Tuesday, 23 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

A glória da dirupção

Uma palavra que vive seu tempo de glória é dirupção. Ou disruption, em inglês, termo que vem sendo mal traduzido por “disrupção” ou “disruptura”, já que o verbo em português é “diruir” ou “derruir”, que significa “desmoronar”. A palavra é dita com pompa e orgulho no Vale do Silício, na Universidade Stanford e em toda a chamada nova economia. Mas causa terror nos que estão no outro campo econômico, nas indústrias tradicionais e nos que acreditam no saber cumulativo. Poderíamos falar em “ruptura”, mas outra tradução seria “ruína”, ou “derrubada”, já que dirupção é uma ruptura feita à força. Traz noção de colapso, de descontinuidade, de desorganização e de deslocamento.

A internet causou e ainda causará muita dirupção. Dirupção é aquele momento em que um comportamento é totalmente modificado, e o dinheiro muda de mãos. Começou pelos correios, quando a internet introduziu o e-mail décadas atrás. Avançou na indústria da música e de jogos, alterando profundamente sua forma física, seu sistema de produção, de marketing, de distribuição e de fruição. Está destruindo a receita de empresas jornalísticas, tornando a atividade muito mais complexa, menos centralizada e menos profissional, dando poder de voz a todo cidadão e transferindo publicidade para sites de busca, resumos e links.

Modifica dramaticamente a indústria editorial e de entretenimento, embora Hollywood ainda resista, já que a banda larga ainda não é tão larga nem tão acessível assim na nossa sociedade global e móvel. Mas isso é questão de tempo. Espera-se que a próxima indústria a ser diruída pela internet seja a da educação, embora o ensino a distância venha do século 20. A dirupção que destruirá escolas tradicionais mal começou.

Modelo de negócio

O Massachusetts Institute of Technology começou há uns dez anos com cursos na web. A Khan Academy veio em 2004 com Salman Khan dando aula pela internet para uma prima. Tem hoje mais de 3.000 vídeos grátis e foi chamada por Bill Gates de “o futuro da educação”. No último trimestre de 2011, o cientista Sebastian Thrun seguiu o exemplo e teve a iniciativa de oferecer também online e grátis seu curso de inteligência artificial em Stanford, com o colega Peter Norvig, que era da Nasa antes de ser do Google.

O curso de dez semanas atraiu 160 mil inscritos de 190 países. Surgiram mais de cem voluntários para traduzi-lo em 44 idiomas. Quem concluiu online ganhou certificado não válido como crédito acadêmico em Stanford, onde o dinheiro escorre pelas paredes. O presidente de Stanford, John L. Hennessy, ficou de pensar na dirupção do ensino durante seu próximo período sabático. “Há um tsunami chegando”, disse ele à revista The New Yorker.

Thrun, que é também o cabeça dos carros auto-dirigíveis do Google, ficou chocado ao saber que alunos que pagam mais de US$ 40 mil de anuidade em Stanford também podem preferir aulas por vídeo. Ele diz que não aguentou a ideia de voltar a lecionar para classes de 20 ou de 30 alunos. Por isso deixou Stanford e abriu uma startup (empresa nova). É uma escola particular grátis chamada Udacity. Qual o modelo de negócios? Vender informação dos alunos para potenciais empregadores.

O reino da descontinuidade

Se bem que no Vale do Silício o melhor modelo de negócios é não ter nenhum. Assim, os capitalistas de risco podem atribuir qualquer valor à empresa, numa futura venda ou oferta de ações, como, aliás, acaba de acontecer com o Instagram, aplicativo lançado em 2010 por dois alunos de Stanford e adquirido por US$ 1 bilhão pelo Facebook em abril passado. Receita zero.

O Instagram lembra a Polaroid – as fotos de qualidade precária que tinham na instantaneidade da revelação seu maior valor. Há algo profundamente nostálgico no Instagram, com seus filtros imitando fotos antigas.

Quem chamou a atenção para isso foi o designer Oliver Reichenstein, no encontro “Typo”, em San Francisco. “A internet é o reino da descontinuidade”, disse. É o espaço onde perdemos a noção do tempo. Por isso tanta nostalgia. Temos uma continuidade a reconquistar.

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[Marion Strecker é jornalista, cofundadora e correspondente do UOL em San Francisco; @marionstrecker]