Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Voltar aos clássicos?

Quando digo que gostaria de dominar a linguagem jornalística para poder produzir jornais escolares com meus alunos, e não sei como me iniciar nesse fazer, logo escuto a sugestão de amigos e conhecidos: ‘Leia o que os jornalistas famosos, os clássicos já produziram. Depois os imite. Siga as estruturas lingüísticas apresentadas, reescreva seus artigos, notícias, grandes reportagens.’

E fico a imaginar que tal como na escola as sugestões vinham de jornalistas, meus colegas de mestrado em Comunicação, bem-intencionados, que apontavam matérias premiadas como a me mostrar que os profetas ultrapassam o tempo. Cautelosos, realizavam uma lista de recomendações e comentários furtivos. ‘Não complica’, dizia-me Paulo Roberto, que sentava sempre ao meu lado nas aulas intermináveis. Outros teciam longas explanações sobre o conteúdo e forma do texto jornalístico, mas sem conseguirem, na maioria das vezes, chegar àquilo que eu buscava: um jeito diferente de atingir os leitores sem lhes menosprezar a capacidade interpretativa.

Um certo constrangimento em se desligar das ‘regras aprendidas’ estava estampado em seus rostos. Sabe Deus que manuais sagrados queriam manter como bíblias. E eu, curiosa leitora-professora, só queria saber o que se escondia por trás das palavras ‘bom jornalismo’.

Os títulos então…

A mim parecia que quanto mais buscavam exemplos mais se distanciavam deles. Creio que com isso evitavam diretamente o que pensavam ser o óbvio: a leitura de matérias de seus iguais, daqueles que não precisam ostentar troféus, muito menos diplomas que parecem eucaliptos (uns atrás dos outros, ou simetricamente colocados lado a lado, comportadamente para atrair olhares como o meu).

Mas eu não estava atrás de receitas, procurava autores de carne e osso, textos completos (contextualizados, que mostrassem claramente as causalidades e as conseqüências), que não me classificassem a priori de leitora incompetente. Talvez alguns pensassem que se não respondessem logo de cara a um ‘o que, quem, um por que e como-quando’ estariam cometendo um sacrilégio.

Outros precisavam provar-me que sabiam de minhas dificuldades de procurar ao longo do texto as respostas (informações) que queria. Ignoravam certamente que tenho uma competência leitora, porque sou falante da língua na qual as matérias foram escritas. Desde os 3 anos já tinha a gramática interiorizada, como quaisquer crianças normais a têm.

Cansava-me aquela estrutura fixa, sem atrativo. Os títulos então… Bem, muitos, se eu os lesse já perdia a curiosidade de buscar decodificar qual a informação importante que eu deseja destacar. Por que raios faziam isso? Quero dizer, possivelmente até hoje fazem isso? Será que estavam seguindo alguma religião, algum dogma, ou seria esse procedimento já genético? Sabe Deus! Se fosse genético, continuava a refletir com meus botões, que fazer? Nada, o que é natural ao fim das contas, é bom que seja assim conservado. Mas o cheirinho da tinta, o papel, as margens e fotos bem esquematizadas, tudo me apontava que se tratava de um saber fazer cultural.

Leitor ávido

E assim fui perdendo a vontade de aprender para ensinar a tal linguagem jornalística do bom ‘bom jornalismo’. Imaginava minhas crianças e jovens todos começando um conto, uma história do mesmo jeito. Copiando uns dos outros, ou ‘colando’ idéias no papel como se essas fossem figurinhas. Sim, meras figurinhas que devessem preencher determinado espaço, seguir o número que lhes eram previamente afixados.

Mas o que eu procurava não eram relatos fora do cotidiano, nem jornalistas que fizessem as loucuras de Dom Quixote; ou se escondessem atrás dos fatos como bruxos travestidos de reis/rainhas para encantar seus alvos; nem mesmo estava à cata de um louco que arriscara a vida sem saber se me conquistaria como leitora.

Apenas não queria reproduções das cartilhas nas quais B com A é igual a BA. Ba com BA é BABA. Não, eu já não babava há tempos. Então, vocês já devem estar cansados, pois muitos não conseguem esperar até o desfecho para entender a informação, ou o sentido do texto. Será?

Como julgam, não raro, que o leitor é um pobre despreparado, facilitam-lhe as leituras. Roubam-lhe o direito de fazer inferências, analogias – capacidade que ele, leitor, tem desde a infância. E para isso empobrecem não apenas o jornal (como produto cultural ‘de massa’), mas se tornam a própria massa.

Voltar aos clássicos é inevitável? Ou voltar-se ao mundo atual? Porque nesse é que está um leitor ávido de ser considerado clássico também.

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Professora de Prática de Ensino e Expressão Oral e Escrita, Unesp/Faculdade de Ciências/Bauru