres Britto, citado na troca de mensagens, colocou panos quentes. Ele negou que os votos fossem previamente combinados. ‘Aqui não existe arranjo, não existe alinhamento, ninguém se alinha com ninguém’, afirmou o magistrado.

O único consenso em torno da futrica on-line de Ricardo Lewandowski e Cármen Lúcia foi sobre a atuação da imprensa. Ministros e advogados de defesa dos acusados condenaram a divulgação das conversas. ‘Acho grave, ou melhor, gravíssima essa invasão da privacidade dos ministros por parte da imprensa’, disse José Luis Oliveira Lima, advogado do ex-ministro José Dirceu, acusado de chefiar a quadrilha do mensalão. A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), em nota oficial, também reagiu à divulgação dos diálogos. ‘O Brasil não pode virar um imenso Big Brother, em que a privacidade seja banida. Sem privacidade, não há liberdade’, diz um trecho da nota. Os ministros estavam participando de uma sessão pública, dentro de um órgão público e tratando de assuntos de interesse público. Se o problema é só privacidade, basta deixar o bate-papo digital para depois do expediente, na discrição de seus gabinetes ou no aconchego de seus lares, longe dos olhos, ouvidos e lentes da imprensa.

FUTRICAS ON-LINE

Durante o julgamento, os ministros Ricardo Lewandowski e Cármen Lúcia criticam a denúncia do procurador da República e revelam partes dos próprios votos…

Lewandowski – Coerência é tudo na vida!

Cármen Lúcia – Lewandowski, confome lhe disse, ele está começando pelo final, indicando os fatos de trás para frente…

Lewandowski – Tem razão, mas isso não afasta as minhas convicções com relação àqueles pontos sobre os quais conversamos. Ele está – corretamente – ‘jogando para a platéia’

Cármen Lúcia – É, e a tentativa de mostrar os fatos e amarrar as situações para explicar o que a denúncia não explicou…

(…)

Lewandowski – Carmem, não sei, não, mas mudar à última hora é complicado. Eu, de qualquer maneira, vou ter de varar a noite. Mas acho que podemos bater um papo aqui mesmo… Minha dúvida é quanto ao peculato em co-autoria ou em participação, mesmo para aqueles que não são funcionários públicos ou não tinham a posse direta do dinheiro

…insinuam que o ministro Eros Grau teria interesse na nomeação de um ministro para o STF e isso poderia ter influído no seu voto…

Cármen Lúcia – Vou repetir: me foi dito pelo Cupido (ministro Eros Grau) que vai votar pelo não recebimento da den. (denúncia), entendeu?

Lewandowski – Ah. Agora, sim. Isso só corrobora que houve uma troca. Isso quer dizer que o resultado desse julgamento era realmente importante (cai a conexão)

…e futricam sobre o futuro do relator do processo, ministro Joaquim Barbosa

Cármen Lúcia – (…) Esse (Joaquim Barbosa) vai dar um salto social agora com esse julgamento e Carlinhos está em lua-de-mel com os dois aqui do lado.

Cármen Lúcia – Não liga para a minha casmurrice, é que estou muito amolada por ter acontecido (ilegível) passados para trás e tratados com pouco caso. Depois passa.’

Alexandre Oltramari

Grampos na mira

‘Os grampos telefônicos, uma das principais ferramentas de investigação policial da atualidade, vão passar por uma devassa. Na semana passada, a Câmara dos Deputados recolheu 191 assinaturas para criar a CPI dos Grampos, que pretende investigar a suspeita de que ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) tiveram seus telefones interceptados ilegalmente, conforme VEJA noticiou em sua edição passada. Cinco dos onze ministros do STF admitiram publicamente a suspeita de que suas conversas telefônicas podem estar sendo bisbilhotadas clandestinamente. A CPI, que terá prazo de 120 dias para concluir a investigação, deverá ser instalada já no início do próximo mês. ‘Quando a mais alta corte do país se sente ameaçada e intimidada, isso é uma coisa muita séria, que precisa de uma resposta urgente’, diz o deputado Marcelo Itagiba, do PMDB do Rio de Janeiro, delegado licenciado da Polícia Federal e autor do requerimento de criação da CPI.

Os ministros do STF que suspeitam que suas conversas telefônicas são compartilhadas não têm provas concretas da origem da suposta vigilância ilegal, mas não escondem a desconfiança de que por trás esteja a Polícia Federal. O mais incisivo na acusação é o ministro Gilmar Mendes. O magistrado contou que teve certeza de que estava sendo vítima de escutas clandestinas há três meses, quando decidiu soltar pessoas detidas pela Operação Navalha. Instantes depois de avisar ao procurador da República que mandaria soltar alguns presos, o ministro recebeu um telefonema de uma jornalista. Ela queria saber se Gilmar Mendes iria mesmo soltar os presos. O ministro, então, perguntou ao procurador se ele havia comentado o assunto com alguém. A resposta foi negativa. O magistrado concluiu que estava sendo monitorado. Mendes pediu providências ao ministro da Justiça, Tarso Genro. Além de suspeitar que foi alvo de escutas, o juiz ainda denunciou ter sido vítima de perseguição. Segundo ele, a PF espalhou falsos boatos sobre seu envolvimento com alguns dos suspeitos. ‘O objetivo era constranger, intimidar’, acusou o ministro.

