Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1280

Quem quer um Google Glass?

Alguns dos poucos que inscreveram seus nomes na fila, durante a conferência Google I/O do ano passado, já estão comprando seus exemplares do Google Glass. São principalmente desenvolvedores de aplicativos, mas também alguns jornalistas. E faz já umas duas semanas que pipocam, pela web, os relatos das primeiras experiências. A promessa é de que o Glass chegará de fato ao mercado, numa versão mais avançada, daqui a um ano. Na história do Google, é de longe sua aposta mais ousada na criação de uma tecnologia. Mas nada garante que o Glass vai colar. Porque, para colar, ele exigirá que nós todos mudemos um bocado.

Inovação não é a marca do Google. Pode parecer uma afirmação estapafúrdia, não é. A empresa, com sede em Mountain View, Califórnia, tem talvez o melhor time de engenheiros do Vale do Silício. Coletivamente, este time sofisticou ao máximo as técnicas de capturar como todos nós navegamos pela rede, sistematizar estes dados e aplicá-los em novas tecnologias. Os produtos do Google não são particularmente bonitos mas são úteis. E eficientes. Cada botão aparece num determinado canto porque os engenheiros sabem, estatisticamente, que é ali que a maioria de nós espera encontrá-lo. No mesmo passo, ninguém sabe como manter um site de grande porte no ar, sem instabilidades, como o Google. Pode ser busca, e-mail, o que for. Engenharia sólida.

O Google está em seu melhor terreno quando coleta dados, analisa, joga respostas. Produto de consumo é coisa diferente. O Android, sistema para celulares e tablets, desenvolveu-se lentamente durante anos até chegar à atual versão. É uma versão excelente. Mas o aprendizado foi longo e árduo. A empresa tem dificuldades com produtos novos, embora saiba aperfeiçoar como ninguém. Com o Glass, o Google tenta ser Apple. Um produto de consumo radicalmente novo, resolve um problema que não imaginávamos ter. E esta primeira versão é, definitivamente, primitiva.

O que virá

Google Glass não é um óculos inteiro. É apenas a parte superior da armação. Um pouco acima do olho direito está um pequeno prisma que projeta imagens. Para ver esta tela é preciso olhar para cima. A resolução não é excelente, o espaço não é muito. Mas já dá para ver as primeiras linhas da mensagem. E, segundo os primeiros depoimentos, o mapa com direções distrai menos do que o GPS do carro.

Google Glass tira fotos e filma, embora não indique com clareza para quem está em volta que está fotografando ou filmando. A bateria não dura muito. Ele é mais pesado de um lado do que do outro e, por isso, vai pendendo. Escorrega também nariz abaixo, é preciso ficar reposicionando de tempos em tempos. Mas é confortável. A tela não permite que se mexa no foco então, para alguns míopes, fica ilegível. E não se encaixa bem sobre quaisquer óculos. A versão para consumo de 2014, porém, virá com uma armação própria na qual o aro do Glass se acopla.

Para deixar alguém do Google reticente, basta perguntar sobre privacidade. O sujeito entra no banheiro público com Google Glass, ninguém sabe se está filmando. É o exemplo mais óbvio. Mas pode ser uma discussão, uma conversa privada, são inúmeros os exemplos em que o aparelho pode se mostrar inconveniente. A resposta padrão é: a sociedade terá de se reacomodar, decidir qual é a nova etiqueta. Claro que sim. Uma das soluções possíveis é, simplesmente, recusar o aparelho. Achar que ele não tem lugar.

O que o Google Glass não faz é reconhecer rostos. Mas poderia. E registrar a imagem, analisar aquelas feições e jogar uma resposta, afinal, é o exemplo típico daquilo que a empresa Google faz muito bem. Decidiram não incluir o uso óbvio na primeira versão do aparelho porque seria forçar muito a barra da privacidade. Um instrumento de identificação nas mãos de qualquer um é mudança, talvez, radical demais.

Ainda falta um ano e o Google decidiu distribuir umas centenas de aparelhos por aí. É teste para eles e para nós. Coisas acontecerão. Pessoas vão se incomodar, outras não. Vamos ler estas histórias e pensar em como nós reagiríamos. Para o Google, é uma mudança radical. Se der certo, a empresa se reinventa.

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Pedro Doria é colunista do Globo