Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Segredos íntimos ficam públicos no Facebook

Bobbi Duncan desejava desesperadamente que seu pai não soubesse que ela é lésbica. Mas o Facebook contou para ele assim mesmo.

Numa noite no fim do ano passado, o diretor do Queer Chorus, um coral de gays, lésbicas e transgêneros ao qual ela havia se juntado recentemente, expôs inadvertidamente a sexualidade de Duncan para seus cerca de 200 amigos do Facebook, incluindo seu pai, ao adicioná-la a um grupo de discussão na rede social. Naquela mesma noite, o pai de Duncan deixou mensagens mordazes em seu telefone, exigindo que ela renunciasse às relações com o mesmo sexo, diz ela, e ameaçando cortar os laços familiares.

A estudante de 22 anos chorou a noite toda no sofá de uma amiga. “Eu me senti como se alguém tivesse me dado um soco no estômago”, diz ela.

Logo ela soube que outro membro do coral, Taylor McCormick, tinha passado pela mesma experiência transtornante.

O diretor do coral, uma organização estudantil no campus da Universidade do Texas em Austin, tinha acrescentado Duncan e McCormick ao grupo do Queer Chorus no Facebook. O diretor não sabia que o software automaticamente informaria aos amigos deles no Facebook que agora eram membros do coral, cujo nome, Queer, é um dos termos em inglês para homossexual.

Controle da imagem

Os dois estudantes foram vítimas de uma brecha nos mecanismos de proteção de privacidade do Facebook: qualquer pessoa pode ser adicionada a um grupo, por um amigo, sem aprovação prévia. Como resultado, os dois perderam o controle sobre seus segredos, mesmo ambos sendo usuários sofisticados que tentavam usar as configurações de privacidade do Facebook para ocultar algumas atividades de seus pais.

“Nossos sentimentos estão com esses jovens”, diz o porta-voz da Facebook Inc. Andrew Noyes. “A experiência infeliz deles nos recorda que devemos continuar nosso trabalho para capacitar e educar os usuários sobre os nossos robustos controles de privacidade.”

Na era de redes sociais como Facebook e Google+, da Google Inc., empresas que catalogam as atividades dos usuários para obter lucros rotineiramente compartilham, armazenam e transmitem os detalhes cotidianos da vida das pessoas. Isso cria um desafio para quem transita na economia dos dados pessoais: como manter privado qualquer aspecto da vida numa era em que é difícil prever onde sua informação vai acabar?

Muitas pessoas foram acidentalmente prejudicadas por revelar segredos on-line que eram mais fáceis de manter no passado. Em Quebec, Canadá, Nathalie Blanchard perdeu os benefícios de um seguro de invalidez causada por depressão crônica depois que ela postou fotos no Facebook onde aparecia se divertindo na praia e em uma boate, ao lado de dançarinos exóticos. Depois de ver as fotos, sua seguradora contratou um investigador particular e pediu que um médico reavaliasse o diagnóstico dela, de acordo com o advogado de Blanchard.

Blanchard não percebeu que suas fotos eram visíveis ao público, segundo o advogado, que acrescentou que as pessoas deprimidas frequentemente tentam disfarçar a doença para a família e os amigos. Blanchard processou a seguradora para ter seus benefícios de volta. O assunto foi resolvido com um acordo fora do tribunal.

Uma porta-voz da Manulife recusou a discutir o caso, dizendo que “nós não negaríamos ou cancelaríamos benefícios válidos com base exclusivamente em informações publicadas em sites como o Facebook”.

Durante a maior parte da história humana, informações pessoais se espalhavam lentamente, quando muito de uma pessoa para outra. Mas a era do Facebook tornou possível divulgar assuntos particulares para grandes grupos de pessoas, intencionalmente ou não. Universos pessoais que antes podiam ser divididos entre trabalho, família, amizades e opções sexuais se tornam hoje mais difíceis de separar. Uma solução, ficar fora do Facebook, torna-se cada vez menos viável, já que a rede abrange hoje um bilhão de pessoas em todo o mundo.