A suspeita de que membros do STF são vigiados não ocorre apenas por causa das impressões pessoais de alguns magistrados. Há, como se sabe, uma denúncia formal de que ministros tiveram seus telefones grampeados no TSE. Além de se debruçar sobre essas suspeitas, a CPI pretende investigar os grampos oficiais, produzidos com autorização judicial. Existe a desconfiança de que policiais mal-intencionados manipulem o conteúdo de gravações feitas legalmente. A lei determina que se transcreva todo o diálogo gravado, e não apenas determinados trechos. Está nas mãos do ministro Cesar Peluso a informação de que um grampo atribuído pela PF a um ministro do STJ era, na verdade, uma conversa de seu motorista com a amante. O perito Ricardo Molina, especialista em fonética forense, já descobriu indícios de que a PF pode ter fraudado um diálogo que serviu de prova contra um juiz acusado de vender sentenças judiciais. Diz o deputado Itagiba: ‘A simples suspeita de manipulação já é algo muito grave’.’

CASO RENAN
Veja

O ataque da corrupção

‘O senador Renan Calheiros é um político desesperado que faz coisas desesperadas. Acuado pelas revelações de VEJA sobre suas condutas impróprias, que devem tirá-lo da presidência do Senado, partiu para a vendeta ao melhor estilo mafioso. Renan e seus sequazes patrocinam a abertura de uma CPI na Câmara dos Deputados para ‘investigar’ a associação entre a TVA, empresa de televisão por assinatura do Grupo Abril, que edita VEJA, e o Grupo Telefônica, de origem espanhola. A alegação é absurda. O negócio, aprovado pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) depois de minuciosa análise, não fere a lei e é igual a outros fechados recentemente no país (veja o quadro). Para tentar forçar a abertura da CPI, Renan arregimentou uma tropa de choque especializada em surrar a ética. Abrilhantam-na Jader Barbalho e Orestes Quércia, que dispensam apresentações, os mensaleiros José Genoíno, João Paulo Cunha, Paulo Rocha e Valdemar Costa Neto e os sanguessugas Wellington Fagundes e Wellington Roberto. Todos eles denunciados por VEJA em algum momento de suas tristes biografias.

Ao todo, Renan e sua turma recolheram 181 assinaturas. Entre os deputados que firmaram o requerimento, além dos mal-intencionados, há ingênuos e enganados. Cinqüenta e nove parlamentares do PT apuseram seu jamegão. Boa parte desses petistas obedeceu às ordens de José Dirceu. Além da vingança contra VEJA, que noticiou os seus malfeitos como chefe da quadrilha do mensalão, o ex-ministro Dirceu tem interesses bem mais sólidos para embaraçar a associação entre a Abril e a Telefônica. Seu patrocinador atual é o bilionário mexicano Carlos Slim, o homem mais rico do mundo, que trava uma guerra comercial com o grupo espanhol.

A tentativa de criação da CPI da TVA, além de espúria na origem, tem a clara intenção de intimidar não apenas a Abril mas toda a imprensa independente do país. Ela tem as cores da vendeta, as formas da chantagem e, se seguir adiante, será um desperdício de tempo e dinheiro públicos, ademais de aprofundar o fosso que separa a sociedade brasileira de seus políticos no distante planeta Brasília. O plano de Renan e asseclas começou a ser articulado há um mês no gabinete do senador. A intenção explícita – dita entre meias-palavras – era retaliar VEJA, pelo fato de a revista ter publicado as reportagens que resultaram nas investigações contra o senador. Participaram da primeira reunião, além de Calheiros, o senador Romero Jucá (PMDB-RR), líder do governo no Senado, o senador Valdir Raupp (RO), líder do PMDB, e o deputado Jader Barbalho, do PMDB do Pará. Inicialmente, Renan pensava em defender a abertura da CPI no Senado. Foi desaconselhado por Jader. Ele considerou que não haveria apoio suficiente, pois a iniciativa configuraria claramente a tentativa de vingança de Renan. Tentou-se uma chicana e Jader encarregou-se de fazer o serviço sujo na Câmara.

Jader desviou as atenções – sim, dessa vez foram só as atenções – ao entregar um requerimento para que o líder do PT, Luiz Sérgio (RJ), coletasse assinaturas. Enquanto os opositores da CPI pressionavam Luiz Sérgio a desistir, Jader encarregou o deputado Wladimir Costa (PMDB-PA), que lhe presta fidelidade canina, a dar início à circulação de outro requerimento, então completamente clandestino. Antes de entrar na política, Costa ganhava a vida como apresentador de programas populares de rádio e cantor de carimbó, ritmo popular paraense.

O governo, desde o começo, se opôs à CPI. José Múcio Monteiro (PTB-PE), líder do governo, alertava para o fato de que a investigação poderia se voltar contra a Anatel, prejudicando o ambiente de negócios do país. Sensibilizado pelo argumento, o líder do PMDB, Henrique Alves (RN), mandou uma carta a todos os parlamentares da sigla aconselhando-os a não assinar o requerimento nas mãos de Luiz Sérgio. Deputados do PT, como Walter Pinheiro (BA), passaram a trabalhar para retirar assinaturas que já haviam sido dadas.

