Saturday, 20 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Preocupar-se com número de acessos é uma estupidez

O indiano Avinash Kaushik tem um cargo peculiar: ele é evangelista de marketing digital do Google. Entre as suas atribuições, estudar e palpitar sobre o comportamento das pessoas na rede.

Para ele, medir o sucesso de um site pelo número de acessos é “estupidez”. Muito mais importante, afirma, é ter leitores ou clientes fiéis.

Nesse sentido, ele defende a cobrança por conteúdo da internet, estratégia adotada por jornais estrangeiros como o “New York Times” e, no Brasil, pela Folha.

Ele ainda critica os sites de empresas de varejo brasileiras, que, em sua opinião, são pouco amigáveis, e afirma que o Google não oferece risco à privacidade das pessoas na internet.

Page-views [número “bruto” de páginas visualiza de um site em um determinado período] ainda são um sinônimo de sucesso digital…

Avinash Kaushik – É uma estupidez!

Por quê? E o senhor acha que isso está mudando?

A.K. – Se você tem um site, o seu retorno publicitário está relacionado com page-views. O problema, eu acho, é o que o page-view incentiva, o modelo mental que ele cria.

Você pode criar o site mais estúpido. As pessoas vão acessar, mas o que você, como negócio, ganha? Quer dizer, como você faz dinheiro?

A.K. – Por exemplo, eu amo o “New York Times”…

Essa era a próxima pergunta…

A.K. – [Risos.] Eu pago para acessar o “New York Times” na internet. Onde eu vou no mundo, o consumo de notícias está aumentando, mesmo que o papel vá embora. Assim, o “Times” pode oferecer reportagens sobre o novo cachorro do Obama pela audiência. Mas eu não pago pelo cachorro, pago pelo conteúdo de alta qualidade. Jornais na internet não lucrarão com quem aparece uma vez, mas com quem vai ao site sempre, que vai pagar. Fidelidade é o que importa.

Mas, como o senhor mesmo aponta, o faturamento publicitário está ligado aos acessos.

A.K. – Sim, infelizmente. Me parte o coração que a indústria da propaganda ainda trabalhe do mesmo modo antigo: uma revista tem tal circulação, então sua propaganda custa tanto e atinge tantos –mesmo que o sujeito nem olhe para o anúncio. Fomos para a internet e a mentalidade continuou a mesma.

Meu conselho para os veículos: OK, jogue o jogo deles por enquanto, porque, se você parar de jogar, você quebra. Mas trabalhe forte para conseguir se rentabilizar de outras maneiras. É difícil dizer se o “paywall” [sistema de cobrança por conteúdo] é o futuro. Está funcionando no “New York Times”, no “Financial Times”. Com o tempo, anunciantes mudarão também. Verão que visitantes fiéis são um ativo dos sites –porque são “premium”, porque não há como encontrá-los em outro lugar.

Como o senhor tem certeza dessa mudança futura?

A.K. – Tenho filhos de 11 e 9 anos. Quando digo que íamos a lojas de discos, eles simplesmente não entendem. Eu digo “mas era gigantesco, tinha muitos andares”, eles acham que estou mentido. [Risos.]

Como será quando forem eles e seus amigos os responsáveis por tomar decisões no mercado de publicidade?

A.K. – Outro dia fui com minha filha ao mercado e vimos um produto para lavar o rosto.

Você acredita que ela pegou meu celular, apontou para o código de barras e em segundos se abriu uma página com centenas de resenhas sobre o produto, mostrando que 6.000 pessoas o tinham curtido no Facebook? Pensei “que menina insana, eu nunca teria feito isso!”. Hoje, se uma empresa, de qualquer área, não tem estratégia digital, está ferrada, vai morrer, é questão de tempo.

As empresas de varejo lidam mal com a internet?

A.K. – Sim. Veja a loja de luxo americana Neiman Marcus. A camiseta mais barata custa US$ 200. Mas você vai lá e se sente importante. Eles paparicam, fazem tudo por você. Mas vá ao site deles. Parece o KMart [loja popular de departamentos]. Eu sei que a experiência off-line deles é incrível, mas e os meus filhos, cujo primeiro contato com a marca provavelmente vai ser pela internet? Não verão sentido naqueles preços.

Mas o que exatamente uma loja pode fazer para aprimorar “a experiência” on-line?

A.K. – Encaramos os sites como só um jeito de receber pedidos. Tem de ser mais que isso. Dou um exemplo: eu queria um sapato Puma vermelho. Vi no Google Brasil o que aparecia. No Netshoes, é ok. É um pouco Kmart. Fui jogado para o setor de sapatos, tinha vários Puma, está bom… Mas veja o Zappos.com. Criam uma página especial só com Pumas vermelhos, exatamente como eu queria! É incrível, perfeito, você se sente muito feliz com eles. Os dois sites usam as mesmas tecnologias. É só querer.

O senhor viu mais sites daqui?

A.K. – Sim. No Submarino, veja, pediram para instalar uma atualização no computador para que eu pudesse ver o site perfeitamente e comprar… Outra questão é a apresentação em celulares. Veja isso! [Mostra Buscapé, Americanas e Dafiti.] É como acessar de um desktop, mal dá para ver o produto. Mas o Magazine Luiza é especial para celulares, a navegação é ótima.

Google e o Facebook têm sido muito criticados por quem defende maior privacidade dos dados pessoais na internet.

A.K. – No Google, privacidade é fundamental. Não posso falar pelo Facebook. Analisamos o comportamento das pessoas de forma anônima, ajudando os sites a terem informação sobre seu público. A análise anônima permite oferecer anúncios relacionados a seus interesses, e você pode desabilitá-la se quiser.

O que faz um “evangelista”?

A.K. – Ajudo os clientes do Google a entender o marketing digital, a compreender os dados que acumulam sobre o perfil dos seus clientes.

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Ricardo Mioto, da Folha de S.Paulo