A Facebook está comprometida com o princípio de uma identidade única para seus usuários. A empresa bloqueia o acesso de pessoas que usam pseudônimos ou mantêm várias contas, incluindo as de dissidentes e manifestantes na China e no Egito. A Facebook informa que seu compromisso com “nomes reais” torna o site mais seguro para os usuários. É também parte central do serviço que vende aos anunciantes, ou seja, o acesso a consumidores reais.

Homossexuais que mantém em segredo sua sexualidade enfrentam desafios particularmente grandes no controle de sua imagem on-line, já que amigos, parentes e inimigos têm condições de os expor.

Linguagem ajustada

Em Austin, Duncan e McCormick, de 21 anos, tentaram deliberadamente ocultar sua homossexualidade dos pais, ainda que se abrissem para os outros estudantes no campus. Os pais de Duncan a educaram em casa em Newton, Carolina do Norte, onde a família participa de uma igreja fundamentalista. Hoje uma estudante de linguística, ela decidiu em meados de 2011 dizer à sua melhor amiga que talvez fosse homossexual.

Ela configurou as ferramentas de privacidade do Facebook para esconder qualquer indício de sua sexualidade do seu pai, a quem ela havia ajudado a abrir uma conta no Facebook. “Depois que eu defini minhas configurações de privacidade do Facebook, eu sabia – ou achava que sabia – que não haveria qualquer problema”, diz ela.

McCormick, que é estudante de farmácia, confessou para a mãe que era gay em julho de 2011 na cidade onde cresceu, em Blanco, Texas, mas não a seu pai, a quem ele descreve como um membro de uma igreja conservadora que ensina que homossexualidade é pecado.

Ele configurou os controles do Facebook para o que ele chama de “confinamento de privacidade” para as mensagens que seu pai podia ver. “Temos um grande segredo quando somos jovens”, diz ele. “Eu sabia que nem todo mundo iria me aceitar.”

Como muitas outras universidades americanas, a Universidade do Texas em Austin oferece um espaço seguro para os jovens assumirem sua homossexualidade sem que os pais saibam. No fim do ano passado, Duncan e McCormick participaram do primeiro ensaio para o Queer Chorus. Duncan iria tocar piano e cantar. McCormick, com uma figura esbelta, surpreendeu o coral com sua voz de baixo profundo.

Em um ensaio em 8 de setembro, Christopher Acosta, então diretor do coral, perguntou se algum membro ainda não havia se juntado ao grupo no Facebook, onde os ensaios seriam planejados. McCormick e Duncan disseram que não.

Naquela noite, Acosta adicionou os dois novos membros ao grupo do coral no Facebook. O site oferece três opções para esse tipo de grupo: “secreto” (membros e discussões ficam ocultos de não membros), “fechado” (qualquer pessoa pode ver o grupo e seus membros, mas apenas os membros veem os posts), e “aberto “(tanto membros quanto conteúdo são públicos).

Acosta optou por “aberto”. “Eu estava tão entusiasmado com a ideia de um coral [gay] sem nenhuma vergonha”, diz ele.

Mas havia um preço que ele diz que desconhecia. Ao adicionar Duncan, algo que pode fazer on-line sem consentimento prévio, o Facebook postou uma mensagem a todos os amigos dela, incluindo seu pai, dizendo que ela agora era membro do Queer Chorus.

Quando Acosta apertou o botão, o Facebook permitiu a ele ignorar as configurações de privacidade que Duncan e McCormick tinham usado para esconder as mensagens de seus pais. O centro de apoio on-line do Facebook explica que grupos abertos, bem como os fechados, são visíveis ao público e publicarão notificações aos amigos dos usuários. Mas o Facebook não permite que um usuário aprove antes que um amigo os adicione a um grupo, ou esconda dos amigos que foi adicionado.

Depois de ter sido contatada pelo The Wall Street Journal, a Facebook ajustou a linguagem no Centro de Apoio on-line do seu site para explicar o risco de situações como a do Queer Chorus, na qual os amigos podem ver que alguém entrou para um grupo.

O Facebook também adicionou um link para essa nova explicação diretamente na tela onde os usuários criam grupos.