Enquanto isso, Wladimir Costa perpetrava o seu trabalho silencioso com o segundo requerimento. Ao verem que o plano estava funcionando, Renan e Jader procuraram o apoio de deputados que também tinham interesse na vingança, por terem sido retratados em reportagens de VEJA cujo conteúdo lhes desagradou. A maioria deles responde a processos. Alguns são réus no inquérito do mensalão, que está sendo julgado pelo STF. No PT, Jader conversou com João Paulo Cunha, Paulo Rocha e José Genoíno, presidente do PT na eclosão do escândalo do mensalão. Na última semana, o trio petista se empenhou mais em angariar assinaturas do que em ajudar a construir suas defesas no Supremo.

A essa altura, o requerimento de Wladimir Costa já era de conhecimento de muitos parlamentares. Mas faltava cooptar uma parte do PMDB. Acompanhado de Olavo Calheiros, irmão de Renan, Jader recorreu a Anthony Garotinho, Orestes Quércia e Roberto Requião – outra trinca que não consegue conviver com uma imprensa independente. Eles obtiveram 29 assinaturas de peemedebistas. O PCdoB, partido pelo qual Renildo Calheiros, o irmão mais novo de Renan, é deputado, compareceu com os seus treze deputados. Para superar o número de 171 assinaturas, mínimo necessário para que o pedido de uma CPI seja apresentado na Câmara, o vale-tudo ganhou impulso. A palavra de ordem passou a ser ‘enganar’.

O deputado Eliseu Padilha foi um dos ludibriados. Ele conta que estava no plenário, na quarta-feira passada, quando foi abordado pelo deputado Aníbal Gomes, do PMDB do Ceará e cupincha de Renan. Padilha coletava assinaturas para a criação de uma Frente Parlamentar dos Terrenos da Marinha. ‘Se você assinar o meu, eu assino o seu’, propôs Gomes, com um papel na mão. ‘O que é o seu?’, questionou Padilha. ‘Um pedido de explicações para o Hélio Costa’, mentiu Gomes, referindo-se ao ministro das Comunicações. Quando leu na sexta-feira que a CPI da TVA poderia ser instalada, Padilha consultou a secretaria-geral da Câmara e descobriu que seu nome estava entre os apoiadores. Imediatamente, pediu a retirada. ‘Não sabia o que era. Se soubesse, não teria assinado’, diz. O partido Democratas vai questionar formalmente a mesa da Câmara dos Deputados. O presidente do partido, deputado Rodrigo Maia (RJ), e o líder da bancada, Onyx Lorenzoni (RS), consideram o pedido de CPI uma ‘tentativa inaceitável de atingir a liberdade de imprensa em vigor no país’. Segundo eles, a iniciativa tem um só objetivo: ‘Usar o poder institucional do Legislativo contra o direito de acesso à informação do povo brasileiro’. Maia lembra: ‘Não há fato determinado. O que há é um desserviço ao Brasil e à democracia’.

A utilização de uma CPI como instrumento de vingança pessoal é um desvirtuamento institucional e um insulto à democracia. Personalidades da República ouvidas por VEJA mostram-se perplexas e indignadas com a malandragem de Renan e seus seguidores (veja galeria nestas páginas e nas anteriores). O presidente da Câmara, Arlindo Chinaglia, tem poderes para deter essa marcha da insensatez, e se o fizer estará prestando um serviço à imagem da instituição que preside. O Grupo Abril reafirma sua crença no depurativo da imprensa e conclui que a CPI é ‘uma tentativa espúria de alguns poucos, dentro e fora do Parlamento, de manipular a Câmara dos Deputados de modo a atingir a Abril pelos fatos que VEJA tem revelado sobre o senador Renan Calheiros’.’

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CPI É AMEAÇA À LIBERDADE DE IMPRENSA, AFIRMAM POLÍTICOS

‘Otavio Dias Oliveira

‘Achei essa iniciativa um absurdo. Trata-se de uma evidente ameaça à liberdade de imprensa. Além disso, banaliza o sentido e o propósito de uma CPI.’

José Serra, governador de São Paulo

‘Uma CPI não deve servir para apurar questões que dizem respeito a operações comerciais, há outros foros para isso. Também não pode se transformar em objeto de disputa política, porque corre o risco de se desmoralizar.’

Aécio Neves, governador de Minas Gerais

‘Uma CPI só se justifica quando o interesse público é lesado, o que não é o caso. Do jeito que está posta, é uma inibição à liberdade de imprensa. Não foi caminhando nessa direção que o Brasil avançou tanto. Essa CPI tem ares venezuelanos.’

Sérgio Cabral, governador do Rio de Janeiro

‘É lamentável o desvirtuamento do conceito das CPIs. Elas não podem servir de instrumento para atender a objetivos que não aqueles definidos no foco de suas atribuições. Tenho receio de que essa proposta atenda a outros interesses.’

Gilberto Kassab, prefeito de São Paulo

‘A reação do senador Renan Calheiros mostra que ele faz parte daquele grupo de políticos que quer que a imprensa lhe seja serviçal. Se fosse apenas um parlamentar, isso poderia ser considerado um deslize. Mas ele é presidente do Congresso. Isso é extremamente grave para a democracia.’

