Tuesday, 19 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1279

Vídeos da devastação viram febre no mercado negro

O ciclone que atingiu Mianmar há duas semanas, deixando – segundo números oficiais – pelo menos 78 mil mortos, é pouco mostrado na mídia local. ‘A televisão de Mianmar é inútil’, afirma um executivo da cidade de Yangon ao comprar um vídeo com imagens da tragédia que devastou o país. Enquanto a TV estatal exibe apenas imagens de generais distribuindo comida a desabrigados e pronunciamentos do primeiro-ministro garantindo que a situação está sob controle, a população quer ver a verdadeira dimensão do desastre.

Vídeos com cenas de cadáveres, desabrigados desesperados e vilarejos destruídos pelo ciclone Nargis são vendidos por US$ 0,50 no mercado negro. Alguns ambulantes dizem vender cerca de cem cópias por dia. Com as áreas afetadas fechadas para pessoas de fora, é difícil confirmar a autenticidade das imagens. Os vendedores alegam que elas foram feitas em diversas áreas do país, incluindo Labutta, uma das cidades mais atingidas pelo ciclone.

Meios alternativos

Mesmo sem comprovação, a população quer ver os resultados de um dos mais devastadores ciclones a atingir a Ásia. ‘Eu quero saber o que realmente aconteceu’, diz o executivo, que perdeu um irmão em Labutta. A mídia local, duramente controlada pela junta militar que governa o país, não reporta sobre as preocupações de agências internacionais com relação às 2,5 milhões de pessoas atingidas pela tragédia.

Para se informar, cidadãos comuns se voltam para estações de rádio de curta distância, que transmitem de fora de Mianmar, e para transmissões via satélite feitas por jornalistas no exílio, além de sítios de internet bloqueados pelo governo, mas cujo acesso é conseguido com determinados truques técnicos. Os vídeos se tornaram ‘sucesso’ de venda justamente porque prometem mostrar aquilo que todos sabem que aconteceu, mas não conseguem ver pelos meios regulares.

Cadáveres

De fato, as imagens revelam áreas inundadas com corpos apodrecendo, o desespero dos sobreviventes e a devastação de cidades vista de um helicóptero. Em algumas cenas, pessoas carregam caixões brancos pelas ruas; em outras, elas mostram suas feridas – um tornozelo dilacerado, uma cabeça sem parte da pele. Em um dos vídeos, dois cachorros cheiram o solo próximo ao corpo de uma jovem estirada em uma folha de palmeira. A câmera se aproxima do cadáver. Um homem a cerca de um metro de distância olha, silenciosamente, para ele.

Um fenômeno similar ocorreu após o tsunami que devastou parte da Ásia em dezembro de 2004, deixando mais de 200 mil mortos. Na ocasião, em países como Tailândia e Índia, vídeos do desastre – a maioria com cenas de grandes emissoras televisivas – eram amplamente vendidos nas ruas. Informações de Ed Cropley [Reuters, 17/5/08] e da Associated Press [18/5/08].