Segredos abertos

Defensores da privacidade, incluindo a União Americana pelas Liberdades Civis (Aclu, na sigla em inglês) dizem que a Facebook lentamente mudou os padrões de seu software para revelar mais informações sobre as pessoas ao público e a seus sócios comerciais.

“Os usuários muitas vezes desconhecem a extensão em que sua informação está disponível”, diz Chris Conley, advogado de tecnologia e liberdades civis da Aclu. “E se informação sensível é divulgada, muitas vezes é impossível colocar o gato de volta no saco.”

Executivos da Facebook dizem que eles têm acrescentado cada vez mais controles de privacidade, porque isso incentiva as pessoas a compartilhar. “Trata-se de facilitar o compartilhamento exatamente com quem você quer e nunca ser surpreendido sobre quem vê algo”, disse ao WSJ Chris Cox, diretor de produto do Facebook, numa entrevista em agosto de 2011, quando o site divulgou novos controles de privacidade. A Facebook se recusou a disponibilizar Cox para este artigo.

Ainda assim, defensores da privacidade dizem que falhas de controle ainda existem, e amigos podem divulgar informações sobre outros usuários. Os usuários do Facebook, por exemplo, não podem tirar do ar fotos deles postadas por outras pessoas.

A maior preocupação, segundo eles, é que muitas pessoas não sabem como usar os controles de privacidade do Facebook. Uma pesquisa realizada em meados de 2011 pelo Pew Research Center descobriu que os usuários americanos da rede social foram se tornando mais ativos no controle de suas identidades on-line, tomando medidas como a exclusão de comentários postados por outras pessoas. Ainda assim, cerca de metade relatou alguma dificuldade em gerir controles de privacidade.

Pesquisadores dizem que o aumento de configurações de privacidade pode na verdade produzir o que eles chamam de uma “ilusão de controle” para os usuários de redes sociais. Em uma série de experimentos em 2010, Alessandro Acquisti, professor da universidade Carnegie Mellon, descobriu que oferecer às pessoas mais configurações de privacidade provoca “alguma forma de excesso de confiança que, paradoxalmente, faz as pessoas compartilharem mais”, diz ele.

Allison Palmer, diretora de campanhas e programas da Aliança de Gays e Lésbicas Contra a Difamação, diz que sua organização está ajudando a Facebook a desenvolver recursos para usuários homossexuais para ajudá-los a entender a melhor como manter a segurança e a privacidade no site.

“A Facebook é uma das poucas firmas de tecnologia que fizeram disso uma prioridade”, diz ela.

Acosta, o diretor do coral, diz que ele deveria ter sido sensível ao risco de revelar o segredo de seus membros on-line. Seus pais souberam que ele era gay quando, no ensino médio, enviou um e-mail assumindo isso que acidentalmente foi parar na caixa postal de seu pai.

Hoje, diz ele, seus pais aceitam a sua sexualidade. Então, antes de criar o seu grupo no Facebook, ele não pensou sobre o risco de pais menos abertos no site.

“Eu assumo parte da responsabilidade.”

Nova configuração

Para gays, as redes sociais “oferecem tanto recursos quanto riscos”, diz C.J. Pascoe, um professor de sociologia da universidade Colorado College que estuda o papel de novas mídias na sexualidade do adolescente. “Em um espaço físico, você pode estar no comando das distintas audiências ao seu redor. Mas, num espaço on-line, você tem que estar preparado para a realidade de que, a qualquer momento, elas poderiam convergir sem o seu controle.”

McCormick e seu pai acabaram voltando a se falar. Ele diz que se sente mais seguro sobre sua sexualidade e mudou seu perfil no Facebook para “interessado em homens”.

Duncan diz que tentou restabelecer a comunicação com seu pai, mas as discussões persistiram.

“Eu finalmente percebi que não preciso de mais este problema na minha vida”, diz ela. “Não acho que [meu pai] seja mau, só está incrivelmente equivocado.”

Ela parou de retornar as ligações do pai em maio.

Duncan e McCormick continuam no coral. Acosta mudou a configuração do grupo no Facebook para “secreto” e o coral estabeleceu novas diretrizes de privacidade.

***

[Geoffrey A. Fowler, do Wall Street Journal]