Cesar Maia, prefeito do Rio de Janeiro

‘Essa iniciativa de Renan Calheiros acabará se voltando contra o próprio senador. Ela reforça a idéia de que Renan está usando a força de seu cargo, e da instituição que preside, para retaliar a imprensa, o que é inadmissível. Um ato dessa natureza cria um precedente muito perigoso.’

Tasso Jereissati, senador (PSDB-CE)

‘Eu, que sempre fui defensor da liberdade de imprensa – no meu governo nunca processei nenhum jornalista -, jamais posso aprovar qualquer retaliação direta ou indireta contra um órgão da mídia nacional, especialmente tão expressivo como a Editora Abril.’

José Sarney, senador (PMDB-AP)

‘Essa CPI soa como uma vingança pessoal em razão das denúncias contra Renan Calheiros. Se cada denúncia de um órgão da imprensa contra um parlamentar resultar em uma CPI contra o denunciante, será uma tentativa de intimidação muito preocupante.’

Jefferson Péres, senador (PDT-AM)

‘É a retaliação de um político atolado em irregularidades. Como não tem como se defender, ataca quem o denuncia. Como não tem mais poder no Senado, utiliza a Câmara como cabo de chicote. Com essa CPI, a Câmara se desmoralizará, como o Senado já se desmoralizou.’

Demostenes Torres, senador (DEM-GO)

‘É preciso concluir esses processos em torno do senador Renan Calheiros para depois, se for o caso, começar outro. O que não pode acontecer é isso virar uma vendeta. Imagine se cada vez que um político for alvo da imprensa ele quiser abrir uma CPI.’

Pedro Simon, senador (PMDB-RS)

‘Essa tentativa de intimidação é mais uma forma de inibir as críticas aos políticos no Brasil. Essas intimidações normalmente acontecem via Judiciário, com processos que são apenas para ameaçar a imprensa, e agora surge essa outra modalidade, que é tentar inibir usando uma CPI. Acho que elas tendem ao fracasso.’

Fernando Gabeira, deputado (PV-RJ)

‘Não há razão para essa CPI. Primeiro, porque não cabe aos parlamentares interferir num negócio perfeitamente legal entre empresas privadas. Depois, porque o Parlamento não pode servir de instrumento de vendetas. Muito menos do senador Renan Calheiros.’

Onyx Lorenzoni, deputado (DEM-RS)

‘Tudo indica que o presidente do Senado aventou essa possibilidade de irregularidade na transação da Abril em represália às matérias de VEJA. Pela leitura do noticiário, não enxerguei nenhum ilícito praticado pela empresa.’

Claudio Weber Abramo, diretor executivo da Transparência Brasil

‘A ABI acompanha com preocupação qualquer medida que represente restrição à liberdade de informação, como no caso desse requerimento de CPI que Renan conseguiu na Câmara como represália ao noticiário que a revista VEJA vem publicando contra ele.’

Maurício Azêdo, presidente da Associação Brasileira de Imprensa (ABI)

‘A CPI não é caminho adequado. Se Renan Calheiros tem notícia de alguma irregularidade dessa natureza, ele deve recorrer ao Ministério Público. No Congresso, banalizaram a CPI, que acaba desmoralizada pelos excessos.’

Dalmo Dallari, jurista’

***

NADA A ESCONDER

‘A tentativa de Renan Calheiros de atingir o Grupo Abril assenta-se sobre uma falsidade com a qual ele procura transformar em escândalo uma operação comercial absolutamente legal, analisada e aprovada pelo governo depois de nove meses de estudos. De acordo com o pedido de instalação da CPI, a operação entre a TVA – empresa do Grupo Abril – e a espanhola Telefônica ‘fere o interesse nacional, restringe a concorrência e agride o mercado nacional’. São afirmações mentirosas. A transação entre a TVA e a Telefônica respeita o interesse nacional, aumenta a concorrência e fortalece o mercado. A lei exige que, para se associarem a uma companhia estrangeira, as empresas de TV a cabo conservem, no mínimo, 51% do seu capital votante sob controle nacional. No caso de São Paulo, onde a Telefônica é concessionária, esse porcentual sobe para 80,1%.

Foi exatamente o que fez o Grupo Abril ao vender parte da TVA à Telefônica. E, ao fazê-lo, não inaugurou nenhum procedimento. A recente convergência das tecnologias de voz, dados e imagem estimulou parcerias entre empresas de diversos países e, no Brasil, foi o pano de fundo não só do acordo entre o Grupo Abril e a Telefônica, mas de outros envolvendo empresas estrangeiras que o precederam. Em 2005, a Portugal Telecom adquiriu participação no Grupo Folha, dono do jornal Folha de S.Paulo e do provedor de acesso à internet UOL.

Em 2004, a Globopar – controladora da Net – associou-se à mexicana Telmex (proprietária da Embratel e da Claro), passando a ela parte do controle da Net. A associação da TVA com a Telefônica é análoga àquela entre NET e Telmex. Ambas foram autorizadas pela Anatel. Todos os trâmites da operação não só foram respeitados como têm sido acompanhados pelos órgãos competentes – em contraste com os negócios subterrâneos de Renan Calheiros.’

