Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

125 bilhões de imagens… e contando

Combinada com a internet, a fotografia digital mudou a forma como vemos e registramos o mundo. Todo dia, 300 milhões de imagens são postadas no Facebook, o que perfaz um total de 109,5 bilhões de fotos publicadas na rede social num ano. Adicione-se a isso o Instagram, comprado por Mark Zuckerberg por US$ 1 bilhão, que sozinho é responsável por 40 milhões de fotos compartilhadas diariamente (14,6 bilhões por ano). E o site Flickr teve 518 milhões de imagens publicadas só em 2012 (no ano anterior foram 560 milhões).

– As fotos digitais estão tão disseminadas que fizeram a arte de fotografar perder um pouco de sua magia… É como se fotografar não tirasse mais um pedaço da alma, como diziam os índios – afirma Eny Miranda, vice-presidente da Associação Profissional de Repórteres Fotográficos e Cinematográficos do Rio (Arfoc). – A pessoa já aponta o celular e fotografa, sem enxergar a “vida real” do que está captando.

Para especialistas, parte disso se deve a um processo gradual de aprendizado dos usuários de telefones com câmeras embutidas cada vez mais poderosas na mão (as mais recentes têm 13 megapixels). Não por acaso, o designer e fotógrafo Beto Pestana inicia esta semana no Rio o curso “Mobile Photography e Instagram: uma nova ordem estética na fotografia”, baseado em iPhones, para aprofundar esse aprendizado.

– Nossa cultura e educação sempre passaram muito pela palavra, pelo verbo – diz Pestana. – Agora, as pessoas estão aprendendo a se comunicar pelas imagens. Daí essa voragem de captura e compartilhamento.

Para ele, há um componente social, quiçá antropológico, aí. As classes emergentes, que nem sempre têm um registro fotográfico de sua história pregressa, de seus antepassados, passaram a ter acesso à tecnologia e encontraram no smartphone uma ferramenta para compensar isso, tornando-se agentes da fotografia. Na verdade, segundo Pestana, as pessoas passaram a ser mais agentes, executores da fotografia, do que seu objeto.

– Estudos dizem que a câmera é um dos principais itens de interesse do brasileiro na compra de um smartphone. E a relação com um smartphone é muito diferente da relação com uma câmera. O smartphone é hoje um dos objetos mais íntimos de uma pessoa, provavelmente o último que larga antes de dormir e o primeiro a pegar ao acordar – filosofa o designer.

Edição na própria máquina

Mesmo os fotógrafos que ainda não se renderam ao smartphone encontram novos interesses ao usar as câmeras digitais compactas. É o caso do fotógrafo francês Bertrand Linet, durante muitos anos colaborador da “Revista Geográfica Universal” e que viaja pelo globo para registrar as mais diferentes culturas.

– Há alguns meses adquiri uma pequena máquina DSLR ( digital single-lens reflex , que proporciona mais ajustes), como câmera de backup . Num evento de decoração, tirei algumas fotos com ela e, rapidamente, pude usar dois filtros para transformar a imagem – conta Linet. – Gostei muito do resultado e da possibilidade de ajuste direto na máquina. Ela tem seis filtros, com três modos cada um.

O que falta, de acordo com os analistas, é a capacidade do usuário de perceber melhor o que vai fotografar antes de dar o clique final.

– Como a fotografia digital permite uma facilidade enorme de capturar, as pessoas não examinam mais o que está diante delas, só registram exageradamente. Falta administração aí – diz Beto Pestana. – É preciso curtir o momento, escolher o melhor ângulo, refletir e minimizar a quantidade de fotos para maximizar a qualidade. E aproveitar os recursos de pós-edição com parcimônia, pois eles não substituem o bom olhar na hora de fotografar.

O especialista lembra o fotógrafo americano Ansel Adams para dizer que a imagem que fazemos está mais ligada ao conhecimento de nossa psique do que ao obturador.

– Como disse Adams, um fotógrafo não faz uma fotografia apenas com sua câmera, mas com os livros que leu, os filmes a que assistiu, as viagens que fez, as músicas que ouviu e as pessoas que amou – afirma.

Um dado negativo do vórtice fotográfico atual é que, com a facilidade de compartilhamento de imagens nas mídias sociais, os direitos autorais e o crédito do fotógrafo muitas vezes ficam esquecidos.

– Por isso passei a usar marca d'água nas minhas fotos – diz Eny Miranda, da Arfoc. – As imagens muitas vezes são usadas fora de contexto nesse compartilhamento incessante.

Se é válida a crítica ao excesso de fotos supostamente fúteis na internet – pratos de comida, unhas recém-pintadas e imagens tiradas no espelho “pra postar no Facebook”, como diz o funk “Ela é Top”, de Léo Rodriguez e MC Bola –, por outro lado não se deve esquecer o caráter voluntário de qualquer rede social.

– Tudo isso faz parte da experimentação quando se começa a usar uma nova tecnologia. As pessoas reclamam, mas se esquecem que diante do exagero basta deixar de seguir certos usuários – diz Pestana. – Por outro lado, existem usos e usos: já há menus em restaurantes de Nova York que ficam no Instagram, com direito a comentários de usuários sobre os pratos.

De certo modo, dizem os analistas, a sanha de fotografar e postar tudo na internet pode ser comparável aos blogs pessoais: todo mundo pode escrever e publicar na hora.

– Mas falta o olhar crítico, a reflexão sobre o que se vai comunicar – afirma Eny.

No futuro, imagens computacionais

O futuro da fotografia digital reserva ainda muitas surpresas. De acordo com o professor Bruno Feijó, do Departamento de Informática da PUC-Rio, se o digital acabou com a mística da revelação na sala escura, a evolução natural das imagens atuais será para a fotografia computacional, bem mais complexa e sofisticada.

– Na fotografia digital, capturamos uma projeção 2D vista pela lente e usamos os programas de pós-edição para melhorá-la, corrigi-la, transformá-la – diz Feijó. – Na fotografia computacional, captura-se não só a projeção 2D mas algo muito mais completo: é como se capturássemos o mundo à volta, com muito mais informação. Pode-se ter focos variados em planos diferentes, com parâmetros variando ao longo da captura. Com isso, seria possível perceber até coisas “ocultas” na imagem, com as profundidades de campo alteráveis.

Segundo Feijó, na fotografia computacional lentes não são necessárias – a informação vem do sensor, que embute a função das lentes, mas faz muito mais, mercê de elementos como um esquema de luz estruturado que fornece mais informações ao aparelho.

– E o processamento posterior pode oferecer muito mais possibilidades, com informações 3D e extensão do uso do recurso HDR ( high dynamic range ), que usa diferentes capturas da mesma cena para realçar a imagem final.

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André Machado, do Globo