Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

O vizinho do Presidente

‘Ouçam com atenção o que
lhes vou dizer: o homem mais forte do mundo é o que está
mais só.’ Henrik Ibsen (1828-1906) – Um Inimigo
do Povo


Na madrugada de 31 de março, terça-feira, o toque de alvorada
foi dado, no palácio Guanabara, pelo insistente apelo do telefone.
Era Armando Falcão que desejava falar com o governador.

– Ele está dormindo um pouco – respondeu Hugo Levy, secretário
particular do governador. É muito importante?

Hugo teve apenas tempo para ouvir o recado: as tropas de Minas já começavam
a deslocar-se, em Juiz de Fora. Juntamente com o General Salvador Mandin, Secretário
de Serviços Públicos, em tempos de paz, Comandante da Praça
do Guanabara, naquele momento, Hugo dirigiu-se, rapidamente, correndo mesmo,
para o gabinete do Governador. Desde a noite de domingo que ele não saíra
mais do Palácio, e estava agora em seu gabinete, dormindo um pouco. Deixara,
no entanto, ordem severa no sentido de ser acordado a qualquer momento, desde
que acontecesse algo importante. E algo importante acabava de acontecer.


Nem bateram à porta. Foram logo entrando. Antes que dissessem qualquer coisa, Carlos Lacerda levantou-se, com um salto e uma pergunta:

– Saíram, não é? Onde?

O Palácio Guanabara começara a transformar-se numa praça de guerra na noite de domingo, 29 de março. Carlos Lacerda chegou ao Palácio na tarde daquele dia, por volta das 17 horas. Vinha de Petrópolis, mais precisamente de seu sítio, no Rocio, onde fora passar o fim de semana da Páscoa.

Um fim de semana não totalmente descansado. No sábado, por exemplo, continuou a receber notícias do Rio, notícias já um pouco nervosas. Por duas vezes já, de manhã e à noitinha, Cláudio soares, um de seus secretários, subira com informações. De qualquer forma, pôde-se jantar, no Rocio, com alguma tranqüilidade. Um jantar improvisado pelo próprio Governador, na base de galinha assada e vinho tinto. Pelo rádio do carro, fazia-se um contato precário mas permanente com o Palácio, no Rio. Mais tarde, nem mesmo esse contato pôde mais ser feito, por causa de um defeito no aparelho. Por causa disso, só no dia seguinte é que Carlos Lacerda ficaria sabendo que, ainda naquela noite, o Deputado Costa Cavalcanti fora procurá-lo no Palácio. Não o encontrando, falou com Hugo Levy, a quem deu notícias de inquietação militar, a quem informou que o discurso que proferira, dias antes, já havia recebido a adesão do General Justino, e que a do General Kruel deveria também ser noticiada em breve.

Domingo de manhã, Hugo Levy subiu para Petrópolis para almoçar com o Governador e lavar-lhe as últimas notícias: passara na casa do General Mandin, antes de subir, e soube, então, que haveria movimentos militares na Guanabara e que o estado, embora se mantivesse alheio, deveria mobilizar-se.

Quando chegou ao Palácio, Lacerda já encontrou, reunidos, o Coronel Gustavo Borges, o General Mandin e o Deputado Costa Cavalcanti. Lacerda ouviu, informou e mandou chamar o Coronel Edson Freitas, Comandante da Polícia Militar.

– Coronel, nós vamos entrar numa rebelião. Quero deixá-lo à vontade para que possa me dizer, agora, se posso contar com o senhor.

– Governador , pode contar comigo. Tenho o dever de defender o Governador e o Palácio do Governo, e o cumprirei.

A defesa do estado, em todos os seus detalhes, já vinha sendo preparada, há muito tempo, pelo Coronel Gustavo Borges. Tudo estava previsto, inclusive o abandono de posições mais afastadas e a concentração de todos os recursos em torno do Palácio. Na noite de domingo, o General Mandin assumiu o comando da praça do Guanabara, dentro dos planos traçados pelo Coronel Borges, já absorvido, então, por outros trabalhos. Era aprimorar o sistema de defesa, protegendo, principalmente, a retaguarda do Palácio: o morro Novo Mundo, por cujas encostas derramou-se alguns mil litros de óleo, a fim de impedir o acesso a qualquer peça de artilharia. Por lá, só subiriam homens a pé, com armas leves.

Durante todo o dia de segunda-feira, a vida do Palácio era o início de uma luta contra a morte, que poderia vir, a qualquer momento. Conclui-se o sistema de defesa e, à noite, o palácio não estava mais agitado do que costuma ser, nos dias de muito trabalho.

‘O Jango vai falar aos sargentos, no Automóvel Clube, daqui a pouco.’

A informação chegou, e com ela a recusa. Lacerda não quis ouvir o discurso de Jango. Desejava apenas que lhe fizessem um resumo, pois lhe bastava saber se era de ataque ou de defesa.

A impressão que tive, então, pelo resumo, foi a de que ele estava assoviando no escuro. Estava com medo.