INTERNET
Carlos Rydlewski

Uma janela para as estrelas

‘A internet transformou-se no maior observatório astronômico existente no planeta. Na semana passada, o Google lançou o Sky, uma extensão do Google Earth, que permite a visualização de 100 milhões de estrelas e 200 milhões de galáxias. As ferramentas disponíveis no programa oferecem a qualquer usuário da web uma visão do universo antes só possível para astrônomos profissionais. ‘Agora, todos podem apreciar, explorar e descobrir a nossa frágil posição neste enorme e estranho universo’, resumiu Francisco Diego, do departamento de física e astronomia da Universidade de Londres, que colaborou com o projeto. Versátil, o software está disponível em treze idiomas, incluindo o português, e não exige grande capacidade de memória ou de processamento do computador.

É possível encontrar no Sky todas as constelações do firmamento, da Cassiopéia, cujos principais astros formam um ‘W’, até Órion. No céu do Google são identificados todos os nomes e desenhos desses grupos de corpos celestes, com as estrelas que os compõem. Para circular pelo cosmo, usa-se um joystick virtual, localizado na parte superior direita da tela. O dispositivo permite que se mergulhe no universo, como nos filmes que mostram viagens estelares feitas na velocidade da luz. As estrelas são vistas em três dimensões à medida que se aproximam e são ultrapassadas. O joystick também permite movimentos laterais do trecho observado do céu. Nesses deslocamentos, a sensação é a de estar num planetário.

Mergulho no espaço: página do Sky mostra informações e a órbita da Lua e de Netuno, sobre a imagem de grupos de constelações

Uma função do Sky foi batizada de Quintal Astronômico. Ela destaca as estrelas, as galáxias e as nebulosas que podem ser vistas a olho nu ou com o auxílio de binóculos e pequenos telescópios. Tem como objetivo ajudar as pessoas, principalmente os astrônomos amadores, a reconhecer com maior facilidade áreas do céu à noite. O programa conta com 120 fotos em alta resolução, feitas pelo telescópio Hubble, a mais potente máquina usada para produzir imagens do espaço. Foi com a utilização desse equipamento que os pesquisadores conseguiram comprovar a existência de buracos negros no núcleo das galáxias e entender o processo de nascimento e morte das estrelas. Quando se clica sobre uma dessas fotos, a tela mostra um quadro com textos informativos, retirados do banco de dados da agência espacial americana, a Nasa. O programa também está conectado diretamente à Wikipédia, a enciclopédia da web.

O Sky permite observar a trajetória desenhada no céu pelos planetas do sistema solar durante um período de dois meses. É possível, por exemplo, localizar Netuno no firmamento em um determinado dia e hora. Ou identificar a posição da Lua e mostrar em que fase estava o satélite naquele momento. Os astronautas virtuais podem ainda usar o Sky para fazer turismo pelas galáxias saltando da Via Láctea para Andrômeda ou para as Nuvens de Magalhães. Ou até realizar uma jornada passando por todo o ciclo de vida de uma estrela. Para colocar o universo dentro do computador, o Sky utilizou imagens da Nasa e de seis observatórios internacionais. Por meio de softwares específicos, as fotos foram agrupadas umas ao lado das outras até que se formasse uma imagem nítida de cada recanto conhecido do universo – uma construção semelhante à executada com as imagens de satélite da superfície da Terra no Google Earth.

A estrutura do Sky, criada por engenheiros do Google especialmente interessados em astronomia, sediados em Pittsburgh, nos Estados Unidos, será aprimorada e enriquecida por meio de iniciativas da empresa do Vale do Silício e também por ação direta de usuários da internet. Isso já acontece com todos os serviços da empresa que unem geografia, imagens e internet, como o Google Earth, que acumula mais de 200 milhões de downloads, e o Google Maps. Lançada no fim de maio, uma das novidades mais impressionantes do programa de mapas é o Google Maps Street View. O recurso permite que uma pessoa observe uma rua – com as fachadas das lojas, as casas e os carros – como se estivesse circulando pela calçada. É possível realizar giros de 360 graus. O mais interessante é que, nesses movimentos, as imagens não são quebradas, mas contínuas. Para conseguir esse efeito, fotos de ruas de nove cidades americanas, onde o serviço está disponível, foram feitas por uma câmera especial, com onze objetivas e onze sensores, montada num dodecaedro, um objeto com doze faces, e instalada no teto de um carro. Com esse tipo de mapa, será possível conhecer em detalhes uma cidade sem sair da frente do computador. Isso, claro, para quem não quiser dar uma voltinha pelo universo.

A construção de espaços virtuais em três dimensões é uma tendência irreversível da internet. Um dos programas mais espetaculares para a formação desse tipo de ambiente começa a sair dos laboratórios. Trata-se do Photosynth, desenvolvido pela empresa americana Seadragon, adquirida em 2006 pela Microsoft. Demonstrações do produto, ainda em versão de teste, foram feitas para recriar na web objetos em 3D tão variados como o ônibus espacial Endeavour, da Nasa, e prédios históricos. Para erguer esses espaços virtuais, o Photosynth usa fotos tiradas por qualquer pessoa que estejam disponíveis na web. O programa pode procurá-las automaticamente na internet. O sistema reconhece as similaridades existentes entre milhões de cenas e as reúne como se fosse uma ferramenta de busca – de forma semelhante à seleção que o Google faz de páginas que contenham determinada palavra.

Feita a escolha, as imagens são colocadas em uma espécie de molde em 3D, como mostra a seqüência de ilustrações ao lado, e vão se aproximando da versão final. O Photosynth vai mais longe: o software também pode criar imagens artificiais, para preencher pequenos buracos ou detalhes do cenário não encontrados nas fotografias disponíveis. Em uma demonstração pública realizada em março, um dos criadores do sistema, o cientista da computação Blaise Agüera y Arcas, formado em Princeton, produziu uma imagem em três dimensões da Catedral de Notre Dame, contando apenas com fotos postadas por turistas no site Flickr, do Yahoo!. Amostras do potencial do Photosynth, cujo desenvolvimento também conta com a participação da Universidade de Washington, podem ser conferidas no site da Microsoft Live Labs (http://labs.live.com/photosynth/). Algo semelhante ao Photosynth foi feito pelo Google Earth, em Berlim. Com base em fotos, mas especialmente produzidas para o programa, foram construídos moldes virtuais em três dimensões de 550 prédios do centro da capital alemã. Por cinco dessas construções, já é possível passear internamente em excursões virtuais.’

Silvia Rogar

Intimidade, câmera, ação!

‘Lançado em 1998, o filme O Show de Truman contava a história de um jovem que, desde o nascimento, tem seus passos monitorados por câmeras, manipulados por um diretor e exibidos na televisão mundo afora – sem o seu conhecimento, claro. Quando descobre ser ele próprio um seriado ambulante, Truman Burbank, interpretado por Jim Carrey, faz de tudo para se libertar do foco das lentes. Na vida real, tem acontecido o oposto. A nova mania entre alguns internautas de carteirinha é revelar a intimidade ao vivo na rede. Depois dos blogs, dos fotologs, dos sites de relacionamento e do YouTube, o exibicionismo virtual entra na era do chamado lifecasting – em tradução livre do inglês, algo como transmissão da vida. Já é possível encontrar uma penca de desinibidos que andam para cima e para baixo com uma câmera permanentemente ligada. E vale de tudo para tornar sua programação mais atraente: conversar com estranhos na rua, fazer compras ou, o que é mais comum, simplesmente se exibir.

Ser o assunto principal de um show on-line e ao vivo não requer muito dinheiro ou equipamentos sofisticados. A produção é praticamente caseira: basta ter laptop, webcam (pequena câmera para internet), conexão de internet wireless (sem fio) e, para não interromper a transmissão, um bom arsenal de baterias para o computador. Do outro lado da tela, a graça de assistir a um programa do gênero é ultrapassar o voyeurismo. Os sites permitem que o público interaja com seus protagonistas, através de mensagens e bate-papos. O mais célebre entre os protagonistas desse tipo de ‘programa’ é Justin Kan, americano de 23 anos, formado em física pela conceituada Universidade Yale. Faça chuva ou faça sol, ele passa seus dias com uma câmera acoplada ao boné e interligada a um laptop levíssimo, que carrega na mochila. Desde março passado, as imagens do seu cotidiano são transmitidas em tempo real na Justin.TV (www.justin.tv), site criado por Kan e outros três amigos, justamente com o objetivo de mostrar o ‘show da vida’ do fundador e de outros exibicionistas.

A maioria dos que se candidatam a astros na rede gosta de estar na frente das câmeras. Kan é exceção. Passa a maior parte do tempo mostrando o mundo sob sua perspectiva. Não se deve imaginar nada muito filosófico. Como sua agenda social está bem longe de ter a agitação da rotina de uma Paris Hilton, Kan faz de tudo para ter momentos mais interessantes – e, claro, chamar atenção. Ele já se jogou de roupa numa piscina, fez aula de trapézio e está agora em busca de uma namorada. Encontrar alguém que se disponha a andar com um sujeito que carrega uma câmera no boné, 24 horas por dia, não é tarefa das mais fáceis. Mas Kan não desanima. ‘Enquanto me divertir, passarei meus dias assim. Só não levo a câmera quando entro em banheiros públicos. Também tiro o som para discutir estratégias de negócios em reuniões’, disse a VEJA na semana passada – tudo devidamente gravado por ele, claro.

Sim, negócios. A nova obsessão dos aventureiros pontocom é criar o site campeão de transmissões ao vivo, uma espécie de YouTube da categoria. ‘A nossa idéia é permitir que todo internauta tenha seu canal de TV para se divertir’, disse a VEJA John Ham, 29 anos, fundador do Ustream (www.ustream.tv), um dos principais sites dedicados ao filão. A idéia tem potencial, mas esbarra na dificuldade de que nem todo mundo é suficientemente interessante para virar atração. A designer Justine Ezarik é uma das poucas que ultrapassam com sobras essa barreira. Alçada a celebridade da internet, seu sucesso deve-se à combinação perfeita de dotes: loura, com estampa que lembra a da atriz Cameron Diaz, ela domina o mundo virtual com a habilidade de um nerd. Para encontrar gente interessante capaz de preencher sua programação, o Ustream realizou um concurso em que elegeu dez pessoas para estrelar programas ao vivo e ofereceu um cachê aos ganhadores. Uma das escolhidas foi Jody Gnant, aspirante a cantora que diz ter mais medo da obscuridade que da falta de privacidade. Assim como usuários de fotologs e sites de relacionamento, ela vê a experiência como mais uma forma de aumentar o círculo de amizades. ‘No início, queria apenas promover o meu CD, mas me viciei nos bate-papos com o público’, conta.

Não é de hoje que a curiosidade sobre a vida alheia mostra seu potencial de virar febre na internet. Em 1996, a estudante americana Jennifer Ringley passou a transmitir continuamente imagens de seu dormitório universitário. Dois anos depois, 3 milhões de pessoas checavam a intimidade da moça em seu site. Eram imagens estáticas e em preto-e-branco com tudo o que se deveria fazer entre quatro paredes, incluindo sexo e trocas de roupa. Tudo foi documentado até 2003, quando ela cansou da falta de privacidade e se desconectou. Esse, aliás, um recurso indispensável. Na hora de ir ao banheiro, Justin Kan mira a câmera para o teto.’

TELEVISÃO
Marcelo Marthe

Não basta ser boa

‘Recentemente a dona-de-casa Clarice (Giovanna Antonelli) vem agitando a novela Sete Pecados, da Rede Globo. Ao flagrar o marido aos amassos com Beatriz (Priscila Fantin), ela aplicou uns bons tabefes à rival. Em seguida, invadiu sua mansão e quebrou tudo. Nesta semana, finalmente, ao perceber que o marido teve uma noite de amor com a concorrente, ela não hesitará em expulsá-lo de casa. Tudo isso representou uma guinada na trajetória da personagem, que era dócil e não reagia ao chamego entre o marido e a patricinha. O sinal de que estava na hora de realizar essa mudança veio de um levantamento feito pela Globo, que revelou que a passividade de Clarice irritava a audiência. E essa, ao que parece, será a sina de qualquer mocinha de novela com perfil semelhante – como indicam pesquisas sobre os outros folhetins da casa. Houve um tempo em que o principal traço que se cobrava de uma heroína era a bondade. Hoje, isso não basta. Ela precisa, também, ser esperta.

A heroína-clichê se submete a toda sorte de sofrimento por amor e, de tão crente na bondade essencial do ser humano, não percebe os ardis à sua volta. Esse padrão sobrevive nos folhetins mexicanos. E também deixou sua marca nas novelas da Globo. Mas é um equívoco pensar que personagens que subvertem essa regra são uma invenção recente. De fato, como aponta o especialista Mauro Alencar, muitas heroínas só conquistaram seu lugar por ser despachadas (nos idos de 1979 já existia uma mulher emancipada como a vivida por Regina Duarte na série Malu Mulher). Mesmo as mais avançadas, contudo, ainda denotavam certa falta de assertividade que, de uns tempos para cá, seria letal. Tome-se a Raquel de Vale Tudo (outro papel de Regina Duarte, de 1988). Embora fosse batalhadora e independente, ela era feita de gato e sapato pela filha, a vilã Maria de Fátima – e não se convencia de sua canalhice.

Em Paraíso Tropical, o mesmo Gilberto Braga que criou Raquel teve de enfrentar a rejeição a certos traços do caráter de Paula, o pólo positivo numa dupla de irmãs gêmeas boa e má (ambas interpretadas por Alessandra Negrini). Mal a novela teve início, constatou-se que as espectadoras encasquetavam com o que foi descrito como ‘o jeito boboca’ de Paula. Não entenderam por que, logo depois de ser separada do mocinho por um golpe, ela se mudou para a Amazônia em vez de brigar pelo que era seu. Também se impacientaram com sua demora em notar que a irmã Taís é uma víbora. Paula só se tornou mais palatável quando tomou as rédeas da situação. Uma virada que atingiu seu ápice com a mirabolante inversão de papéis com Taís (o que foi facilitado por um detalhe providencial: já que Alessandra Negrini parecia rigorosamente a mesma na pele de uma ou de outra, fazê-las se confundir era o de menos). A mocinha se fez passar pela irmã e a encurralou de maneira até cruel. Nesta semana, uma estafada Taís deverá surgir morta por envenenamento a gás.

Até mesmo ódio e rancor não são mais traços exclusivos das vilãs. Entram no molho inclusive das heroínas das 6. Na primeira fase de Eterna Magia, as ambições de Nina (Maria Flor) resumiam-se a casar com o mocinho. Ela não percebia que a irmã balzaquiana (Malu Mader) estava de olho no noivo (e acabou por roubá-lo). Depois de um salto temporal – e da constatação de que a passividade aborrecia -, ela agora virou uma dissimulada capaz de fingir que está presa a uma cadeira de rodas para vingar-se da irmã. Numa novela em eterna crise (a média de 27 pontos é inferior ao que a Globo gostaria), houve problema até com os responsáveis pelos figurinos. Teria havido exagero nos vestidos primaveris de Nina, que lhe davam um ar frágil demais. Motivo pelo qual ela ressurgiu com cabelos curtos e terninhos escuros.

NINA (MARIA FLOR)

Por que era vista como trouxa: a mocinha de Eterna Magia não reagia às investidas da irmã sobre o noivo. Além de chorona, era submissa: parou até de estudar para não desagradar a seu homem

A guinada: virou uma executiva de pulso firme e capaz de peitar até a vilã. Cabelos curtos e terninhos substituíram o visual cheio de babados de mulher frágil

CLARICE (GIOVANNA ANTONELLI)

Por que era vista como trouxa: a dona-de-casa de Sete Pecados não percebia que a patricinha vivida por Priscila Fantin estava de olho em seu marido – e agia como se o estivesse dando de bandeja para a rival

A guinada: ela não leva mais desaforo para casa: deu uma surra na outra e armou um barraco para cobrar um prejuízo causado por ela. Além disso, deverá ter sucesso crescente no trabalho

PAULA (ALESSANDRA NEGRINI)

Por que era vista como trouxa: a gêmea boa de Paraíso Tropical tinha imagem de passiva. Não teve iniciativa de ir atrás do amado quando um golpe a separou dele. E nem notava que a irmã é uma víbora

A guinada: ela passou a dar o troco rapidamente sempre que é vítima da gêmea má. Mesmo refém numa clínica, teve controle da situação. E passou-se pela irmã para vingar-se dela.’

Marcio Aith

Juros fantásticos

‘Há duas semanas o Fantástico, da Rede Globo, exibe uma série de dez episódios capaz de amainar o ímpeto autodestrutivo de boa parte dos consumidores brasileiros de baixa renda. O Valor do Amanhã, apresentado pelo economista e filósofo Eduardo Giannetti da Fonseca, aborda os mecanismos sociais, psicológicos e biológicos por meio dos quais o ser humano decide viver intensamente o presente, sem pensar no amanhã, ou opta por trabalhar duro hoje e ter a certeza de um futuro mais tranqüilo. Mesmo com as participações do ator Matheus Nachtergaele e de Caetano Veloso, que dão ao programa um aspecto frugal e cênico, talvez incompatível com sua mensagem austera, Giannetti é didático, eficiente e inovador ao ajudar os telespectadores a ‘resolver a eterna disputa entre o presente e o futuro’ em dilemas tão rotineiros quanto escolher o que comer ou como cuidar da saúde.

Mas é nas abordagens econômicas que os episódios fazem a diferença. Isso porque o Brasil se tornou, de uma hora para a outra, o país do crédito fácil. Fácil demais. Em apenas dez anos, subiu de 35 bilhões de reais para 150 bilhões de reais o valor dos empréstimos que os bancos entregaram a consumidores brasileiros de baixa renda – inúmeros deles, certamente, espectadores do Fantástico. Esse dinheiro permitiu a milhões de pessoas trocar de carro, comprar aparelho de DVD e voar pela primeira vez de avião. Mas não as tornou mais ricas. Ao contrário, boa parte delas se endividou além da conta: 45% das famílias brasileiras estão inadimplentes, segundo pesquisa do Instituto Fernand Braudel. Por dificuldade de fazer contas ou desejo inconseqüente de consumir, foram com muita sede ao pote na primeira oportunidade que lhes apareceu. E justamente no país com as maiores taxas de juro do planeta. Daí a importância de Giannetti e de seu ensinamento a respeito do custo da impaciência – na verdade, uma versão televisiva de seu livro, também intitulado O Valor do Amanhã, que já vendeu cerca de 40 000 exemplares.’

Marcelo Marthe

Made in Paraguai

‘No ar há dez dias, a adaptação do seriado Donas de Casa Desesperadas exibida pela Rede TV! conta com elenco e direção brasileiros, foi gravada na Argentina – e tem jeitão de produto feito no Paraguai. O original americano tornou-se um fenômeno ao estrear, em 2004, graças ao texto afiado e às interpretações freqüentemente memoráveis das atrizes principais. Por mais que siga à risca as regras ditadas pela Disney, dona da franquia, a série da RedeTV! não chega lá. Se nos bastidores Sonia Braga e Lucélia Santos competiram pela posição de estrela do seriado, em cena as duas causam desespero. No novelão americano, uma suicida narra a história de além-túmulo – e sua ironia dá o tom. No mesmo papel, Sonia confundiu fantasma com zumbi e transformou o texto num ramerrão. A colega não fica atrás. Além de careteira, tem um jeito todo meigo de dizer as coisas: sua pronúncia transformaria, por exemplo, ‘Lucélia Santos’ em ‘Luxélia Xantos’. Mas as atuações de Sonia e Luxélia não são os únicos vexames. Cenas impagáveis do original tornam-se burocráticas devido à falta de ritmo. Em comédia, ritmo é tudo – e aqui a culpa é do diretor, Fábio Barreto. Apesar dos pesares, a série não se revelou um mau negócio para a RedeTV!. Até a semana passada, a emissora vinha conseguindo elevar o ibope com sua exibição nas noites de quarta e domingo. Com o perdão do palavrório importado, as donas-de-casa que no original são cult podem até vir a dar certo no Brasil. Como trash.’

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Folha de S. Paulo – 1

Folha de S. Paulo – 2

O Estado de S. Paulo – 1

O Estado de S. Paulo – 2

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